Paul Alston, relator das Nações Unidas para Pobreza e Direitos Humanos, observa que enquanto May corta impostos dos mais ricos, promove feroz corte dos gastos sociais, o que torna “a pobreza uma escolha política”
“Que quase uma a cada duas crianças seja pobre na Grã Bretanha do século XXI é não apenas uma desgraça, mas uma calamidade social e um desastre econômico”, afirmou o relator da ONU para Pobreza e Direitos Humanos, Paul Alston, em seu contundente relatório que condena o feroz arrocho neoliberal em vigor no país e que, inclusive, pode ser agravado a pretexto do Brexit.
O governo May rechaçou as conclusões do relatório Alston, mas o principal monitor da pobreza da ONU escreveu que “qualquer um que abrir os olhos” pode ver “o imenso crescimento dos bancos de alimentos e as filas de espera lá fora, as pessoas dormindo nas ruas e a intensificação da falta de moradia”, que subiu 60% desde 2010.
Alston percorreu a Grã Bretanha por duas semanas, visitou comunidades carentes, debateu com instituições acadêmicas e com o governo, e concluiu que as medidas de arrocho neoliberal e os cortes nos programas sociais “infligiram desnecessariamente grande miséria, sobretudo aos trabalhadores pobres, às mães solteiras lutando contra as adversidades, às pessoas com deficiência já marginalizadas e a milhões de crianças presas num ciclo de pobreza do qual terão grande dificuldade de escapar”. No ano passado, demolidor relatório de Alston havia exposto a enorme miséria no país mais rico do mundo, os EUA, e repudiado o abandono à própria sorte de 40 milhões de pobres.
Embora a Grã-Bretanha tenha a quinta maior economia do mundo, Alston constatou que um quinto da população – 14 milhões de pessoas – vive na pobreza, enquanto 1,5 milhão são “destituídos, incapazes de arcar com as necessidades básicas”. Com base em dados do Instituto para Estudos Fiscais, a pobreza corre o risco de aumentar 7% entre 2015 e 2020, atingindo até 40% das crianças, situação que considerou calamitosa.
Como registrou Alston, na Grã Bretanha um número cada vez maior de pessoas depende de bancos de alimentos e outras instituições de caridade para sobreviver, enquanto o governo May comete enormes cortes em programas sociais essenciais, não por necessidade econômica, como ressaltou, “mas pelo compromisso de conseguir uma reengenharia social radical”.
“A compaixão britânica por aqueles que estão sofrendo foi substituída por uma abordagem punitiva, mal-intencionada e muitas vezes insensível, aparentemente destinada a incutir disciplina onde é menos útil, impor uma ordem rígida às vidas daqueles menos capazes de lidar com os problemas do mundo de hoje e elevar o objetivo de fazer cumprir cegamente ao invés de uma preocupação genuína de melhorar o bem-estar dos que estão nos níveis mais baixos da sociedade britânica”, ressaltou Alston.
O relator da ONU assinalou que “a pobreza é uma escolha política na Grã Bretanha”, como se depreende da decisão recente do governo de cortar impostos dos mais ricos, ao invés de usar esses recursos públicos para o alívio da persistente pobreza.
Especialmente alarmante para o relator especial foi o fato de o governo negar os efeitos da austeridade meses depois de ter sido necessário nomear um ministro para a prevenção do suicídio. Alston escreveu que “ouviu história após história de pessoas que consideraram e até tentaram o suicídio”. Um funcionário dos serviços sociais disse a ele que “o impacto acumulado de sucessivos cortes foi devastador”.
Alston também condenou a recente adoção, pelo governo May, do “Crédito Universal” (UC), criado para substituir o seguro-desemprego, o auxílio-moradia e outros benefícios, e que subtrai cerca de 3.200 dólares por ano de mais de três milhões de famílias que dependem desses recursos para subsistirem. A implantação do UC foi feita sob o cínico pretexto de tornar mais conveniente para as famílias o acesso aos benefícios enquanto economiza dinheiro do erário.
“Muitos aspectos do projeto e implantação do programa sugeriram que o Departamento de Trabalho e Pensões está mais preocupado em economizar dinheiro e enviar mensagens sobre estilos de vida do que em responder às múltiplas necessidades de pessoas com deficiência, perda de emprego, insegurança habitacional, doença e as exigências da condição de pais”, advertiu Alston. Ele chamou tais reformas de “duras e arbitrárias”, infligindo “grande miséria” a milhões de britânicos.
Alston também se manifestou muito preocupado com as consequências do Brexit – saída da União Europeia – sobre esse enorme contingente de britânicos pobres e miseráveis. “Nas minhas reuniões com o governo, ficou claro para mim que o impacto do Brexit nas pessoas em situação de pobreza é uma reflexão tardia, a ser tratada através de manipulações da política fiscal posteriores”.
Ele advertiu que, “dado o vasto número de políticas, programas e prioridades de gastos que precisarão ser abordados nos próximos anos, e as principais mudanças que inevitavelmente os acompanharão, são os membros mais vulneráveis e desfavorecidos da sociedade que serão menos capazes de lidar com eles e sentirão o maior impacto”, citando a projeção do FMI de perda entre 5% e 8% do PIB em caso de um Brexit sem acordo, “representando uma perda de milhares de libras por família”.
A.P.