(HP 13/01/2010)
CARLOS LOPES
O livro mais importante sobre o monopólio da indústria petrolífera nos EUA – e sobre a carreira de John D. Rockefeller – continua sendo “The History of the Standard Oil Company”, de Ida Tarbell, publicado em 19041.
São mais de 250 páginas de impressionante reportagem, tão arrasadora que, escrevendo 100 anos depois, Charles R. Morris, ex-banqueiro e, atualmente, historiador econômico, foi obrigado a tentar refutá-lo, percebendo que a obra de Ida Tarbell é um obstáculo (nós diríamos, intransponível) para a sua tese de que “Rockefeller talvez tenha sido o maior visionário e o administrador supremo” porque “assumiu o controle dos mercados de petróleo mundiais com enorme rapidez e facilidade – antes mesmo que a maioria das pessoas percebesse” (Charles R. Morris, “Os Magnatas”, L&PM, 2006, pág. 11).
O livro de Morris não é uma história do capitalismo norte-americano, mas uma história de como este se transformou em capitalismo monopolista. Claramente, ele subestima a fase anterior à Guerra Civil, onde realmente houve empreendedorismo e inovações fundamentais, resumindo esse período em poucas páginas no conjunto do livro. Não fosse Morris um ex-banqueiro, seu interesse é concentrado nos monopolistas – e, inclusive, em canalhas financeiros como Jason (Jay) Gould, um precursor dos especuladores atuais.
Dos quatro “magnatas” que são o assunto do livro – Andrew Carnegie, Jay Gould, John D. Rockefeller e J. Pierpont Morgan – existe pouca dúvida (ou nenhuma) de que os dois últimos foram as figuras-chave para o estabelecimento dos monopólios como setor dominante da economia – e, de resto, da vida – dos EUA. O incensamento deles se dá em termos bastante sintomáticos, porém, é forçoso reconhecer que Morris tem o mérito de não ignorar os fatos, pelo menos não em sua totalidade – o que, em geral e quase sempre, transforma o seu incensamento em uma emissão de maria-fumaça. Não por acaso, em alguns trechos, até ele trata os seus heróis pelo nome popular: “barões ladrões” (“robber barons”).
Voltemos a Rockefeller: “assumir o controle (….) antes mesmo que a maioria das pessoas percebesse” pode revelar um talento raro de vigarista, mas não de “administrador”, muito menos um “visionário”. O próprio Morris, ao citar os fatos, acaba por confirmar a reportagem de Ida Tarbell que pretendera contestar – e acrescenta outros elementos no mesmo sentido:
1) Rockefeller conseguiu 90% do mercado de derivados do petróleo (basicamente, querosene para iluminação) dos EUA – e, durante alguns anos, 100% do mercado internacional – não por qualquer superioridade tecnológica em relação aos concorrentes, mas devido a acordos com as ferrovias que transportavam esses derivados (cf. Morris, págs. 107-108; Ida Tarbell, págs. 59 a 103, detalha os acordos, reproduzindo a documentação e as investigações do Congresso a partir de 1872).
2) Por esses acordos, a Standard Oil beneficiava-se de “abatimentos posteriores”, pelos quais as ferrovias aumentavam os preços dos fretes e devolviam para a empresa de Rockefeller uma parte do dinheiro pago. Com a organização da South Improvement Company (SIC), um cartel conjunto de ferrovias e refinarias, Rockefeller passou a decidir em segredo – subornando o presidente da SIC, Peter Watson – as cotas de transporte das refinarias que eram sócias da Standard Oil na SIC (cf. Morris, pág. 109 e segs.; Tarbell, págs. cit.).
3) Rockefeller, que sempre afetou uma carolice digna de nota, mentiu sob juramento ao Congresso, negando que tivesse passado US$ 50 mil (o equivalente, na época, ao investimento para construir duas refinarias) em ações da Standard Oil ao presidente da SIC. Um dos trechos mais cômicos (sem o saber…) do livro de Morris é quando ele atribui essa mentira, proferida com a mão sobre a Bíblia, à “ética” de Rockefeller, que teria ficado “embaraçado” (pág. 119) por ter subornado Watson – e, por isso, teria cometido perjúrio.
