Deputados exigem a liberação de centenas de milhares de documentos, ainda escondidos do público norte-americano, sobre o rumoroso caso da depravação que envolve Trump
Parece que o escândalo dos arquivos Epstein está dando nos nervos do presidente Donald Trump a ponto de dedicar uma “mensagem de Feliz Natal” a todos “incluindo os muitos que amavam Jeffrey Epstein, deram-lhe sacos de dinheiro, visitaram sua ilha, compareceram às suas festas e o achavam o melhor cara do mundo, só para ‘descartá-lo como um cão’ quando as coisas ficaram difíceis, falsamente alegando que não tinham nada a ver com ele, que não o conheciam, dizendo que ele era uma pessoa nojenta e depois culpando, claro, o presidente Donald J. Trump, que na verdade foi o único que realmente abandonou Epstein, e muito antes de isso se tornar moda”.
É duvidoso que essa diatribe tenha efeito sobre profusão de fotos dos alegres casais Trump-Melania e Epstein-Ghislaine, ou da pose de “best friends” de Trump e Epstein, exibidos por toda a parte, em atos cobrando que os arquivos do pedófilo saiam à luz. A ponto do Congresso dos EUA ter de aprovar em novembro a Lei de Transparência dos Arquivos Epstein, cujo cumprimento foi retardado ao máximo.
A foto dos casais: em fevereiro de 2000, Donald Trump (então com 53 anos, à esquerda) posa com sua namorada Melania (então com 29 anos, a segunda da esquerda para a direita), Jeffrey Epstein (então com 47 anos) e sua braço direito Ghislaine Maxwell (então com 38 anos) em Mar-a-Lago, a propriedade de Trump em Palm Beach (Flórida).
Em uma famosa entrevista à revista New York, de 2002, em um perfil sobre Epstein, Trump disse: “Conheço Jeff há 15 anos. Um cara ótimo”. “É divertido estar com ele. Dizem que ele gosta de mulheres bonitas tanto quanto eu, mas muitas delas são mais jovens. Não há dúvidas – Jeffrey aproveita sua vida social”.
De acordo com documentos apresentados pelo Wall Street Journal e pelo New York Times, há outras manifestações ainda mais comprometedoras, como a dedicatória da celebração dos 50 anos de Epstein.
Na campanha presidencial, Trump prometera mostrar os arquivos de Epstein, mas já de volta à Casa Branca passou a dizer que isso era uma “fraude democrata”, enquanto sua secretária de Justiça, Pam Bondi, voltava atrás da declaração de que a “lista de clientes” já estava sobre sua mesa.
SPOILER: “ALEGAÇÕES FALSAS E SENSACIONALISTAS”
Na véspera de Natal, a pressão aumentara tanto que o Departamento de Justiça (DOJ, na sigla em inglês), depois de muita lenga-lenga, soltara uma nova leva dos arquivos do pedófilo bilionário e durante pelo menos duas décadas assíduo parceiro de assédios nas altas rodas de Wall Street e de Palm Beach.
Curiosamente, o DOJ divulgara um adendo aos novos arquivos, alertando haver “alegações falsas e sensacionalistas” contra Trump e, supostamente, não comprovadas.
Trump, por sua vez, tentou ameaçar os democratas – “mais um ‘republicano’ de baixa categoria, Massie” – por estarem revolvendo a podridão com sua “Caça às Bruxas da Esquerda Radical”:
“Agora os mesmos perdedores estão de novo, só que desta vez tantos dos amigos deles, em sua maioria inocentes, ficarão gravemente feridos e manchados pela reputação. Mas, infelizmente, é assim que as coisas são no mundo da política democrata corrupta!! Aproveite o que pode ser seu último Feliz Natal! Presidente Donald J. Trump”.
O que será que apavora Trump, descrito à revista Vanity Fair por sua chefe de Gabinete, Susie Wiles, como uma “personalidade de alcoólatra, embora não beba”, que age com a convicção de que “não há nada que não possa fazer”?
O DOJ buscou embaralhar a tensão, enfiando uma fieira de fotos que não são exatamente uma novidade – como a do habitual caroneiro do Lolita Express, o avião de Epstein, Bill Clinton. Ou o Big Tech Bill Gates. Ou as presenças de Michael Jackson, Mick Jagger ou Woody Alen em eventos possivelmente sociais.
Entre as revelações, a de que, entre 1993 e 1996, Trump acompanhou Epstein no Lolita Express em pelo menos oito oportunidades, mais do que já se sabia.
QUEM É QUEM DAS ALTAS RODAS
A vida de Epstein é por si um microcosmo da depravação e decadência dos EUA, e a lista de parceiros, cúmplices e convivas é uma espécie de quem é quem nas altas rodas.
Como o já citado Clinton, o irmão do rei inglês, Andrew, e o ex-secretário do Tesouro, Larry Summers. Este, flagrado como confidente de Epstein, a quem escolhera para seu orientador de romances. Ou o jurista Alain Dershowitz. O ex-secretário do Trabalho de Trump no primeiro mandato, Alex Acosta, que, quando era procurador na Flórida, ajeitou as coisas em 2008 para Epstein safar praticamente ileso.
