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Motorista movimentou R$ 1,2 milhão
Investigação de propina na Alerj chega a Flávio Bolsonaro. História cada vez mais mal explicada
O problema das explicações de Bolsonaro sobre o motorista de seu filho, que movimentou R$ 1,2 milhão em sua conta bancária – incluída uma transferência de R$ 24 mil para sua esposa, Michele Bolsonaro – é que elas nada explicam.
Desse jeito, nem fazendo como o seu coordenador da transição – e anunciado chefe da Casa Civil -, Onyx Lorenzoni, que mostrou à imprensa uma tatuagem que fez no braço, “para que eu nunca mais erre. Isso é para me lembrar do dia em que eu errei” (foto ao lado).
Lorenzoni recebeu R$ 300 mil da JBS, via caixa 2 – ou seja, não declarou o dinheiro à Justiça Eleitoral e nem ao Fisco. Agora, como penitência, tatuou no braço: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, frase do Evangelho segundo João, que Bolsonaro adotou na campanha – e que é, também, o lema da CIA, instituição que, como se sabe, não mente jamais (v. Sérgio Moro e o caso Onyx Lorenzoni/JBS; e, também, Bolsonaro usa a Bíblia para mentir na TV).
Disse Lorenzoni, depois de mostrar a tatuagem no programa Canal Livre, da Band: “Isso é pra mim, não é para sair por aí mostrando”.
Ah, bom, ainda bem.
Lorenzoni poderia, também, tatuar a seguinte apreciação sobre caixa 2, feita pelo então juiz Sérgio Moro, em abril de 2017, durante conferência na Universidade de Harvard, EUA:
“Temos que falar a verdade, Caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral. Para mim a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se eu peguei essa propina e coloquei em uma conta na Suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível.”
É grande para uma tatuagem, mas é para o Onyx mostrar o quanto seu arrependimento é grande…
OPERAÇÃO
Quanto a Bolsonaro, ainda não mostrou nenhuma tatuagem, graças aos céus.
Pelo contrário, Bolsonaro parece, nos últimos dias, querer tirar algo da pele, ou, pelo menos, algo que acha que grudou na sua pele – ou pode grudar.
Desde que a Operação Furna da Onça, através de relatório solicitado ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), mostrou que Fabrício Queiroz, motorista do deputado estadual Flávio Bolsonaro, movimentou R$ 1 milhão, 236 mil e 838 reais em um ano – com um depósito de R$ 24 mil na conta da esposa de Bolsonaro – que ele está inquieto. Muito inquieto.
A movimentação é incompatível para a renda de Queiroz, apesar desta ser fornida para um motorista (R$ 23 mil por mês).
Depois de tentar defendê-lo, Bolsonaro, agora, disse que rompeu relações com Fabrício Queiroz até que ele explique de onde veio o dinheiro.
Mas o que ele tem com Queiroz?
Acontece que foi ele quem colocou o ex-paraquedista e ex-PM Fabrício Queiroz como motorista, no gabinete de Flávio Bolsonaro.
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Fabrício Queiroz (direita) com Bolsonaro e o filho
Queiroz não era amigo de Flávio, era amigo do pai de Flávio, que o conheceu quando ambos serviam no 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista, em 1984.
Para completar as coincidências extraordinárias (ou não), em 1987, quando Queiroz deixou o Exército, seu comandante era Hamilton Mourão – atualmente, vice de Bolsonaro.
Em meio à movimentação de mais de R$ 1,2 milhão da conta do motorista, havia R$ 24 mil transferidos para a conta da esposa de Bolsonaro.
Segundo Bolsonaro, o dinheiro era para ele. E, mais – o total dos depósitos de Queiroz na conta de sua mulher não foi R$ 24 mil, mas R$ 40 mil:
“Emprestei dinheiro para ele em outras oportunidades”, disse Bolsonaro. “Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou. Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil”.
Algum mal intencionado perguntou, na imprensa, por que um sujeito que movimentava R$ 1.236.838,00, em um ano, precisava de R$ 40 mil.
Sempre pode ser um aperto momentâneo, sabe-se lá. Mas porque ele depositou na conta da mulher de Bolsonaro, em vez de depositar na conta de Bolsonaro?