4) Com esses acordos, os concorrentes foram triturados. A Standard Oil tomou as 26 refinarias de Cleveland – o grande centro da indústria petroleira na segunda metade do século XIX. A maior parte dessas refinarias teve seu equipamento vendido como sucata (Morris, pág. 111). Em seguida, Rockefeller avançou sobre as demais refinarias do país. Em 1879, apenas nove anos após a sua fundação, a Standard Oil controlava, segundo o testemunho de um dos principais funcionários de Rockefeller, “90 a 95%” das refinarias dos EUA (Morris, pág. 189).
5) Esse monopólio fez, inclusive, com que as perdas de lucro durante as crises fossem descarregadas sobre os produtores de petróleo. Já na crise de 1871-1873, com o preço do querosene em queda, as refinarias cortaram pela metade o que pagavam aos produtores por barril de petróleo (US$ 4 para US$ 2), mas o faturamento delas por barril aumentou 25% (Morris, pág. 112).
6) Rockefeller tinha extrema aversão por inovações tecnológicas. Via nelas uma atrapalhação para seus lucros, o que, na verdade, eram: o investimento em inovações é um gasto a ser deduzido do lucro. E, se a fonte dos lucros, numa economia “de mercado”, é a ausência de competição – isto é, o monopólio – diminui (ou, no limite, deixa de existir) o estímulo ao aumento de produtividade, que é o objetivo das inovações tecnológicas. Por isso, as principais inovações na indústria petrolífera foram realizadas por fora da Standard Oil e contra ela. Na segunda metade da década de 70 do século XIX, Rockefeller tentou, de todas as formas, sabotar a construção do primeiro oleoduto de longa distância, empreendido pela Tidewater Oil, uma empresa fundada por um grupo de empresários menores que queriam escapar dos extorsivos fretes ferroviários: “A Standard Oil e as ferrovias responderam com redução de tarifas, aquisição de terras na rota da Tidewater, obstrução de encomendas de tanques e carros e uma boa dose de corrupção política” (Morris, pág. 194). Derrotado com a inauguração do oleoduto em 1879, Rockefeller propôs um acordo, pelo qual se contentava com 90% do mercado, concedendo 10% à Tidewater, que o aceitou2.
7) Essa aversão a inovações, tão congruente com a sanha monopolista, manifestou-se também na resistência da Standard Oil em perceber que a era do querosene para iluminação passara e que, com a nascente indústria automobilística, era necessário passar à gasolina como produto principal. Esse passo foi dado, antes, por empresas de fora dos EUA, apesar da indústria automobilística norte-americana já ser a maior do mundo.
8) Somente na década de 90 do século XIX, 20 anos depois da fundação da Standard Oil, Rockefeller interessou-se pela produção de petróleo – e a monopolizou, assim como a distribuição ao consumidor. Até então, seu monopólio era exercido através da refinação. Na monopolização da distribuição, teve papel importante o irmão de John D. William Rockefeller, o fundador do banco que deu origem ao atual Citigroup.
Sobre os argumentos de Morris contra Ida Tarbell, o único passível de discussão – isto é, o único que ele mesmo não desmente com os fatos que cita – é a suposta “legalidade” dos descontos “posteriores” concedidos à Standard Oil pelas ferrovias. Porém, seu argumento reduz-se a que, na época, não havia legislação específica que os proibisse. Trata-se, portanto, de um argumento jurídico meramente formal – e não econômico, muito menos moral.
Realmente, só em 1887 esses abatimentos foram proibidos por legislação específica. Aliás, outro momento de comicidade do livro de Morris é sua explicação de que Rockefeller “confundira” as datas ao declarar que desde 1880 a Standard Oil não usava os “abatimentos posteriores” – quando, depois, provou-se que em 1886 ela continuava usando o mecanismo.
No entanto, com ou sem lei que proíba uma de suas formas específicas, a rapinagem não deixa de ser rapinagem. Ida Tarbell e as pessoas da época não tinham a mesma opinião de Morris sobre a legalidade dos abatimentos “posteriores” porque havia legislação contra roubo nos EUA – e esses abatimentos eram um roubo aos concorrentes da Standard Oil, e, de resto, à população que se tornou vítima do seu monopólio.
