Indignação nos EUA faz Congresso votar e Trump assinar liberação dos arquivos de Epstein

Trump e Epstein em conversa animada (NBC)

O presidente Donald Trump, que em julho chamara o clamor amplo e geral pela liberação dos arquivos do pedófilo bilionário Jeffrey Epstein de “embuste”, assinou na quarta-feira (19) à noite a lei votada em regime de urgência pelas duas casas do Congresso para obrigar o Departamento de Justiça dos EUA a liberar os documentos.

E, portanto, para dar fim ao encobrimento do escândalo do tráfico de menores nas altas rodas do país por mais de duas décadas, em que são citados desde o próprio Trump e o ex-presidente democrata Bill Clinton, até banqueiros e chefões das Big Tech, além do príncipe inglês Edward, em que centenas de meninas de 13 a 17 anos foram abusadas e traficadas.

A secretária de Justiça de Trump, Pam Bondi, que em abril dissera que a “lista (dos clientes) de Epstein já está na minha mesa” e que depois desmentira tudo, agora terá 30 dias para apresentá-la.

Segundo a mídia, os “Arquivos de Epstein” contêm mais de 300 gigabytes de dados, documentos, vídeos, fotografias e áudios armazenados no principal sistema eletrônico de gerenciamento de casos do FBI, a agência federal de investigações dos EUA, o “Sentinel”.

Durante meses, os líderes republicanos na Câmara e no Senado fizeram de tudo para impedir a votação, pedida pelos deputados Ro Khanna (democrata) e Thomas Massie (republicano). Trump há uma semana inclusive rompera com a deputada republicana, Marjorie Taylor Greene, que já foi uma das suas mais dedicadas adeptas, chamando-a de “traidora”, por ela persistir na exigência de apuração do escândalo.

Na véspera da votação no Congresso, vítimas de Epstein se manifestaram no Capitólio, levando fotos de quando foram abusadas pelo pedófilo, e exigindo a divulgação dos arquivos.

Curiosamente, Trump, notório pela parceria e intimidades com Epstein nos anos 1990 e 2000, havia tornado a divulgação dos arquivos do pedófilo em promessa de campanha, ao lado da revelação dos arquivos de JFK, mas aparentemente mudou de ideia ao receber a informação, pelo FBI, de que seu nome aparecia numerosas vezes nos documentos do escândalo.

Talvez a aposta fizesse parte da sua crença na capacidade de manipular qualquer um, como citou na primeira campanha à presidência, em que se gabara de que poderia “dar um tiro em alguém na 5ª Avenida e não perderia votos”.

Para analistas, essa nova reviravolta de Trump não passa de um esforço para “contenção de danos” à sua reputação.

Trump, que não tem como negar a intimidade com Epstein, diz que foram amigos por vários anos, mas romperam relações no início dos anos 2000.

Epstein, que de simples professor de uma escola de ensino médio de elite ascendeu às alcovas de Wall Street, tornando-se bilionário, dono do famoso “Lolita Express” e da Ilha Pedô, e figurinha carimbada das nas altas rodas da plutocracia, apareceu morto na cela em Nova Iorque em 2019, no primeiro mandato de Trump.

Ele havia sido preso em investigação desencadeada pelos promotores de NY após denúncia do Miami Herald sobre o vergonhoso acordo judicial secreto de 2007 que livrara o pedófilo de muitos anos de cadeia pelo tráfico de 30 menores, com Epstein tendo apenas de passar 13 meses pernoitando em uma ala especialmente ajeitada para ele e podendo sair “para trabalhar”, depois de alegar ter pedido uma prostituta sem saber que era menor.

Coincidentemente, o promotor de Miami que em 2007 viabilizara o acordo secreto em favor de Epstein em 2019 era o secretário de Trabalho do primeiro governo Trump, Alex Acosta, que acabou tendo de renunciar. Quanto ao cadáver de Epstein na cela da prisão em Manhattan, para grande parte da opinião pública nos EUA o que houve foi uma queima de arquivo.

PEGA O CLINTON

Uma semana antes de dar meia volta à recusa em divulgar os “arquivos Epstein”, Trump havia ordenado que a secretária de Justiça investigasse o ex-presidente Bill Clinton, o ex-secretário do Tesouro Larry Summers, o fundador da LinkedIn, Reid Hoffman, conhecido doador das campanhas democratas, e executivos do maior banco dos EUA, o JP Morgan Chase.

Seria talvez a última tentativa de tirar o nó do próprio pescoço, depois que deputados democratas divulgaram uma série de e-mails de Epstein ao escritor Mike Wolff e à cafetina e ex-namorada Gislaine Maxwell, em que dizia que “Trump era o cachorro que não latiu”, por ter estado “por horas” na casa de Epstein com a vítima menor e “nunca foi mencionado” e que Trump “sabia das garotas”. Ele disse ainda, em outro e-mail, saber “o quão sujo Trump é”.

