PF e CGU apertam cerco às fraudes com emendas parlamentares

Agentes da PF e da CGU em ação (Foto: Divulgação - PF)

Operação desta sexta-feira expõe como emendas parlamentares e contratos pulverizados alimentam esquemas locais de corrupção; auditorias indicam prejuízo superior a R$ 22 milhões

A deflagração da Operação Fake Road — estrada falsa —, nesta sexta-feira (28), pela PF (Polícia Federal) e pela CGU (Controladoria-Geral da União), lança luz sobre problema que já não cabe debaixo do tapete: o sistema de emendas parlamentares — transformado em motor de governabilidade — se tornou também caldo fértil para fraudes, desvios e redes de interesse que atuam com poucas amarras institucionais.

O caso não se resume a obras malfeitas ou a contratos descuidados. Auditorias da CGU apontam esquema estruturado, com “indícios robustos” de superfaturamento, pagamentos por serviços fictícios, medições forjadas e sobrepreços que consumiram mais de R$ 22 milhões entre 2022 e 2023.

A engrenagem teria funcionado dentro do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca) e foi turbinada por emendas parlamentares.

Enquanto isso, o Parlamento segue ampliando o volume de recursos descentralizados e reduzindo, na prática, o controle do Executivo sobre o gasto público.

Paradoxo que se repete: cobra-se do governo federal eficiência e probidade, mas pedaço crescente do Orçamento Público opera em zonas cinzentas, sem transparência e com fiscalização desigual.

ESQUEMA SOFISTICADO, FISCALIZAÇÃO FRÁGIL

Segundo a PF, a organização criminosa atuava de forma profissionalizada. A estratégia desconcertante era simples:

1. Emendas parlamentares direcionadas para municípios vulneráveis, com baixa capacidade técnica;

2. Licitações manipuladas, garantindo vitória de empresas escolhidas previamente; e

3. Medições fraudulentas, autorizando pagamento integral mesmo com obras inexistentes.

O modelo é conhecido no submundo da política local: contratos pulverizados, prefeituras dependentes de repasses, construtoras pequenas e ambiente ideal para fraudes que passam despercebidas até se tornarem escândalo.

O problema — político e sistêmico — é que não se trata de exceção, mas de método.

CGU ALERTAVA PARA PADRÃO NACIONAL

Relatórios sigilosos da CGU, agora parcialmente revelados, apontavam a existência de “padrão reiterado” de irregularidades em contratos financiados por emendas. Esse alerta, no entanto, pouco ecoou no ambiente político.

O Congresso segue defendendo a autonomia para distribuir recursos, enquanto governistas e oposicionistas operam sob a mesma lógica: garantir bases eleitorais, ampliar influência local e, em alguns casos, alimentar esquemas ilícitos, no caso da oposição, em particular, a bolsonarista.

“É o Orçamento com dono quando interessa; e sem dono quando convém”, resume técnico da CGU ouvido sob reserva.

PROBLEMA É ESTRUTURAL

A Fake Road não é ponto fora da curva. Se soma à sequência de operações — Florence, Expertise, e investigações no RS, PA, GO e PE — que revelam mosaico de fraudes distribuídas por todo o País.

Esse fenômeno avança justamente sobre o espaço aberto pelo presidencialismo de coalizão invertido, no qual o Parlamento pauta o Executivo, controla a liberação de verbas e se beneficia de ambiente em que a fiscalização não acompanha a velocidade da liberação de recursos.

Com mais emendas, mais pulverização e menos controle, crescem as chances de corrupção e a dificuldade de responsabilização.

GOVERNABILIDADE A QUALQUER CUSTO?

O modelo político atual estimula a proliferação de esquemas locais porque o governo, para sobreviver, precisa liberar verbas. Muitas vezes sem saber exatamente o destino final.

A consequência é perversa: o Executivo assume o ônus político das irregularidades, enquanto grupos parlamentares se beneficiam dos recursos e, em casos de fraude, se descolam do escândalo.

O resultado é um Orçamento com mais poder para quem libera e menos responsabilidade para quem gasta, equação que abre flancos para corrupção e fragiliza a gestão pública.

O QUE ESTÁ EM JOGO

A PF e a CGU prometem aprofundar as investigações e admitem novas fases. Mas, além das medidas judiciais — bloqueio de bens, quebras de sigilo e responsabilização criminal —, há discussão maior na mesa: o Brasil precisa decidir se continuará alimentando modelo de governabilidade que multiplica oportunidades de fraude ou se avançará para sistema que combine autonomia política com responsabilidade fiscal e transparência.

Até lá, operações como Fake Road continuarão sendo mais sintoma que cura.

Leia a íntegra da nota da PF sobre a operação:

A Polícia Federal deflagrou, nesta sexta-feira, 28/11, em conjunto com a CGU, a Operação Fake Road, com o objetivo de apurar irregularidades em contratos de pavimentação firmados pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS) e financiados por emendas parlamentares.

As investigações tiveram início a partir de auditorias da Controladoria-Geral da União (CGU), que identificaram indícios de superfaturamento, execução parcial ou inexistente dos serviços, medições fraudulentas e favorecimento indevido de empresas contratadas.

Os elementos colhidos apontam para a atuação de servidores públicos e representantes de empresas privadas, em possível organização criminosa voltada ao desvio de recursos públicos, com prejuízo estimado em mais de R$ 22 milhões.

Estão sendo cumpridos 11 mandados de busca e apreensão, expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), distribuídos nas seguintes cidades: Fortaleza/CE – 9 mandados; Natal/RN – 2 mandados.

As medidas incluem ainda pedidos de bloqueio judicial de bens e valores, indisponibilidade de imóveis e veículos, busca pessoal e veicular, bem como a quebra de sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático dos investigados.

A operação conta com a participação de aproximadamente 50 policiais federais e tem por finalidade coletar novas provas, assegurar a interrupção de eventuais práticas ilícitas e reforçar o compromisso da Polícia Federal no combate ao desvio de recursos públicos e à corrupção.

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