Bastante interessante, no livro de Morris, é a sua argumentação contra a opinião geral – inclusive de historiadores norte-americanos conservadores – de que os anos 70 do século XIX foram anos de depressão. Baseado em dados cliométricos (isto é, dados econométricos calculados posteriormente à época estudada) ele chega à conclusão de que nessa década houve um crescimento médio anual entre 4 e 6% (Morris, págs. 131-132). Considerando que nem ele discute que os anos de 1871 a 1873 foram de crise aguda, isso significaria que houve uma expansão notável nos outros anos da década. Se é assim, por que as pessoas sentiram aquela década como especialmente torturante, a ponto dos historiadores a designarem como o pior período da história dos EUA até a crise de 1929? O que explica que levantes populares – e massacres – tenham percorrido os EUA ao longo dessa década?
Aqui se notam as limitações de um incensador de monopolistas. Morris percebe que a explicação dos monetaristas e/ou neoliberais – a de que a sensação de profundo mal-estar foi causada pela volta do dólar ao padrão-ouro, que teria feito com que os preços nominais (inclusive o salário) caíssem – é uma fraude descarada (até porque, acrescentamos, os EUA somente voltaram ao padrão-ouro em 1879). Mas a sua explicação não é muito melhor: a de que houve um “choque de oferta”, devido à expansão econômica, que fez os preços nominais caírem (Morris, págs. 137-140). Em suma, a sensação de mal-estar dos norte-americanos durante a década de 70 do século XIX seria uma indigestão – e não uma fome. Ou, nas palavras do autor, “a queda dos preços nominais significava força, não prostração” (pág. 139).
O problema é que esta força era a dos monopólios destruindo a economia anterior para instalarem-se em seu lugar. Por isso, a década é sentida até hoje como um período lastimável. O monopólio privado é uma degeneração do capitalismo, não a sua florescência progressista – e somente pode estabelecer-se destruindo a economia anterior. Em nenhum país do mundo houve uma via pacifica para a instalação dos monopólios. Nem mesmo onde o capitalismo já apareceu monopolista (ver, p. ex., a descrição de Paul Baran sobre a instalação dos monopólios japoneses em “Economia Política do Desenvolvimento”, ed. bras., Zahar, 1972).
Nos primeiros anos da ditadura no Brasil (1964-1967) houve algo semelhante. No caso, a destruição causada pela política econômica da parelha Campos/Bulhões tinha por finalidade abrir espaço para os monopólios estrangeiros – inclusive em setores onde a terra arrasada não podia imediatamente ser ocupada por esses monopólios, o que levou o país quase ao abismo.
No caso dos EUA da década de 70 do século XIX, os monopólios ou candidatos a monopólios não eram externos – e aproveitavam-se dos investimentos feitos pelo Estado em infraestrutura durante a Guerra Civil.
O historiador norte-americano Charles Bruce Catton abre o segundo volume de sua trilogia sobre o Exército do Potomac na Guerra Civil com o relato do reverendo A. M. Stewart, capelão do 102º Regimento de Infantaria da Pennsylvania, sobre o salto econômico dos EUA durante o conflito. Voltando de licença, no outono de 1862, Stewart observou que enquanto os exércitos se matavam (a Pennsylvania já tinha enviado 150 mil homens para a frente – e parte considerável deles já estavam mortos), na retaguarda havia uma febre de negócios. Vivia-se, naquele que em breve seria o Estado petrolífero pioneiro dos EUA, o que Catton descreve como “boom times” (Bruce Catton, “Glory Road: The Bloody Route From Fredericksburg To Gettysburg”, Pocket Books, NY, 1964 – primeira edição, 1952).
A guerra terminou em 1865 e havia um país a reconstruir. Não por acaso, Morris inicia seu livro com a morte de Lincoln. Este assassinato, do ponto de vista político, foi o sinal para que o capitalismo dos EUA se transformasse em capitalismo monopolista. Com Lincoln vivo, teria sido mais difícil – como o próprio Morris observa.