“Não botei na minha conta”, explicou Bolsonaro, “por questão de… eu tenho dificuldade para ir em banco, andar na rua. Deixei para minha esposa. Lamento o constrangimento que ela está passando no tocante a isso, mas ninguém recebe ou dá dinheiro sujo com cheque nominal, meu Deus do céu”.
Bolsonaro não tinha que “botar” nada na sua conta. Queiroz é que, pela versão de Bolsonaro, tinha que depositar dinheiro na sua conta, pois teriam sido 10 cheques que Queiroz passou para ele, quando tomou o empréstimo.
A propósito, se há uma atividade que Bolsonaro desenvolve com frequência, na Barra da Tijuca, Rio, onde mora, é ir ao banco. Até para fazer um churrasco, como no último dia 11 de novembro, ele preferiu ir pessoalmente ao banco tirar dinheiro (v. foto ao lado).
Entretanto, voltando à questão anterior, para que Bolsonaro precisaria ir ao banco para que Queiroz depositasse dinheiro em sua conta?
ALERJ
A Operação Furna da Onça prendeu 10 deputados estaduais e considerou suspeitas as movimentações financeiras de 75 funcionários da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Nove funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa, depositaram na conta de Fabrício Queiroz: sua mulher, Márcia Oliveira Aguiar, suas filhas, Nathalia Melo de Queiroz e Evelyn Melo de Queiroz, além de Agostinho Moraes da Silva, Jorge Luís de Souza, Luiza Souza Paes, Raimunda Veras Magalhães, Wellington Rômulo da Silva e Márcia Cristina Nascimento dos Santos.
Disse Bolsonaro que “é normal entre aqueles funcionários um ajudar o outro, e não foi diferente na Assembleia Legislativa. Eles se socorrem de gente que está ao seu lado e não de terceiros”.
Tudo correria, segundo ele, por conta do espírito solidário dos funcionários do gabinete de seu filho. Resta saber em que Fabrício Queiroz ajudou os outros funcionários – ou se ele devolveu dinheiro aos outros.
Pois, se existe algo comum (ou reincidente) em certos parlamentos do país – não podemos garantir que em todos, embora seja tentador afirmá-lo – são parlamentares que confiscam uma parte dos salários de seus funcionários em proveito próprio.
Quantos casos houve nos últimos anos?
Há menos de uma semana, a Procuradoria Geral da República denunciou o ex-deputado e ex-ministro Geddel Vieira Lima, seus irmãos, Lúcio e Afrísio Vieira Lima, a mãe dos dois, Marluce Vieira Lima, e mais quatro integrantes da mesma quadrilha, por se apropriar de salários dos funcionários na Câmara, além de pendurar empregados domésticos em funções públicas, também na Câmara.
Apenas em um dos casos, o de Job Ribeiro Brandão, os Vieira Lima se apropriaram de R$ 4,3 milhões: “Além de instituir funcionário fantasma, a família apropriava-se dos salários de Job. No bojo do inquérito 4633, Job revelou que Lúcio Vieira Lima, Geddel Vieira Lima e Marluce Vieira Lima, a mãe, apropriavam-se de até 80% dos seus rendimentos pagos pela Câmara dos Deputados, todos os meses, há vários anos. Além disso, Job, Milene Pena e Roberto Suzarte não exerceram funções de secretário parlamentar, e sim de serviços à família e a seus negócios. Ou seja, também eram ‘funcionários fantasmas’”, diz a PF.
O aspecto mais repulsivo do caso é que isso parece uma dinastia decadente de senhores de escravos – o roubo dos funcionários, diz a PGR, durou 27 anos.
Já os Bolsonaro, claro, são muito diferentes.
SAQUES
No caso de Flávio Bolsonaro, toda a família de Queiroz foi empregada no gabinete: a mulher e as duas filhas. E quando alguém da família de Queiroz era demitido, outro alguém da família Bolsonaro o admitia.
Era mais ou menos como se houvesse uma família de senhores e outra de servos.
À imprensa, Flávio Bolsonaro declarou que as nomeações da família de Queiroz saíram no Diário Oficial, portanto, “não há nada a esconder”.
Mas o problema não é que ele tenha sonegado seus nomes do Diário Oficial (só faltava essa).
