O movimento de Pequim segue sem pressa – e de olho nos impasses provocados pela ação unilateral e imperialista dos EUA e pelas resistências da União Europeia
A China sinalizou, recentemente, interesse em estabelecer um acordo comercial com o Mercosul, mesmo admitindo que não há intenção de que a iniciativa prospere em futuro próximo.
Se há um elemento indissociável da cultura oriental, esse elemento é a paciência. Os chineses não fogem à regra e exercem os movimentos na área comercial com cautela, sempre na defesa de seus interesses estratégicos, buscando respeitar os interlocutores, estejam onde estejam, o que elimina o caráter imperialista da grande nação asiática, rigorosamente, o oposto dos Estados Unidos.
Nesse caso, a China analisa o quadro das possibilidades de parceria comercial com o Mercosul com flexibilidade política e uma perspectiva de longo prazo. A informação foi publicada pelo jornal Valor Econômica, na coluna do repórter Assis Moreira.
Tem lógica.
Depois de um extenso período, o Uruguai buscou estabelecer um pacto bilaterial com os chineses, que sinalizaram positivamente, mas indicaram que um acordo restrito a Montevidéu não progrediria para não gerar desconforto com o Brasil e outras nações que integram o Mercosul. A medida poderia ser vista como um gesto de desprezo ao bloco.
O fato é que a China sinalizou, claramente, a disposição de criar um ambiente favorável que permita o avanço das negociações no futuro, o que dialoga com o cenário mais amplo de reestrutura do comércio mundial, caracterizado, hoje, por tensões políticas provocadas, fundamentalmente, pelas ações unilaterais do governo Trump, dos EUA, algo que se verificou com maior intensidade nos tarifaços adotados de forma anárquica, sem critérios, com um único objetivo de desorganizar o comércio global, afetar os interesses dos chineses, sempre que possível, e, com isso, buscar impor os interesses imperialistas da Casa Branca, com o uso da força, se necessário, como acontece atualmente nas agressões e ameaças à soberania da Venezuela.
Outro elemento que estimula a ação da China são as dificuldades na conclusão do acordo do Mercosul com a União Europeia (EU), em que pese todos os esforços do Brasil e do empenho pessoal do presidente Lula. As manobras procrastinatórias adotadas pela UE acumulam frustrações e, consequentemente, a abertura de novas parcerias comerciais com base em novas alianças estratégicas.
REDIRECIONAMENTO DO COMÉRCIO
Na prática, alguns países do bloco, em face do tarifaço unilateral dos EUA, já redirecionaram parte de seu comércio exterior. As exportações chinesas seguem em forte expansão, e em 2024 o maior crescimento percentual das vendas externas da China ocorreu justamente para o Brasil, com alta de 22%. Em 2025, o ritmo dos embarques chineses para o mercado brasileiro continua superior ao das exportações brasileiras para a China, reduzindo o superávit comercial do Brasil na relação bilateral.
Em consequência, atualmente, a maior parte das medidas antidumping em vigor no Brasil recai sobre produtos chineses, refletindo a preocupação da indústria nacional com a concorrência asiática.
Ao mesmo tempo, há dificuldades políticas no Mercosul resultantes, essencialmente, do alinhamento doentio e automático do governo Milei, da Argentina, ao de Trump, dos EUA, chegando ao ponto de apoiar as ameaças intervencionistas da Casa Branca na Venezuela, operadas sob a inspiração a nova Doutrina Monroe.
O governo de extrema-direita argentino tornou-se, por isso mesmo, uma espécie de cabeça-de–ponte de Trump para tentar conter o avanço da influência chinesa na região.
Pequim, apesar das pressões de Washington, tem revelado um desempenho exportador da China que continua impressionando parceiros comerciais. Em novembro, o país registrou superávit comercial de US$ 1 trilhão, evidenciando sua capacidade de diversificar vendas externas com produtos competitivos em preço e qualidade.
Um fato bastante revelador, também, da decadência da economia norte-americana, que estava e está longe de ser a pintura descrita por Biden na última campanha presidencial, que custou a derrota dos democratas e a ascensão, novamente, da extrema-direita à Casa Branca.
AS VANTAGENS COMPARATIVAS COM A CHINA
Mas, com os chineses, também nem tudo são flores, pois, enquanto amplia sua presença como grande exportador, Pequim começa a endurecer o acesso ao próprio mercado. A mais recente preocupação dos parceiros é uma investigação que pode resultar na imposição de cotas para a importação de carne bovina. Caso a restrição seja confirmada, o Brasil poderá ser um dos países mais afetados.
A indústria brasileira – ou, pelo menos, um setor dela – historicamente demonstra cautela em relação ao aprofundamento dos fluxos comerciais com a China. Ainda assim, em 2023, quando os chineses já haviam sinalizado acordo com o Mercosul, representantes da Confederação Nacional da Indústria (CNI) defenderam que o diálogo não precisaria começar por um tratado amplo de livre comércio, mas poderia avançar por caminhos intermediários, como acordos de facilitação de comércio.
Apesar disso, são inegáveis as vantagens comparativas nos acordos firmados com os chineses no comércio internacional, pois Pequim, invariavelmente, apoia-se em benefícios mútuos nos acordos de livre comércio nos 23 que estão em vigor, envolvendo 30 países e blocos regionais, como a Asean, ou seja, um jogo de ganha-ganha e não de ganha-perde, como querem sempre os Estados Unidos. Outros dez acordos estão em negociação e oito em fase de estudo.
Na América Latina, a China já possui acordos de livre comércio com Chile, Peru, Costa Rica e Equador. Também negocia com Honduras e Panamá e conduz um estudo de viabilidade com a Colômbia.
Nesse contexto, a China segue avançando com força no Mercosul e demonstra disposição para esperar o tempo necessário. Com isso, Pequim aposta na paciência estratégica que seu sistema político permite para, no futuro, discutir um acordo comercial preferencial com o bloco sul-americano.