Os sucessivos escândalos do governo Grant constituíram a primeira exibição pública dos métodos dos heróis de Morris em relação ao Estado. Como anotou, sobre o Partido Republicano, o narrador de um dos romances históricos de Gore Vidal, “o novo e nobre partido que libertou os escravos e preservou a União é o mesmo partido que agora anda mancomunado com os magnatas trapaceiros das ferrovias e com os açambarcadores de Wall Street” (Gore Vidal, “1876”, págs. 85/86, trad. Rubens Fiqueiredo, Rocco, 1997).
A década de 70, portanto, foi a da destruição de uma economia basicamente não-monopolista. O processo de estabelecimento dos monopólios, no entanto, somente foi completado nos últimos anos do século XIX e primeiros anos do século XX. Como diz o próprio Morris em outro livro, publicado em 2009 tanto nos EUA quanto no Brasil:
“Considere uma lista das principais empresas americanas por volta de 1910: ela incluiria a U.S. Steel e a Bethlehem Steel; a Standard Oil e a Gulf; a Swift, a Armour e a General Foods; a AT&T, a General Electric e a Westinghouse; a Anaconda Copper e a Alcoa; a Dupont e a American Tobacco. Agora uma lista semelhante relativa à década de 1970. Com exceção de empresas de novos setores industriais, como a General Motors e a RCA, as duas listas são quase idênticas. A despeito de todas as vicissitudes das fusões, mudanças de nome e medidas antitruste, as principais empresas de 1910 mantiveram suas posições ao longo dos setenta anos seguintes” (Charles R. Morris, “O Crash De 2008 – Dinheiro Fácil, Apostas Arriscadas E O Colapso Global Do Crédito”, Aracati, 2009, pág. 48).
Depois disso, o dilúvio. Neste recente livro, escrito depois de eclodir a crise atual, Morris mostra-se menos entusiasmado com os monopólios:
“… assim que a U.S. Steel [uma criação de J.P. Morgan] foi criada em 1901, a partir de uma sequência de fusões, seu presidente, Elbert Gary, começou a planejar acordos de partilha de mercado e manutenção de preços com seus concorrentes. A U.S. Steel nasceu controlando mais da metade do mercado; Gary argumentava que se seus colegas barões do aço simplesmente adotassem a estrutura de preços altos da U.S. Steel, cada um deles manteria sua participação no mercado e todos poderiam prosperar juntos. (….) a indústria do petróleo se enquadrou num padrão semelhante, e o mesmo ocorreu em indústrias mais novas, como a de automóveis e a de televisores. Certa vez, um presidente de uma empresa siderúrgica explicou a lógica da manutenção de preços a um comitê antitruste do Senado: ‘Se baixássemos nossos preços, os concorrentes fariam o mesmo, e isso provocaria a queda de seus lucros, de forma que, em termos relativos, voltaríamos exatamente aos mesmos preços de antes’. A guerra preservou e ampliou a preguiçosa hegemonia dos americanos. As empresas conseguiram acumular gordura com a venda de armas durante a guerra e com a reconstrução do pós-guerra, ao mesmo tempo em que colaboraram para destruir suas concorrentes no exterior. Um executivo de vendas da indústria siderúrgica da década de 1950 se gabava: ‘Nossos vendedores não vendem aço; eles apenas o distribuem’. Mas, ao solapar a concorrência, o sistema de ‘preços administrados’ de Gary congelou o avanço tecnológico. O centro da inovação na fabricação de aço se deslocou para a Europa e o Japão” (Charles R. Morris, “O Crash De 2008, etc.”, págs. 49-50).
Na década de 70 do século XIX, a existência de milhares de empresas não-monopolistas – e pequenos agricultores – era, ainda, um entrave para que os monopólios estabelecessem sua hegemonia. Esses anos – precisamente quando os “barões ladrões” fazem a sua aparição – foram aqueles em que a economia americana foi transformada em terra arrasada e ocupada pelos monopólios. Daí a sensação geral, independente dos números – que mostram, sobretudo, a expansão dos monopólios – de que essa década foi algo ainda pior, para os EUA, do que uma “década perdida”.
2
Em um relato a Ida Tarbell, o primeiro presidente da U.S. Steel, Elbert Gary, referiu-se ao tempo em que era o principal advogado de J.P. Morgan. Ao receber uma ordem do patrão, Gary avisou que ele estava pretendendo algo ilegal. Furioso, Morgan berrou: “Eu não quero um advogado para me dizer o que eu não posso fazer. Eu pago a ele para me dizer como fazer o que eu quero fazer”.
