Nesta segunda-feira, 10, o desembargador Federal Luiz Alberto de Souza Ribeiro cassou a liminar da Justiça Federal de São Paulo que suspendia a transferência da Embraer para a empresa norte-americana Boeing alegando que a negociação não coloca “quaisquer interesses públicos em risco”.
Na semana passada, o parecer liminar do juiz Victorio Giuzio Neto, da 24ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo, foi de que era necessária uma medida “cautelar” para evitar que os impactos da entrega de uma companhia estratégica não fosse avaliado levando em consideração interesses e princípios nacionais.
Ao contrário do juiz que cassou a decisão – que afirmou que se trata de “uma negociação entre duas empresas privadas, que operam segundo os princípios da livre iniciativa e liberdade negocial” – Giuzio Neto disse no parecer que a Embraer “não pode ser considerada qualquer empresa da indústria civil, como as de cerveja ou cosméticos”.
A “join venture” a ser criada com a negociação, na verdade, se trata da entrega da Embraer à companhia norte-americana – já que os termos preveem que a primeira conceda toda a sua estrutura de operação comercial, mas fique com apenas 20% – enquanto a Boeing abocanha 80% do negócio.
Comissão “paritária”
Ao derrubar a liminar, o juiz do TRF-3 ainda disse que cabe à União o poder de veto à operação “caso se identifique a possibilidade de algum dano ou prejuízo aos interesses públicos”.
Apesar de o desembargador considerar a liminar que paralisou as negociações “infundada e precipitada”, a medida de suspensão era cautelar justamente porque em uma manobra as empresas apresentaram como solução para a proteção dos segredos militares a criação de uma “comissão paritária”. No entanto, essa “comissão” será formada por dois membros – um deles indicado pela empresa americana – sem que o poder legislativo e o Conselho de Defesa Nacional fossem consultados e participassem do processo.
“Quanto aos segredos militares não serem transferidos à Boeing, a garantia representada por uma ‘comissão paritária’ que pode ser limitada a apenas dois membros, um deles indicado pela Boeing e o outro pela Embraer, encontra-se distante de representar uma real garantia de preservação de segredos, razão pela qual, por não especialista neste tema, de todo recomendável a oitiva do órgão legitimado para esta questão que, nos termos constitucionais é o Conselho de Defesa Nacional, a fim de realizar análise se a ‘garantia’ prevista atende aos interesses da segurança do país”, afirmou.
Desde julho, a Boeing e a Embraer têm costurado um acordo de intenções de formação desta nova companhia na área da aviação comercial. Embora a estrutura inteira de operação dessa “nova companhia” já exista e seja inteiramente da Embraer, a Boeing sairia com a maior parte do negócio.
Acordo
Um “memorando de entendimentos” assinado em Nova Iorque em outubro pelas duas empresas explicita que a entrega da Embraer para a Boeing se trata, na verdade, da doação de uma das maiores empresas de aviação do mundo para que esta se torne mais uma montadora de projetos americana instalada no Brasil. Segundo o acordo, a Boeing abocanha toda a operação da Embraer pagando miseráveis U$ 3,8 bilhões – pouco mais da metade da receita anual da Embraer. As operações comerciais, que serão transferidas à Boeing, representam 60% da receita da companhia brasileira e é o que permite geração de recursos para que as áreas de investimento, pesquisa e defesa existam.
Privatizada em 1994, o governo brasileiro detém uma ação de classe especial chamada “golden share” na Embraer – o que lhe dá o direito de veto em qualquer decisão estratégica. No entanto, como explicita a decisão do desembargador do TRF-3, a questão tem sido tratada até agora como uma mera fusão de companhias comerciais, colocando em risco um patrimônio consolidado na área da aviação e aeronáutica, além da nossa soberania.
O papel do Executivo na salvaguarda do nosso patrimônio e soberania está ameaçado com a eleição de Bolsonaro. “Eu vou avalizar o negócio”, adiantou o presidente eleito em entrevista no mês passado. “Fusão da Embraer com a Boeing continua. Sem problema nenhum”.
PRISCILA CASALE