OEA conclui que houve tentativa de golpe no Brasil e frustra bolsonaristas

Bolsonaristas aterrorizaram o país no dia 8 de janeiro de 2023 (Foto: Marcelo Camargo - Agência Brasil)

O próprio Jair Bolsonaro, que comandou a tentativa de se manter no poder mesmo depois de perder as eleições para Lula, chegou a ser ouvido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos que analisou o episódio e também o papel do STF para conter o golpe

Se os bolsonaristas nutriam alguma expectativa com a manifestação da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre se houve, ou não, uma tentativa de golpe de Estado no Brasil, sob o comando de Jair Bolsonaro, essa expectativa foi reduzida a zero.

O órgão, através de sua Comissão Interamericana de Direitos Humanos, acaba de divulgar um relatório sobre a liberdade de expressão no país em que afirma com todas as letras que o Brasil viveu uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, quando Bolsonaro e sua horda tramaram permanecerem no poder, mesmo depois da derrota para o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que os condenou por vários crimes contra a democracia.

A OEA também reconhece um papel central do Supremo Tribunal Federal (STF) nas investigações do episódio que levou à prisão Bolsonaro e tantos outros golpistas que se encontravam nos variados escalões do seu governo.

O fato frustrou as expectativas criadas por apoiadores de Jair Bolsonaro, que aguardavam um texto mais crítico ao Judiciário. O documento foi elaborado a partir de visitas e reuniões realizadas ao longo de 2025.

Em fevereiro, o relator do texto, Pedro Vaca Villarreal, chegou a se encontrar com o próprio Bolsonaro, que deixou o encontro manifestando otimismo quanto às conclusões do relatório. O resultado final, no entanto, seguiu direção distinta da esperada por seus aliados.

Foram realizadas, também, reuniões com lideranças de todos os espectros ideológicos e representantes dos 3 poderes republicanos: Executivo, Legislativo e Judiciário.

RECONHECIMENTO DA TENTATIVA DE GOLPE

A Comissão da OEA afirma, em um dos principais trechos do relatório, que houve ações deliberadas para deslegitimar os resultados eleitorais de 2022, reconhecidos internacionalmente, além de planejamento e tentativa de execução de um golpe de Estado.

O mesmo documento sustenta que, nesse contexto, a defesa da democracia é condição essencial para o pleno exercício da liberdade de expressão no país. Segundo a comissão, a liberdade de expressão depende da existência de uma sociedade democrática, o que justificaria medidas institucionais adotadas para conter ameaças ao regime democrático.

STF TEVE PAPEL FUNDAMENTAL NA CONTENÇÃO DO GOLPE

O relatório, ao analisar o papel do STF no decorrer da trama, reconhece que a Corte teve atuação fundamental ao iniciar procedimentos para investigar e enfrentar a crise institucional. Ao mesmo tempo, a CIDH registra preocupação com o risco de concentração de poder e com a possibilidade de medidas excepcionais se tornarem permanentes.

O texto alerta que soluções adotadas em caráter emergencial podem criar precedentes passíveis de uso futuro por regimes com inclinações autoritárias. Ainda assim, o documento não endossa as críticas feitas por setores bolsonaristas ao Judiciário brasileiro.

CRÍTICAS AO DISCURSO BOLSONARISTA

O relatório é majoritariamente crítico às teses difundidas por apoiadores do ex-presidente após as eleições. A comissão afirma que o Brasil ainda carrega marcas da ditadura militar, com resquícios de autoritarismo e desigualdade estrutural que influenciam a distribuição de poder e direitos.

Segundo a CIDH, a ausência de uma resolução completa do passado autoritário, com políticas consistentes de memória, verdade e justiça, contribuiu para a permanência de discursos e práticas autoritárias.

O texto observa ainda que atores que invocam a liberdade de expressão frequentemente ignoram o uso histórico do aparato repressivo do Estado contra grupos vulneráveis, que também se percebem como vítimas de censura.

ELEIÇÕES E RECOMENDAÇÕES FINAIS

Ao analisar o funcionamento das instituições brasileiras, a comissão conclui que o país possui instituições democráticas fortes, com eleições livres e justas, separação de poderes e um sistema de freios e contrapesos em funcionamento. O relatório afirma que há autonomia judicial e meios adequados para a continuidade da defesa da liberdade de expressão.

Ao final, a CIDH apresenta recomendações ao Estado brasileiro, entre elas a de evitar o uso excessivo de sigilo em investigações relacionadas à liberdade de expressão, aplicar medidas cautelares apenas em situações excepcionais e impedir restrições baseadas em conceitos vagos. O documento também recomenda que a categoria de “atos antidemocráticos” não seja utilizada para limitar discursos meramente críticos a autoridades públicas.

Veja os principais destaques do relatório e o que a CIDH recomenda ao Brasil:

Restrições com prazo e limites
Medidas que afetam a liberdade de expressão devem ser excepcionais, proporcionais, temporárias e com fundamentação clara.

Mais garantias judiciais
Processos que envolvem censura, bloqueios de perfis ou retirada de conteúdo precisam de celeridade, transparência e pleno direito de defesa.

Combate à desinformação sem censura ampla
Enfrentar campanhas deliberadas de desinformação e discurso de ódio sem controles genéricos que prejudiquem o debate público legítimo.

Descriminalização do desacato
Rever o crime de desacato e atualizar os crimes contra a honra, sobretudo quando usados para intimidar críticos, jornalistas e defensores de direitos humanos.

Freio ao uso abusivo da Justiça
Combater ações judiciais estratégicas usadas para silenciar a participação pública (assédio judicial).

Proteção a jornalistas
Reforçar mecanismos de prevenção, investigação e punição de ameaças e violência contra profissionais da imprensa.

Regulação das plataformas com devido processo
Avançar na regulação das redes sociais, garantindo transparência, direito de contestação e evitando censura privada ou concentração excessiva de poder.

Responsabilidade de autoridades e parlamentares
Harmonizar imunidades parlamentares com padrões internacionais e exigir conduta responsável de lideranças políticas.

Superar legados autoritários
Enfrentar problemas estruturais, como repressão a protestos e normas herdadas da ditadura que ainda limitam a liberdade de expressão.

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