A primeira aparição de Morgan para o público norte-americano foi durante a Guerra Civil. Sabendo que o general John C. Frémont, comandante do Missouri, estava desesperado pela falta de armas para enfrentar os confederados, Morgan (que tinha pago US$ 300 a um substituto para fugir do recrutamento) comprou 4.996 carabinas defeituosas do exército, ao preço de US$ 3,50 cada uma, e vendeu-as a Frémont por US$ 22 cada. Em suma, comprou as armas defeituosas do exército por US$ 17.486 e vendeu-as ao próprio exército por US$ 109.912 – um lucro de U$ 92.426.
As armas, vendidas como “carabinas novas em perfeitas condições”, explodiram, arrancando os polegares dos soldados que tiveram a infelicidade de usá-las. Quando o governo se recusou a pagar, Morgan o processou, com a argumentação de que “um contrato é sagrado” (sic). Apesar do escândalo, conseguiu que o governo pagasse metade da quantia, mas não se conformou e recorreu, pois não admitia “quebra de contrato”, mesmo tendo ele vendido carabinas defeituosas como “carabinas novas em perfeitas condições”, ou seja, mesmo tendo sido ele a quebrar o contrato (para um relato mais detalhado dessa transação, ver o livro de H. C. Engelbrecht e F. C. Hanighen, “Merchants of Death – A Study of the International Armament Industry”, Dodd, Mead & Company, NY, 1934, págs. 60/61).
Por essas e outras, se propalar a “ética” de Rockefeller é algo risível, talvez pior ainda seja propalar a “honestidade” de J.P. Morgan. No entanto, é exatamente o que Charles R. Morris faz em “Os Magnatas”. Por exemplo: “Morgan (….) era o único americano em que os financistas estrangeiros confiavam. Após servir de mediador para os fluxos de capitais cruciais que sustentaram o ritmo extraordinário do investimento americano, ele se transmutou em uma proto-comissão de valores mobiliários e até mesmo em um proto-banco central, estabelecendo as regras para as finanças corporativas, exigindo contabilidade honesta”.
O monopólio instalou-se nos EUA, como já disse alguém, seguindo os trilhos das ferrovias. Aliás, é algo espantoso o número de generais da União na Guerra Civil, isto é, de generais republicanos, que, depois, ocuparam cargos nas diretorias de estradas de ferro.
Morgan, primeiro como representante de banqueiros ingleses (Rotschild, principalmente), depois, à custa de negócios como o que relatamos acima, tornou-se o banqueiro das ferrovias – e dos setores ligados a elas, como o aço.
No entanto, as ferrovias eram uma selva de trapaceiros trogloditas – no estilo Jay Gould, Vanderbilt & outros – que era extensiva aos seus fornecedores, sobretudo os setores de siderurgia e carvão. Se dependesse somente destes, mais fácil seria imaginar, como consequência, uma revolução nos EUA – ou a estatização desses setores, o que é quase a mesma coisa – do que a consolidação dos monopólios.
Assim, o impulso decisivo para o monopólio, estabelecendo alguma “racionalidade” – isto é, domínio – nesse faroeste, foi dado pelo acordo entre Rockefeller e as ferrovias na década de 70 do século XIX (ver a primeira parte deste artigo). Mas sua consolidação definitiva somente ocorreu nos últimos anos desse século, fundamentalmente por ação de J.P. Morgan – ou seja, pela passagem do setor industrial à hegemonia dos bancos.
Morris tem toda razão em apontar a completa insignificância de Taylor e do “taylorismo” no desenvolvimento da produção sob o capitalismo monopolista. Aliás, o próprio Henry Ford já a havia apontado, quando contestou que seu sistema de linha de produção tivesse alguma influência de Taylor. A linha de produção de Ford era, a rigor, uma transposição do método dos frigoríficos de Chicago (Swift, Armour, Wilson) para a indústria automobilística. Já o “método” de Taylor era apenas uma regressão fantasiosa à escravidão, uma espécie de escravidão absoluta sob o capitalismo. Sua preocupação não era desenvolver força produtiva alguma, mas arrancar o couro do trabalhador manual, perpetuamente manual, baseado (?) em equações e medidas de tempo de trabalho completamente estúpidas. Somente os neoliberais é que exumariam Taylor como seu guru, ainda que o seu “método” permaneça hoje tão inaplicável quanto no início do século XX – exceto, talvez, em setores administrativos, ou seja, na burocracia dos monopólios.
