Há pouco saiu de sua casa em Saint-Tropez o carro funerário com o corpo do maior destaque do cinema francês, a atriz Brigitte Bardot, falecida hoje, 28, aos 91 anos.
Brigitte Bardot, desde o seu primeiro filme, “E Deus Criou a Mulher”, rodado quando tinha apenas 18 anos de idade, causou polêmica pelo seu comportamento livre e desafiador para os costumes conservadores da época, 1956.
Ela também atraiu a atenção das mulheres, tanto as mais jovens, quanto as mais esclarecidas, pela sua relação destemida, irreverente e despojada com a própria sensualidade.
Falando de Bardot, a filósofa francesa, Simone de Beauvoir, destacou: “Anda descalça, ignora deliberadamente as roupas sofisticadas, as joias, os perfumes, a maquiagem(…) Faz o que lhe dá vontade e é isso que perturba”.
Dedicada à dança desde os sete anos de idade, o que lhe valeu desenvoltura em seus papéis, começou sua vida profissional em fotos para revistas e chegou a iniciar a carreira aos 18 nos de idade, nos ensaios para seu primeiro filme.
Esse seu filme, que chegou a ser censurado nos Estados Unidos, “E Deus Criou a Mulher”, teve a direção de Roger Vadim. Na trama, Bardot vive Juliette, uma órfã de 18 anos cuja postura livre e despreocupada rompe com as convenções sociais. A personagem exibe sua sensualidade: toma sol de biquíni, anda descalça e ignora julgamentos alheios. Desejada por um homem extremamente rico, Juliette, no entanto, sonha em fugir com o filho mais velho de uma família tradicional da região, aprofundando o choque entre desejo, liberdade e moralidade.
A forma como a figura feminina é retratada no filme causou indignação entre autoridades e críticos conservadores.
Roger Vadim, com quem se casou, relatou que, após uma sessão inicial para os censores franceses, ouviu que deveria cortar uma cena em que Bardot “desfila nua” diante de um adolescente. O diretor respondeu com ironia: na sequência mencionada, a atriz estava completamente vestida. “Essa era uma das coisas mais incríveis sobre a presença de Bardot no cinema. As pessoas achavam que ela estava nua mesmo quando ela estava de roupa”.
A cena que mais chocou os conservadores norte-americanos foi aquela em que ela, protagonizando Juliette, que fugira de casa e se abrigara em um bar, dança um mambo, ao som de tambores, com músicos negros caribenhos e, de pés descalços, continua dançando, em cima de uma das mesas do bar diante dos olhos e do semblante visivelmente embasbacado do ator Louis Trintignan.
Sobre o momento, o crítico Richard Brody escreveu na New Yorker, em 2009: “A dança de Bardot é uma expressão livre e exuberante de uma sexualidade jovem muito rara na França da época”.
A campanha contra o filme de Bardot foi encabeçada pela Liga Católica da Decência (Catholic League of Decency).
Toda a polêmica elevou o número de vendas do filme e lançou Brigitte Bardot (que logo viria a ser conhecida também por BB) no primeiro grupo entre as estrelas mundiais do cinema.
A sua inquietude a levou a vários casamentos e relações amorosas, entre elas, o já mencionado Roger Vadim, Jean-Louis Trintignant, os músicos Gilbert Bécaud, Serge Gainsbourg e Sacha Distel, e ainda com o milionário Gunter Sachs, além do breve relacionamento com o brasileiro Bob Zaguri.
Entre os filmes que protagonizou destacamos ainda Viva Maria,dirigido por Louis Malle; Ao Cair da Noite, Vadim; Histórias Extraordináias (três filmes baseados em contos de Edgar Alan Poe), Felini, Louis Malle, Vadim; A verdade, Henri Georges Clouzot e O Desprezo, dirigido por Jean-Luc Godard.
Este último é considerado o de maior desempenho artístico de Bardot. A atriz, com a fama que granjeou, contribuiu muito na disputa por mercado do cinema francês, a exemplo dos icones do cinema italiano, principalmente com o monopolista cinema holywoodiano,
Pelos relatos da atriz, perturbada pelo intenso assédio da imprensa, que a tornaram “uma prisioneira”, pois não podia mais andar livremente pelas ruas de Paris, um dos momentos mais felizes se deu quando ela foi passar três meses na praia de Búzios que, segundo conta, “na época era apenas uma aldeia de pescadores sem água encanada ou eletricidade. Vivíamos como Robinson Crusoé em praias selvagens e desertas. As ruelas eram cheias de leitões pretos e galinhas. Nós vivíamos de pesca, farofa, mangas e muito sol”.
Bardot foi jurada do concurso de fantasias do Copacabana Palace em 1964. Sua estadia em Búzios acabou por colocar a praia fluminense no roteiro mundial do turismo, transformando-a no lugar sofisticado de hoje.
A intensa admiração pela atriz chegou ao Brasil, mesmo antes de sua vinda ao nosso país. Tanto assim que foi cantada na bem humorada marchinha do carnaval de 1960, o Samba de Brigitte, de Jorge Veiga que, em um determinado trecho, diz “BB, BB, BB/ Por que é que todo mundo/Olha tanto pra você?/ Será pelo pé?/Não é/ Será o nariz?/ Não é/ Será o tornozelo?/Não é/ Será o cotovelo?/ Não é”, e por aí vai.
Bardot desistiu da carreira cinematográfica aos 39 anos, em 1973.
No início dos anos 1980 decidiu se dedicar à proteção dos animais e passou o resto da vida lutando contra o que denominava de resquícios de uma prática feudal e cruel, segundo entrevista concedida aos 90 anos, e a qual só a Irlanda e a França seguiam permitindo.
Declaradamente Gaulista na juventude, foi tomando a direção direitista, uma postura que manchou sua carreira ao descambar para o racismo, principalmente anti-islâmico dizendo, em livro, que “com seus costumes bárbaros estavam destruindo a cultura francesa”. Foi cinco vezes condenada por racismo, tendo que pagar multas a entidades que lutam contra o racismo e a processaram.











