Supostas ‘contas ligadas à Rússia’ não chegam nem a 1% do fluxo de notícias nas eleições. Google tira RT das preferidas do Youtube, Twitter
corta anúncios e Facebook faz sua cena também
Após pressão direta que levou o executivo-chefe do Facebook, Mark Zuckerberg, a mudar da opinião [de novembro do ano passado] – de que a alegação da “interferência russa” para “eleger Trump” era “uma coisa louca” – para o, agora, endosso do conto de “os russos fizeram isso”, executivos do Google, Facebook e Twitter compareceram a uma audiência no Senado dos EUA na terça-feira (31) para dizerem como estão se alistando no macartismo 2.0 e na russofobia.
Assim como a detonação da bomba atômica pela então União Soviética nos anos 50 e a decorrente histeria nos círculos dirigentes norte-americanos foi seguida pelo macartismo (“você é ou já foi membro do Partido Comunista?”), o reerguimento da Rússia, pós Gorbashev e Yeltsin, como presenciado na Síria e na Crimeia, é o pano de fundo para o atual frenesi contra a “ingerência russa”, que rapidamente está desembocando na censura e perseguição de qualquer ativista ou fonte de informação que não esteja sob controle do establishment ianque e dos serviços secretos. Nos EUA – a Matrixland -, haver alguém que diga que “o rei está nu” tornou-se o perigo supremo.
Enquanto a “hiperpotência unilateral” se esvai, a derrota da inepta, arrogante e desonesta Hillary Clinton para um arrivista desclassificado como Donald Trump se converteu no gatilho para o macartismo 2.0. Como advertiu o site wsws, “você é agora, ou já foi, um crítico dos EUA? Do governo? Se a resposta é ‘sim’, equivale a admitir que você é um escravo, se não um agente, da Rússia e do demoníaco Vladimir Putin”.
E o empurrão para a caça às bruxas partiu exatamente da direção democrata, da mídia e da CIA, que foram inflando a desculpa de que Hillary perdeu – não porque fosse a favorita de Wall Street e porque Obama traíra suas promessas do “yes we can” para salvar bancos – mas devido ao “apoio de Moscou” a Trump.
Na audiência em Washington, o principal objetivo dos executivos das gigantes da internet foi fechar espaço para qualquer regulamentação sobre sua fonte de renda, os anúncios na internet. Para isso, teceram loas “contra” a “interferência de atores estrangeiros”, embora dizendo que as contas fake eram “uma parte muito pequena”, quase estatisticamente insignificante, do conteúdo total postado.
Nos últimos dias, a Google, que desde abril mudou seus algoritmos para censurar os sites progressistas ou alternativos, anunciou ter retirado o mundialmente respeitado site de notícias russas RT do seu rol de “preferidas” do Youtube, onde é campeão de audiência. O Twitter, depois de uma prensa do principal quadro democrata no Comitê de Inteligência no senado, Mark Warner, tido como porta-voz da CIA, comunicou que estava proibindo anúncios do RT e do Sputniknews, outro conceituado site de notícias russo.
O Facebook tirou do colete “3.000 contas” supostamente “ligadas aos russos”, cujos anúncios teriam custado US$ 100.000, números que seriam aumentados no depoimento no Senado. Como US$ 100.000 – ou US$ 275.000, como dito depois – poderiam decidir uma eleição que custou US$ 1 bi e com os biliardários liberados pela Suprema Corte para gastarem como quiserem, ninguém explicou. Depois soube-se que mais da metade das tais contas operara depois das eleições.
Em paralelo, aceleraram-se as articulações no Congresso para exigir que o RT e o Sputniknews sejam obrigados a se registrar nos EUA como “agentes estrangeiros”, o que não é exigido da BBC, também estrangeira e estatal, ou da Al Jazeera, de condição similar.
Com pesquisas de opinião apontando que os EUA estão “mais divididos” do que em qualquer outra época desde a Guerra do Vietnã, a mídia e o establishment passaram a atribuir o fenômeno à “intervenção russa”, e não ao racismo e violência policial, à especulação desenfreada, à descomunal concentração de renda, à pauperização que não cessa, à desindustrialização e sucateamento, à crise dos opiáceos e às guerras sem fim.
Embora Trump seja o pretexto inicial para o macartismo 2.0, democratas e republicanos no Congresso estão buscando empurrá-lo para bem além, com as audiências visando enquadrar os monopólios de internet para expurgar o chamado “o conteúdo orgânico” – aquele que não é pago – [dito ter sido criado pela Rússia para “dividir e influenciar os americanos”]. Em suma, o alvo é o discurso político na internet e o que está sob ameaça direta é a liberdade de expressão, a Primeira emenda.
A líder democrata no comitê Judiciário do Senado, Dianne Feinstein, enviou carta ao Twitter exigindo que a empresa entregue informações de identificação pessoal relacionadas ao “conteúdo orgânico” postado pelos usuários. Sua definição de “usuários conectados na Rússia” é extremamente ampla, incluindo qualquer “pessoa ou entidade” que possa “estar conectada de alguma forma à Rússia” – mesmo se for alguém que compartilhou uma notícia da RT.
“LOCALIZAR OPOSITORES”
Para todos os “conteúdos orgânicos” – o que os sites progressistas postam – descritos acima, o Twitter teria que fornecer nome completo, telefone, e-mail e endereço de IP. Ou seja, o que Feinstein está cobrando é a identificação e localização dos opositores à política vigente em Washington.
Feinstein vai ai nda mais longe, exigindo do Twitter “todo o conteúdo de cada mensagem direta [privada]” referente a contas do WikiLeaks, de Julian Assange e da advogada de direitos civis, Margaret Ratner Kunstler [que atua para Assange e ainda para Bradley/Chelsea Manning]. Ou seja, às favas com o sigilo entre cliente e advogado.
O Wall Street Journal não se peja em asseverar que “pelo menos 60 manifestações, protestos e marchas foram divulgados ou financiados por ‘contas russas’”. A rede de jornais McClatchy denuncia que o FBI criou uma categoria de grupos “terroristas domésticos” classificados como “extremistas negros de identidade”. No quadro de cerceamento ao pensamento crítico que impera nos EUA, a existência do RT permitiu que uma enorme gama de opiniões, que eram abafadas pelo establishment, pudesse ter um canal de escoamento. Na realidade, conforme os números dos próprios monopólios da internet, as postagens ligadas à RT são menos de 1% do total de postagens nas eleições, e boa parte foi feita depois.
Manipulando as novas características da divulgação de informação pelas redes sociais, que ainda são pouco compreendidas, os macartistas dos tempos modernos tentam semear o pânico. Examinando de perto, por exemplo, os números divulgados pelo Youtube, de que de junho de 2015 a novembro de 2016 a RT postou 1.108 vídeos que foram visualizados por “309.000 usuários”, quando isto é analisado no detalhe, simplesmente fica ridícula a tese da débâcle de Hillary por “culpa dos russos”. Cada vídeo individual foi visto ao longo de 17 meses por 279 pessoas, o que dá menos de 17 pessoas por mês. Certamente a “prosa shakesperiana” em Wall Street pesou mais.
ANTONIO PIMENTA