Os trabalhadores rurais de fazendas na Califórnia em áreas próximas a incêndios florestais são pressionados a trabalhar na colheita de frutas em condições insalubres e sem os indispensáveis equipamentos de proteção. Os colhedores de morango têm de optar entre aspirar fumaça – trazida pelo vento das áreas de incêndio -, trabalhar com garganta e olhos irritados e pulmões intoxicados ou perderem o emprego.
Conforme a Federação dos Trabalhadores da Califórnia, a multiplicação de incêndios florestais, ondas de calor e outros desastres provocados pelo clima aumentaram a urgência de medidas de proteção aos empregados, especialmente para os mais vulneráveis – de baixa renda e sem documentos nas grandes fazendas do Estado.
“Estamos mais preocupados com os trabalhadores rurais, operários da construção civil e outros setores de baixos salários que podem ficar à mercê de empregadores inescrupulosos e são vulneráveis à exploração” declarou o porta-voz da Federação, Steve Smith, que representa cerca de 2,1 milhões de trabalhadores. Entre outras medidas de saúde e segurança, a lei estadual exige que os empregadores forneçam equipamentos de proteção aos trabalhadores ao ar livre durante os incêndios florestais, mas como é grande o número de imigrantes, o dispositivo fica apenas no papel.
Com medo de represálias pela sua situação de migrantes ilegais, os trabalhadores citavam apenas o seu primeiro nome nas entrevistas ao jornal Washington Post. É o caso de Santiago que, com problemas nos olhos e na garganta, foi pedir ajuda ao supervisor. Apenas ouviu que teria de trabalhar mais rápido se não quisesse ficar desempregado, porque as cinzas do incêndio poderiam destruir o morango que estava sendo colhido.
Ao mesmo tempo em que as autoridades de saúde pública pediam para que as pessoas permanecessem distantes, Santiago foi obrigado a se manter colhendo no campo, sem qualquer máscara protetora, apesar da qualidade do ar. “Eles não se importam com a nossa saúde, só se preocupam com os morangos”, disse o agricultor de 34 anos de jeans enlameados.
De acordo com a legislação, as empresas também são obrigadas a treinar os funcionários a usar o equipamento protetor – normalmente máscaras faciais descartáveis N95 – e a verificar regularmente sua segurança. Na prática, porém, os 36 mil trabalhadores rurais da área afetada pelo incêndio ficam expostos sem proteção. Das 25 fazendas visitadas na semana passada, alertaram os fiscais, os trabalhadores estavam sem cobertura em praticamente todas elas.
Quando o condado de Ventura decretou uma emergência de saúde em 13 de novembro, fechando escolas, advertindo os moradores a manter as janelas fechadas e a evitar saídas ao ar livre, os fotógrafos registraram catadores dobrados entre as fileiras nas plantações de morango.
PERIGO
Os incêndios haviam liberado níveis potencialmente perigosos de toxinas nos pomares dos morros de Ventura pelo menos por três vezes nos últimos dez dias, apontou o Centro de Controle de Poluição Atmosférica. O risco aumenta quanto mais tempo os trabalhadores estiverem fora, principalmente se já tiverem doenças cardíacas ou pulmonares. “Os fatores a ter em mente são a quantidade de tempo, o esforço físico ao ar livre e as condições médicas preexistentes”, declarou Frank Polizzi, oficial de informação pública do Estado.
A Divisão de Saúde e Segurança Ocupacional do Estado (Cal/Osha), não informou quantos empregadores foram intimados por deixar de proteger os trabalhadores este ano durante os incêndios. Mallory Ham, gerente da divisão de monitoramento do Distrito de Controle de Poluição Atmosférica do Condado de Ventura, disse que o trabalho ao ar livre, mesmo nos dias mais moderados, pode representar um risco.
A empresa de Santiago não distribuiu máscaras de proteção, então ele trouxe uma máscara preta de lã de inverno para usar. “Eu quero ir a um médico”, disse ele, falando através de um tradutor de uma língua indígena do sul do México. “Eu quero perguntar sobre o efeito de longo prazo na minha saúde, mas não posso pagar.”
Gabriela, mãe de cinco filhos, disse que seu empregador lhe deu apenas uma máscara descartável para durar a semana, o que lhe causou muita dor de cabeça e de garganta enquanto trabalhava, “Durante três dias a fumaça estava extremamente ruim, parecia que uma grande tempestade estava chegando”, contou. Ao final do turno, Gabriela contou que a máscara estava suada e suja demais para vestir, sendo difícil respirar. Ela puxou um lenço sobre o rosto, tomou Tylenol para suas dores de cabeça e bebeu chá de canela com limão para acalmar a garganta. “Ainda assim eu estava muito tonta. Mas o que posso fazer? Eu tenho que alimentar meus filhos”, acrescentou.
A estimativa é que 60% dos colhedores no condado de Ventura estejam no país ilegalmente, de acordo com o Departamento de Agricultura, o que os torna especialmente vulneráveis a abusos trabalhistas. Muitos falam línguas indígenas e não sabem em quem confiar se tentarem fazer uma reclamação.
A agência de proteção ao trabalhador emprega somente 210 inspetores de campo, em um estado com cerca de 200.000 trabalhadores rurais, que além de tudo não falam as línguas mixtecan que são dominantes entre os catadores de Oaxaca, no México, alguns dos quais lutam para entender o espanhol.
“O fardo cai sobre os trabalhadores rurais, porque o cronograma de produção de morango é implacável, independentemente da qualidade do ar, a maioria das fazendas parece manter seus trabalhadores no campo e acelerar a produção para evitar que sua colheita seja danificada”, ressaltou Patrícia Frausto, diretora de desenvolvimento do Projeto Organizador Comunitário Mixteco/Indígena.