Porém, Morris não tem razão alguma em apontar que havia (ou há) uma “discussão em aberto” sobre a existência ou não de um “money trust” (em suma, um monopólio do dinheiro) nos EUA em fins do século XIX até 1929. Independente das confusões do autor inicial da denúncia, Louis Brandeis – procurador e, a partir do governo Wilson, juiz da Corte Suprema -, que conseguia misturar anti-monopolismo, taylorismo e sionismo no mesmo guisado ideológico, existem os fatos.
Entre o fim do século XIX e início do século XX, Morgan controlava pelo menos “40% do capital comercial, financeiro e industrial líquido dos Estados Unidos” (o próprio Morris cita esse número, pág. 280; ver, também, J. Bradford De Long, “J.P. Morgan and His Money Trust”, Harvard University, 1992- grifo nosso).
E, mais:
“Cada vez, na primeira década do século XX, que uma corporação americana buscava levantar mais que U$ 10.000.000 em capital, tinha que alugar os serviços e pagar comissões para os parceiros da J.P. Morgan & Co., ou para um de seus pares menores, como o Kuhn, Loeb; Kidder, Peabody; o National City Bank, encabeçado por James Stillman; ou o Lee, Higginson. Se Morgan achasse que não devia ajudar uma corporação a levantar dinheiro, o dinheiro não seria levantado. Os planos de expansão da empresa não seriam levados a cabo. Amigo de longa data de Morgan, George F. Baker, presidente do First National Bank e fundador da Harvard Business School, não conseguiu lembrar de um único caso em 10 anos em que qualquer companhia tivesse levantado um montante significativo de dinheiro no mercado de ações ou no mercado financeiro sem a participação ou cooperação de pelo menos um dos cinco bancos de investimento” (J. Bradford De Long, “J.P. Morgan and His Money Trust”, Harvard University, 1992, – grifo nosso; este ensaio acadêmico, aliás, está muito longe de ser “anti-Morgan”).
Os limites dos outros quatro bancos eram, também, determinados por Morgan. Como relatou Louis Brandeis:
“Constatei que a política da [ferrovia] New Haven não era sólida. Eu disse para alguns dos principais banqueiros de Boston: ‘Se isso continua, a New Haven vai à falência. Por que vocês não querem agir?’ Eles responderam que não se atreveriam. A New Haven era um negócio particular favorito de Mr. Morgan”. Os banqueiros de Boston esclareceram a Brandeis que não iam arriscar “sua vida financeira metendo os dedos nisso”.
Apesar das confusões já aludidas de Brandeis, o livro que publicou sobre o “money trust” é uma fonte inestimável para essa época (V. Brandeis, “Other People’s Money, and How the Bankers Use It”, NY, Frederick A. Stokes Company, 1914).
Tratava-se de um monopólio mais de uma pessoa do que de uma empresa: Morgan mandava nisso tudo a partir de algo semelhante aos atuais “bancos de segundo andar” – o máximo que a “J. P. Morgan & Company” teve foram 80 funcionários, numa época em que não havia informática e outras comodidades.
Morgan considerava que a concorrência era perniciosa. E que os cartéis eram insuficientes para acabar com as disputas. Assim, usou o seu monopólio do dinheiro para fundar (através de “fusões”) corporações que dominassem a maior parte de um determinado ramo de produção – no limite, todo o ramo de produção.
Aproveitou-se, para isso, da crise de 1893/1894. Para que se tenha uma ideia, essa crise levou 192 ferrovias dos EUA à falência – um quarto de todo o sistema ferroviário – e as próprias finanças do Estado à bancarrota.