Uma das filhas de Fabrício Queiroz, Nathalia, depositou, ao todo, R$ 84 mil, 110 reais e 4 centavos na conta do pai. Seu salário, na Assembleia, era R$ 9.835,63.
Então, o total depositado corresponde a mais de oito meses de salários.
Como isso foi possível? Ela repassava o seu salário todo para a conta do genitor?
Essa filha de Queiroz foi demitida do gabinete de Flávio Bolsonaro em 12 de dezembro de 2016.
No mesmo dia, sua irmã, Evelyn, ocupou a vaga no gabinete de Flávio Bolsonaro.
Também quase imediatamente, Nathalia foi nomeada para o gabinete do deputado Jair Bolsonaro em Brasília.
Notam os procuradores que, no dia seguinte, a movimentação da conta de Fabrício Queiroz aumentou, com saques de R$ 58 mil em seis dias.
Aqui, temos o outro lado desse caso: os saques. O relatório do Coaf mostra que Fabrício Queiroz fez 176 saques em dinheiro na sua conta, durante o ano de 2016 – ou seja, mais de um saque em dinheiro por cada dois dias úteis.
Em alguns dias houve até cinco saques em dinheiro da conta de Fabrício Queiroz.
Aqui, diz o Coaf, houve uma tentativa de burlar a fiscalização, com a retirada de valores pequenos a cada saque, com muitos saques em dinheiro (“concentração de saques em espécie nos guichês com indícios de fracionamento devido valores diluídos abaixo do limite diário”, nas palavras do relatório do Coaf).
OPORTUNIDADES
Bolsonaro, até agora, teve pouco dinheiro público à sua disposição.
Porém, convenhamos que, para tão pouco dinheiro, ele conseguiu transgredir bastante as normas de honradez no trato dos bens públicos.
Receber auxílio-moradia da Câmara, quando se tem apartamento próprio em Brasília, não é coisa que recomende alguém que vive apontando os roubos do PT.
Certamente, os roubos do PT foram maiores – mas o PT teve acesso a muito mais recursos, até agora, do que Bolsonaro. E este não foi diferente, no trato que deu aos recursos públicos a que tinha acesso (e, pior ainda, a sua defesa para receber auxílio-moradia apesar de ter moradia: “eu usava o dinheiro do auxílio-moradia para comer gente”; se isso fosse defesa, a Câmara deveria instituir um auxílio-bordel para certos deputados).
Bolsonaro, por sinal, tinha em seu gabinete uma funcionária de nome Walderice Santos da Conceição, também conhecida por “Val”, que vendia Açaí em Angra dos Reis durante o expediente da Câmara.
Portanto, coisas como as que aconteceram no gabinete de seu filho não são estranhas a ele – aliás, parecem fazer parte da sua rotina.
Bolsonaro não ficou 11 anos no PP porque detestasse a corrupção.
PAIS DA PÁTRIA
O ex-juiz Sérgio Moro, anunciado como ministro da Justiça de Bolsonaro, nos primeiros dias após a Operação Furna da Onça ficou calado – e não foi porque não fosse solicitado a dar sua opinião.
Na segunda-feira, declarou que “sobre o relatório do Coaf sobre movimentação financeira atípica do sr. Queiroz, o sr. presidente eleito já esclareceu a parte que lhe cabe no episódio. O restante dos fatos deve ser esclarecido pelas demais pessoas envolvidas, especialmente o ex assessor, ou por apuração”.
Se existe algo que Bolsonaro não fez foi “esclarecer a parte que lhe cabe”.
O que ele fez foi apresentar, como o PT, uma “narrativa”, ou seja, uma versão para não dizer a verdade.
Moro sabe perfeitamente disso. Aliás, ele não teria chegado onde chegou, se não fosse um dos homens mais preparados do país para reconhecer certas coisas estranhas como aquilo que são.
O fato de ser ministro, ao contrário do que disse Moro, não o exime de analisar questões concretas – e até específicas.
Quando o marechal Deodoro – um homem de estatura milhões de vezes mais alta que Bolsonaro – quis beneficiar um compadre nas obras do porto de Torres, no Rio Grande do Sul, o ministro Ruy Barbosa denunciou publicamente o que considerava uma ação indecente.
Não era a quantidade de dinheiro envolvida que motivou Ruy Barbosa, mas a questão moral do que considerava próprio à República Brasileira.
CARLOS LOPES