Apesar de toda a agressividade que lançou contra integrantes do movimento MAGA que exigiam a divulgação dos arquivos de Epstein, Trump não conseguiu demover ninguém. Afinal, sob queda na aprovação de 47% para 38%, enorme desgaste de sua política de tarifaço por causa da inflação e derrotas nas eleições em Nova Iorque, Virgínia e Nova Jersey, Trump precisou recuar, e anunciou no domingo passado que passava a apoiar a divulgação.

Nesse ínterim, o FBI trabalhou dia e noite “redatando” documentos preventivamente.

De acordo com as pesquisas, apenas 20% dos americanos, incluindo apenas 44% dos republicanos, aprovam a forma como Trump lidou com a questão de Epstein. Uma esmagadora maioria — incluindo 87% dos democratas e 60% dos republicanos — acredita que o governo está escondendo informações sobre os “clientes” de Epstein.

‘CARA FANTÁSTICO ESSE JEFF’

Sintomática desse entrelaçamento de convívios nas altas rodas das elites dos EUA, declaração em 2002 de Trump a um jornalista da revista New Yorker, afirmava: “Eu conheço Jeff [assim, no diminutivo] há 15 anos. Cara fantástico … um bocado divertido. Diz-se que ele gosta de belas mulheres tanto quanto eu, e muitas delas são do lado mais jovem. Nenhuma dúvida disso – Jeffrey curte sua vida social”. E fotos de “Jeff” e Trump mais novos têm viralizado nas redes sociais, apesar das tentativas de varrê-las

Epstein, que deu várias caronas a Bill Clinton em seu Lolita Express, mereceu elogios do ex-presidente: “Jeffrey é tanto um financista altamente bem sucedido e um filantropo comprometido com um senso agudo dos mercados globais e um conhecimento profundo da ciência do século XXI… eu aprecio especialmente seus insights e generosidade durante a recente viagem à África para trabalhar pela democratização, empoderamento dos pobres, serviço dos cidadãos e combate ao HIV/AIDS”.

Em setembro, parlamentares divulgaram uma cópia de um “livro de aniversário”, organizado por Ghislaine e entregue em 2003 a Epstein, e que inclui uma nota supostamente escrita e assinada por Trump. O material foi entregue ao Congresso por advogados do espólio de Epstein.

“Narração: Deve haver mais na vida do que ter tudo.

Donald: Sim, há, mas não direi o que é.

Jeffrey: Nem eu, já que também sei o que é.

Donald: Temos certas coisas em comum, Jeffrey.

Jeffrey: Sim, temos, pensando bem.

Donald: Enigmas nunca envelhecem, você reparou isso?

Jeffrey: De fato, isso ficou claro para mim na última vez que te vi.

Donald: Um amigo é algo maravilhoso. Feliz aniversário — e que cada dia seja outro segredo maravilhoso”.

Isso tudo dentro de um esboço de uma mulher nua, encerrado pela agora famosa assinatura Donald Trump. A cópia foi reproduzida pelo The Wall Street Journal, ao qual Trump processou, negando a autoria, dizendo que a mensagem era “falsa” e pedindo uma indenização de US$10 bilhões. Ainda sem decisão final.

ENCOBRIMENTO AO LONGO DE CINCO PRESIDENTES

Em uma recente coletiva de imprensa, uma das vítimas de Epstein, seus cúmplices e acobertadores, Annie Farmer, relembrou que “o caso abrangeu cinco presidentes, de ambos os partidos, começando em 1996, quando sua irmã relatou ao FBI o que Epstein havia feito com elas, apenas para ter a ligação desligada na cara — isso durante a presidência de Clinton, disse ela. Depois, em 2006, o FBI “nos interrogou, mas nada aconteceu”, durante a presidência de George W. Bush. Em 2015, quando tiveram o acesso às informações negado pelo FBI, Barack Obama era presidente. Em 2019, quando Epstein morreu, Trump era presidente. Em 2023, o governo foi solicitado a investigar as falhas na investigação do caso de sua irmã, mas não houve resposta durante a presidência de Joe Biden. Este ano, com a promessa de campanha de Trump de divulgar todo o dossiê, o Departamento de Justiça anunciou o encerramento do caso sem prosseguir com a investigação dos associados do réu”, registrou o La Jornada.

Entre as vítimas, está a brasileira Marina Lacerda, identificada como a “vítima menor de idade número um” na acusação federal contra o financista em um processo de 2019. “Fui uma das dezenas de meninas que conheço pessoalmente que foram forçadas a morar na mansão de Jeffrey na Rua 9E 71, em Nova York, quando éramos crianças”, disse ela em uma entrevista em setembro, em prol do fim da impunidade e encobrimento.

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