E que ascensão: de professor não formado de escola aos píncaros da especulação no Bears Stern, com direito a comprar, por 1 dólar, a mansão do dono da “Victoria Secret”, até a Ilha Pedô. A parceria com Ghislaine Maxwell, filha de um magnata da mídia inglesa, e as – diz-se – tenebrosas transações com o Mossad. E, durante um longo período, unha e carne com Trump, como mostram as fotos que insistem em reaparecer.
Até à queda em 2019 e, aparecer morto em menos de um mês na cela em Manhattan, rapidamente considerado como “suicídio”.
DENÚNCIA IGNORADA EM 1996
Entre os documentos divulgados esta semana está a denúncia da artista visual Maria Farmer, em 1996, ao FBI, que não investigou, e que Epstein contratara para fotografar meninas jovens na piscina, de que este roubara as fotos e negativos que ela tirara, para trabalho artístico próprio, das irmãs de 12 e 14 anos nuas, e que a ameaçara de incendiar a casa dela se “contasse a alguém”.
Quase dez anos depois, em 2005, os pais de uma menina de 14 anos disseram à polícia da Flórida que Epstein havia abusado de sua filha em sua casa em Palm Beach. A polícia conduziu uma busca e encontrou fotos da menina. “Não era uma situação de ‘ela disse, ele disse'”, relatou um policial que conduzia as investigações na época. “Havia 50 ‘ela disse’ e um ‘ele disse’ – e tudo ligado a ‘ela’ contava a mesma história.”
Ao invés de possível prisão perpétua, Epstein arranjou um acordo sigiloso em 2008, à revelia das vítimas, com uma sentença de 18 meses, em que teve uma ala da cadeia à sua disposição, com direito a “sair para trabalhar” 12 horas por dia, seis dias na semana, e foi solto depois de 13 meses. Dez anos depois, em 2018, o Miami Herald remexeu no lamaçal e a Justiça de Nova Iorque abriu outra investigação.
“O CACHORRO QUE NÃO LATIU”
Em outra carta, já divulgada anteriormente, Epstein dissera que Trump “era o cachorro que não latiu”, relatando que o agora presidente estivera em sua casa “com uma menor durante horas” – mas o nome dele não aparecera nas investigações.
Outro documento que chama a atenção é uma carta atribuída a Epstein, desde a prisão, para o também preso pedófilo Larry Nassar, ex-médico da seleção de ginástica dos EUA, na qual ele afirmava que Trump “compartilha nosso amor por garotas jovens e atraentes”.
Com tantas pontas soltas, não surpreende que Trump se inquiete. Logo ele que, na primeira eleição, se gabara de que poderia matar alguém na 5ª Avenida e não perderia votos.
“A LISTA”, EXIGEM AS SOBREVIVENTES
Também as sobreviventes do pedófilo seguem exigindo que os arquivos apareçam, entre elas a brasileira Marina Lacerda, abusada por Epstein dos 14 aos 17 anos.
Na semana passada, as sobreviventes condenaram o DOJ por liberar apenas “uma fração dos arquivos” exigidos por lei, acrescentando que muitos dos arquivos divulgados até agora foram “repletos” de tarjas pretas “anormais e extremas sem explicação.”
Tais ações – denunciaram – parecem violar a lei aprovada pelo Congresso dos EUA no mês passado, que exige a liberação de “todos os registros, documentos, comunicações e materiais investigativos não classificados em posse do DOJ relacionados à investigação e acusação de Jeffrey Epstein” até 19 de dezembro.
“As atas do grande júri, embora aprovadas por um juiz federal para liberação, estavam totalmente apagadas”, disseram, “não as tarjas dispersas que poderiam ser esperadas para proteger os nomes das vítimas, mas 119 páginas inteiras apagadas.”
“Somos informados de que há centenas de milhares de páginas de documentos ainda não divulgadas. Essas são violações claras de uma lei inequívoca.”
DOCUMENTOS INTEIROS SOB TARJAS PRETAS
Nesse quadro, os deputados Thomas Massie e Ro Khanna, que apresentaram a Lei de Transparência dos Arquivos Epstein, anunciaram que estão “explorando todas as opções” para responsabilizar os funcionários do governo. “Pode ser o impeachment de pessoas na Justiça, desacato inerente ou a remissão para acusação daqueles que estão obstruindo a justiça”, acrescentou.
“O DOJ teve meses e centenas de agentes para reunir esses arquivos, e ainda assim documentos inteiros estão censurados — da primeira palavra à última”, disse Garcia no X. “O que eles estão escondendo? O público americano merece transparência. Libere todos os arquivos agora!” Segundo ele, o DOJ divulgou apenas cerca de 10% dos arquivos completos de Epstein.
As sobreviventes também disseram que o DOJ as deixou completamente no escuro sobre a divulgação dos arquivos, alegando que “não houve comunicação com sobreviventes ou nossos representantes sobre o que foi retido da liberação, ou por que centenas de milhares de documentos não foram divulgados até o prazo legal, ou como o DOJ garantirá que nenhum outro nome de vítimas seja divulgado incorretamente.”
“Sobreviventes merecem a verdade”, concluíram. “Sobreviventes cujas identidades são privadas merecem proteção. O público merece responsabilidade. E a lei deve ser aplicada.”