O fato é que, entre 1894 e 1904, 1.800 empresas deixaram de existir, devido às fusões desencadeadas por Morgan, ou seja, através da constituição de monopólios em cada ramo da produção – as empresas resultantes dessas fusões, dependendo do setor, concentravam de 40 a 70% do mercado, e, em vários casos, bem mais. O monopólio do dinheiro, portanto, foi a chave para o monopólio em cada setor da produção.
Esse engessamento geral da economia iria permanecer essencialmente inalterado nos 70 anos seguintes, levando a economia americana à decadência e à decomposição. Apesar da hegemonia obtida após a II Guerra mundial, em meados da década de 50 os demais países centrais (com exceção da Inglaterra) deixaram para trás as taxas de crescimento dos EUA, enquanto este decresce sua participação no produto mundial – de 36% (1955) para 30% (1971) – e diminuem sua parcela nas exportações de produtos industriais dos seis países mais industrializados – de 25% (1955) para 18,5% (1970). A partir daí, como observa um autor, a grosseira manipulação do dólar passou a ser o instrumento econômico (nem todos os instrumentos de política econômica são econômicos) por excelência da política econômica dos EUA (cf., Ricardo Parboni, “The dollar weapon: from Nixon to Reagan”, New Left Review I/158, July-August 1986).
Em 1954, no trabalho “Billionaire Corporation”, a mais respeitada instituição de pesquisa sobre o capital monopolista nos EUA, a Labour Research Association, registrava que a economia norte-americana era dominada por oito grupos:
1) Grupo Morgan – que compreendia cinco dos maiores bancos (J. P. Morgan and Co., First National Bank, Guaranty Trust Co., New York Trust e Bankers Trust Co.); 35 das maiores corporações, como a U.S. Steel, a General Electric, a AT&T, a American Power and Light Co. (dona da nossa conhecida Bond and Share) e mais 11 companhias de eletricidade e gás; cinco das principais ferrovias do país (incluídas New York Central, Northern, Southern e Western Pacific); a empresa líder na fabricação de locomotivas, a Baldwin Locomotive Works; a terceira maior vendedora de bens de consumo, a Montgomery Ward and Co.; e até a maior empresa do ramo de panificação, a National Biscuit Co.
2) Grupo Rockefeller – tinha o segundo banco do país, o Chase Manhattan, com ramificações que iam da indústria bélica até o comércio varejista; e as petroleiras paridas pela velha Standard Oil (Esso, Mobil, Amoco, Kyso, Conoco, Sohio, Marathon, Chevron, que depois engoliu a Texaco, Standard Oil of Louisiana e… a Standard Oil of Brazil, mais a Chesebrough, famosa na época pela produção e comercialização de um derivado do petróleo denominado vaselina, hoje incorporada à Unilever).
3) Grupo Mellon – dono da Gulf Oil, uma das “sete irmãs” (como Enrico Mattei, presidente da estatal italiana ENI, chamou as principais empresas do cartel do petróleo – Esso, Mobil, Chevron, Texaco, Shell, Gulf e BP). Além disso, a família Mellon era dona da Alcoa, monopólio que dominava 100% do mercado de alumínio nos EUA; de dois dos maiores bancos (Mellon National Bank e Union Trust Co.); da Westinghouse (com o grupo Morgan); do monopólio químico Koppers; de uma série de empresas no ramo do carvão, aço, maquinaria pesada, vidro, serviços públicos e ferrovias; além de ter parte mais do que importante na General Motors (com o grupo Du Pont); na Newsweek; e até na pioneira do ketchup, a H. J. Heinz Company.
4) Grupo Du Pont – além da empresa de mesmo nome, o gigantesco monopólio bélico-químico E.I. Du Pont de Nemours and Company, descrito pelo procurador-geral no governo Truman, Tom C. Clark, ao abrir um processo anti-truste contra ela, como “isoladamente, a maior concentração de poder industrial dos EUA”, a família Du Pont controlava um dos principais bancos dos EUA, o National Bank of Detroit, a General Motors (foi com um Du Pont na presidência, desde 1920, que a GM se tornou a maior companhia do ramo automobilístico) e a U.S. Rubber (borracha sintética).
