Menos de uma semana após vazar nos EUA processo secreto para “prender e extraditar” Julian Assange, fundador do site WikiLeaks, o presidente do Equador, Lenin Moreno, por decreto afastou da embaixada em Londres Carlos Abad Ortiz, o último diplomata equatoriano que o perseguido editor conhecia, e que nos últimos anos esteve no centro das negociações com a Grã Bretanha sobre o destino dele.
Todos os demais diplomatas que Assange conhecia já haviam sido transferidos. A ação intensifica o alerta das entidades de defesa das liberdades democráticas e da liberdade de expressão sobre a segurança de Assange e alimenta rumores sobre sua iminente entrega aos algozes.
Assange foi perseguido por publicar as denúncias do soldado Manning sobre os crimes de guerra dos EUA no Iraque e Afeganistão e sobre a interferência de Washington em outros países, por meio de uma acusação forjada na Suécia, afinal encerrada, e pediu asilo ao Equador porque havia uma trama para extraditá-lo aos EUA e julgá-lo por “espionagem”, como fizeram com Manning.
O governo britânico se utiliza de uma ausência a uma audiência – sobre um processo proveniente da Suécia, já caduco – para manter a perseguição e sempre se recusou a garantir que não o extraditaria. A ONU declarou Assange vítima de perseguição e cativeiro injustificado.
A então secretária de Estado Hillary chegou a propor que fosse morto em um ataque de drone e Mike Pompeo, o atual titular, quando era diretor da CIA declarou o WikiLeaks um “serviço de inteligência hostil não-estatal”.
O agora demitido ministro da Justiça de Trump, Jeff Sessions, disse que indiciar – entenda-se prender e extraditar, como no processo secreto – “é uma prioridade”. O ex-agente da CIA John Kiriakou, que ficou preso por 23 meses por denunciar a tortura do ‘waterboarding’, advertiu que os EUA se preparam para levar Assange “acorrentado” para os EUA.
O decreto de demissão de Ortiz foi publicado pelo WikiLeaks e o documento não oferece qualquer explicação sobre por que Ortiz, que era o embaixador do Equador em Londres desde 2015, está sendo afastado, nem nomeia um sucessor para a posição.
Nas redes sociais, ativistas denunciaram que “expulsar diplomatas com os quais Assange poderia ter contato e cercá-lo de completos estranhos é uma forma de “tortura psicológica”. Nos últimos meses, Assange vinha sendo mantido incomunicável e o ‘regulamento’ de asilo imposto pelo governo Moreno, de tão drástico, na verdade não passa de uma forma de fabricar pretextos para entregá-lo a Londres, desde sua condição de saúde, até o gato.
Foi o então presidente Rafael Correa, de quem Moreno foi vice, que teve a corajosa atitude de conceder o asilo a Assange em 2012. Desde julho, com a visita do vice de Trump, Mike Pence a Quito, e que resultou também na volta dos militares ianques à base de Malta, que a sabujice do atual governo, contra o jornalista, se tornou mais raivosa. Há também a informação que o apoio de Washington a um empréstimo de US$ 3,9 bilhões teria, como contrapartida, a cabeça de Assange.
EDWARD SNOWDEN
O também denunciante – no caso, o grampo do planeta inteiro pela NSA – Edward Snowden, foi um dos primeiros esta semana a convocar a defesa de Assange, para defender a liberdade de revelar as verdades que os poderosos e criminosos de guerra querem acobertar.
“Você pode desprezar o WikiLeaks e tudo o que ele representa. Você pode pensar que Assange é um espírito maligno reanimado pelo próprio Putin, mas você não pode apoiar o indiciamento de um editor por publicar sem restringir os direitos básicos.”
A principal entidade de defesa das liberdades democráticas nos EUA, a ACLU, advertiu que “qualquer acusação de Assange pelas ações de publicação do WikiLeaks seria sem precedentes e inconstitucional, e abriria as portas para investigações criminais de outras organizações noticiosas”. Declaração que era, evidentemente, um repúdio à afirmação de Pompeo de que o WikiLeaks “não estava protegido pela 1ª Emenda” da Constituição americana, que assegura a liberdade de expressão.
Como assinalou Paul Craig Roberts, o ex-subsecretário do Tesouro de Reagan e ex-editor do Wall Street Journal, “tudo o que Assange fez foi publicar documentos enviados ao WikiLeaks por uma pessoa com consciência moral que estava perturbada com a flagrante criminalidade e desumanidade do governo dos EUA” no Iraque e Afeganistão
O mais contundente, o “Assassinato Colateral”, mostra um helicóptero dos EUA metralhando civis – eram repórteres da Reuters – e aos que tentaram prestar socorro no Iraque.
“Não há qualquer diferença legal entre o WikiLeaks publicando os documentos vazados para o WikiLeaks, e o New York Times publicando os Papeis do Pentágono vazados para o New York Times”, ressaltou.
Para Roberts, a diferença é a época. “Quando Daniel Ellsberg vazou os Papéis do Pentágono para o New York Times, a mídia não havia sido concentrada em poucas mãos pelo regime corrupto de Clinton, e o 11 de Setembro, usado por Dick Cheney para criminalizar a apuração da verdade, não havia ocorrido. Portanto, na década de 1970, ainda era possível que alguma parte importante da mídia pudesse dizer a verdade”.