A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o projeto de lei 7180/2014, intitulado “Escola sem Partido”, decidiu, após constatar a falta de quórum na reunião desta terça-feira (11), não apreciar o relatório sobre o projeto que instaura a censura dentro das escolas brasileiras. De acordo com o regimento da Casa, como o projeto não será analisado ainda este ano, ele será arquivado.
O presidente da comissão, deputado Marcos Rogério (DEM-RO), decidiu que não vai mais convocar reuniões do colegiado antes do início do recesso parlamentar. Com isso o projeto terá de recomeçar a tramitação do zero ou ser desarquivado para voltar à discussão dos deputados.
O deputado João Bacelar (Podemos-BA) celebrou o arquivamento da matéria no Congresso. “É um triunfo muito grande. Os favoráveis ao projeto eram maioria na comissão, mas a oposição nunca desistiu. Estávamos sempre presentes, debatendo, discutindo, impedindo que essa proposta que tentava intimidar o professor fosse adiante”, ressaltou o deputado.
O Escola Sem Partido tramitava em caráter conclusivo, ou seja, se fosse aprovado, iria direto para o Senado, sem passar por votação de todos os deputados, no plenário da Casa. O deputado Marcos Rogério encerrou os trabalhos da comissão depois de 12 sessões de seguidas tentativas de votação do relatório do deputado Flavinho (PSC-SP).
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Após o encerramento da comissão, durante a sessão plenária, o deputado Danilo Cabral (PSB-PE), que também é presidente da Comissão de Educação da Câmara, fez uso da palavra para destacar a vitória contra o obscurantismo.
“Tivemos hoje a vitória do arquivamento do projeto intitulado Escola Sem Partido. Essa é uma vitória sobretudo dos que acreditam na organização da luta do povo. Foi a mobilização daqueles que fazem a educação pública do nosso país, que levou essa Casa a tomar essa acertada decisão e arquivar um projeto que é uma verdadeira lei da mordaça na educação brasileira”, destacou o deputado.
O objetivo do projeto era instaurar uma censura às discussões em sala de aula, proibindo professores de manifestarem qualquer posicionamento político, ideológico ou partidário, visando minar a construção de pensamento crítico dentro das escolas, estabelecendo apenas a possibilidade de um único pensamento, aquele que estiver no poder.
De acordo com o regimento interno da Câmara, o autor do projeto ou de qualquer outro que tramita em conjunto pode apresentar requerimento para desarquivá-lo. Só que, se isso acontecer, a tramitação começará de novo, do zero, com a criação de uma nova comissão.
O projeto que estava em tramitação na Câmara sofreu críticas de diversos especialistas e não conta com apoio nem mesmo do ministro da Educação do governo Temer, Rossieli Soares. “O Brasil não precisa de um projeto de lei desses”, disse o atual ministro da Educação, que assumirá a Secretária da Educação da gestão João Dória (PSDB-SP).
Embora houvesse quórum suficiente registrado no painel eletrônico, o plenário da comissão estava esvaziado, o que fez com que a reunião demorasse quase três horas para ser aberta.
A bancada favorável ao projeto marcava presença no painel eletrônico e deixava o plenário, ficando apenas cerca de três representantes. Já a oposição, contrária ao projeto, permaneceu em peso integralmente.
Marcos Rogério admitiu que o arquivamento é uma “vitória da oposição”, mas acrescentou, em tom de ironia “esse projeto não será votado nessa legislatura é por consequência da falta de compromisso dos deputados que são favoráveis à matéria, porque a oposição chega aqui cedo, senta e fica sentada, ouvindo, debatendo e dialogando”, reclamou.
“A mordaça e a censura que setores reacionários e obscurantistas desejam impor não vão prevalecer. Agora é preparar para ampliar essa luta na próxima legislatura. Viva a democracia! Viva a educação sem censura, livre e crítica!”, enfatizou Orlando Silva (PCdoB-SP).
Durante as discussões do Escola Sem Partido na Câmara, o presidente do DEM e prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto, também manifestou posição contrária. “Sou contra a discussão da Escola Sem Partido. Alguns falam que os professores estão militando em sala de aula. São exceções que devem ser tratadas como exceções. Mas censurar é completamente descabido. Você vai censurar, monitorar o que o professor está falando em sala de aula? Isso é descabido”, afirmou o prefeito de Salvador.
Para o reitor da Universidade de São Paulo, Vahan Agopyan, o projeto fere a autonomia da instituição, já que “a universidade é um local de debate”.
Em entrevista ao Estado de S. Paulo, o reitor destacou: “Não vou criar um mecanismo de controle ideológico na USP”.
“Na USP, é impossível. Obedecemos às leis, mas coisas que ferem nossa autonomia, a USP não precisa seguir. Isso fere. A universidade é um local de debate. Formamos cidadãos”, destacou.
Alessandro Molón (PSB-RJ), destacou que “depois de inúmeras reuniões, esta é uma grande conquista para impedir os retrocessos que este projeto representa à educação. Caso queiram voltar com esse absurdo em 2019, terão que começar do zero. E nós estaremos atentos!”
O deputado Bacelar afirmou que vai continuar defendendo os direitos dos professores e a educação sem censura, na próxima legislatura, já que o projeto pode ser reapresentado. “Teremos novas batalhas na próxima legislatura, mas nunca iremos desistir dessa luta, que é garantir educação de qualidade aos nossos jovens”.
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O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) destacou a atuação dos deputados. “É vitória! Depois de 12 reuniões que eles tentaram votar o projeto “Escola com mordaça” que eles insistem em chamar de escola sem partido, eles não conseguiram! A nossa obstrução deu resultado e essa matéria não volta a ser votada em 2018, e se eles quiserem votar em 2019, terão que começar tudo novamente, do zero”, destacou.
ORGANIZAÇÃO
O arquivamento do projeto também foi celebrado por entidades estudantis e organizações da sociedade civil.
Para o presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES), Lucas Chen, o momento exige muita atenção. “Para nós secundaristas é uma grande conquista, mas nesse momento, precisamos nos organizar, para que no ano que vem, possamos voltar com força total, pois sabemos que esse novo governo eleito, vem com tudo para pautar esse projeto novamente contra a educação”, disse.
“Esse projeto é obscurantista, anticiência, antidesenvolvimento e antidebate e nós não iremos aceitar esse novo retrocesso. O projeto é uma afronta ao direito de ensinar as várias ideias presentes na educação. Precisamos nos organizar e realizar uma frente nacional ampla contra esse projeto e seus retrocessos”, destacou.
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Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional da Educação, destaca que o projeto foi inviabilizado nesta legislatura. “Ano que vem o “ESP” terá que recomeçar sua tramitação do zero. Até lá, estaremos ainda mais preparados. Mas agora é hora de comemorar”, disse o educador.
Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), relembrou os embates feitos na comissão. “Vitória da resistência e da luta persistente que, ao longo dos últimos meses, transformou aquela Comissão no palco de um verdadeiro enfrentamento”. “Aquele espaço mobilizou todas as forças de segurança na tentativa de impedir a livre circulação do que outrora foi conhecida como a Casa do Povo (…) Tudo mobilizado para impor a mordaça à educação brasileira”, destaca a nota.
Para o presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Pedro Gorki, “os defensores do projeto subestimaram a capacidade de pensar dos estudantes, subestimam o povo brasileiro e a Constituição ao usarem o projeto para atacar a liberdade dos estudantes e dos professores de aprender e compartilhar saber, conhecimento e visão de futuro”.
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