5) Grupo de Chicago – Tinha quatro outros dos maiores bancos (inclusive o Continental Illinois National Bank and Trust Co. e o First National Bank of Chicago). Controlava os monopólios frigoríficos (Armour, Swift, Wilson); a International Harvester, maior empresa de máquinas agrícolas dos EUA; a rede de lojas de departamento Marshall Field (mais conhecida como “Macy’s”); o Chicago Sun-Times; e três das maiores companhias de serviços públicos do meio-oeste dos EUA.
6) Grupo de Cleveland – Também proprietário de um dos principais bancos, o Cleveland Trust Co., estendendo-se pelo setor siderúrgico (Republic Steel, Inland Steel, Youngstown Sheet and Tube) e ao setor de pneus (Goodyear Tire and Rubber).
7) Grupo de Boston – formado em torno de outro dos maiores bancos, o First National Bank of Boston. Sua corporação mais famosa era a United Fruit Corp., hoje Chiquita Brands, promotora de golpes de Estado por toda a América Central. O grupo também controlava a United Shoe Machinery Co. – em 1960, quando o governo Kennedy a declarou monopólio ilegal, essa corporação tinha 95% do mercado mundial de máquinas para fabricar calçados; a corporação têxtil American Woollen; e a U.S. Smelting, Refining and Mining, monopólio do cobre, processado pelo governo Truman por violar a legislação anti-truste.
8) Grupo Kuhn-Loeb – de origem meramente bancário-especulativa, dono do banco de mesmo nome e do Bank of Manhattan Co., de sete das maiores ferrovias dos EUA (inclusive a Pennsylvania Railway e a Union Pacific) e da Western Union Telegraph Co. Em associação com o grupo Rockefeller, controlava a Bethlehem Steel, a segunda maior corporação siderúrgica dos EUA.
Hoje, o mais impressionante – porque realmente é impressionante – é que a decomposição da economia americana haja chegado a um ponto em que boa parte disso foi, literalmente, varrido. O grupo Kuhn-Loeb, depois Lehman Brothers, Kuhn, Loeb Inc., quebrou em setembro de 2008; mas a Bethlehem Steel já havia falido muito antes. Aliás, todo o setor siderúrgico, inclusive a outrora poderosa US Steel, retirou suas ações da Bolsa, e come poeira da indústria de outros países. Os monopólios frigoríficos desapareceram; a GM sobrevive como pensionista do governo; a devastação não poupou nem as empresas petrolíferas, com as sobreviventes, hoje, apanhando da Petrobrás e outras estatais.
Verdade seja dita, surgiram monopólios em novos setores (por exemplo, a Microsoft na área da informática – e a IBM, que em 1955 era a 61ª companhia da lista de maiores da “Fortune”, é hoje a 14ª). Também é verdade que os Rockefellers absorveram os Morgan, com a compra do JP Morgan pelo Chase Manhattan, e tomaram a Gulf dos Mellon – mas isso é um sinal, sobretudo, de fraqueza do capitalismo monopolista americano em geral, em que a decomposição açulou outros aventureiros (estilo Enron, Carlyle ou Bush) que tentam ocupar o espaço deixado pelos carcomidos monopólios de mais alta classe…
No entanto, cada vez mais – e a crise atual é exemplar nesse sentido – a economia do capitalismo monopolista americano sustenta-se na manipulação de papel pintado. Ou, como disse o atual presidente do banco central dos EUA, Ben Bernanke: “… o governo dos EUA tem uma tecnologia chamada máquina de impressão (ou, hoje, o seu equivalente eletrônico), que permite a ele produzir quantos dólares quiser sem nenhum custo”.
Na verdade, nem mesmo é o governo: são diretamente os bancos, através do FED, que emitem o dólar.
NOTAS:
1Não conhecemos tradução em português; a Universidade de Rochester colocou na Internet uma edição fac-similar da primeira, de McClure, Phillips and co., que também publicavam a “McClure Magazine”, revista em que apareceram as reportagens de Ida Tarbell que constituíram a base do livro. As páginas citadas referem-se à edição de 1904.
2Somente em 1931, em meio à crise iniciada em 1929, a Standard Oil Company of New Jersey (a atual ExxonMobil) compraria a Tidewater, mas a vendeu em 1937 para o notório Jean Paul Getty, que mudou seu nome para Getty Oil.