As alegações finais do Ministério Público Federal, no processo da propina recebida por Lula através das obras do sítio de Atibaia, entregues na 13ª Vara Federal de Curitiba na segunda-feira (10/12), são um detalhado relato de 366 páginas sobre o caso (v. MPF. Alegações Finais – Sítio de Atibaia).
Como característica, predominam as provas materiais – e são caudalosas.
Até agora, a argumentação mais frequente da defesa de Lula, é que, supostamente, contra ele existiriam apenas depoimentos, testemunhos, “delações premiadas”.
Isso não é verdade. E, mesmo que fosse, é uma argumentação com a consistência interior de um pneumático. É óbvio que quando existem vários depoimentos, de origem diferente, que apontam alguém como culpado, isso constitui uma prova.
Essa é a razão porque, até agora, não apareceu ninguém para dizer que o ex-medium ou falso-medium João de Deus é inocente porque só existem, contra ele, os depoimentos de suas vítimas.
É evidente que o grau de detalhe dos depoimentos e o seu número, sem que uma testemunha conheça a outra, apontam para a veracidade deles.
Lula é um caso semelhante. Não há como fugir dos depoimentos, quando tantos o apontam, de tantas origens diferentes.
Porém, no caso do sítio de Atibaia – como, aliás, já acontecera no caso da propina do triplex – os depoimentos confirmam provas materiais, muitas delas apreendidas no próprio sítio e no apartamento de Lula.
Por exemplo:
“a) Registros do reiterado e frequente número de vezes que Lula e sua família compareceram ao sítio de Atibaia, a partir dos dados fornecidos pela praça de pedágio e das diárias pagas pela Administração Federal aos seguranças de Lula em razão de deslocamentos para Atibaia;
“b) Diversos e-mails do Instituto Lula que comprovam a utilização e gozo do Sítio de Atibaia por parte da família Lula, fazendo menções a:
(i) plano de câmeras de segurança do Sítio de Atibaia com referência a casa do PR [“Presidente da República”]);
(ii) presença de Marisa no sítio;
(iii) mapa da cidade de Atibaia para auxílio do plano de segurança de Lula;
(iv) instalação de estação de tratamento no sítio;
(v) animais domésticos da família Lula;
(vi) cardápio de almoço de interesse de Marisa Letícia no sítio;
(vii) frequência ao sítio às vésperas das festas de fim de ano, com a presença de seguranças de Lula;
(viii) assuntos relacionados ao dia a dia da gestão do sítio tratados com o caseiro Maradona com seguranças de Lula, tais como: listas de materiais de construção; recibos de compras de itens da propriedade; relato sobre os animais de estimação (peixes, galinhas, pato, pavão, etc.);
“c) Laudo pericial nº. 0392/2016-SETEC/SR/DPF/PR131, confeccionado a partir da busca e apreensão no Sítio de Atibaia, que aponta que no local existia uma variedade de bens de uso pessoal de Lula e Marisa Letícia;
“d) Parte considerável da mudança de Lula, após este deixar o mandato presidencial, teve como destino o Sítio de Atibaia;
“e) Notas fiscais em nome de Marisa Letícia e de seguranças de Lula relacionadas a bens encontrados no Sítio de Atibaia, bem como documentação relativa a atendimento veterinário, na cidade de Atibaia, de animal de estimação de Marisa Letícia;
“f) recibos e documentos relacionados às obras efetuadas por José Carlos Bumlai e Odebrecht em benefício de Lula, apreendidas na residência deste;
“g) minutas de escrituras de compra e venda do Sítio de Atibaia tendo por adquirentes Lula e Marisa Letícia, demonstrando que o casal tinha a intenção de consolidar a propriedade em seu nome” (cf. MPF, Alegações Finais, pp. 193-194).
A acusação é de que as obras do sítio foram pagas com dinheiro de propina passada pela Odebrecht e OAS.
A força-tarefa da Lava Jato aponta que o sítio passou por três reformas: uma sob comando de José Carlos Bumlai, no valor de R$ 150 mil; outra da Odebrecht, de R$ 700 mil; e uma terceira obra na cozinha, pela OAS, de R$ 170 mil, que chegam a um total de R$ 1,02 milhão. Notas fiscais pelos serviços fazem parte do conjunto de provas.
“Os variados elementos de prova comprovam que Lula atuava como proprietário de fato e possuidor do sítio de Atibaia e, nessa condição, Fernando Bittar autorizou e se envolveu na realização de obras ocultas e escondidas para Lula realizadas no sítio por Bumlai, Odebrecht e OAS”, relata o MPF.
Bittar – e seu sócio, Jonas Suassuna, são, oficialmente, os donos do sítio. Mas era Lula quem o usava.
As obras das empreiteiras Odebrecht e OAS no sítio fazem parte de um pagamento de propina de pelo menos R$ 155 milhões. Em contrapartida, as empreiteiras foram beneficiadas em pelo menos sete contratos com a Petrobrás.
Todos esses contratos apresentaram sobrepreços e superfaturamentos de até 20% – incluído nestes a propina de 3%.
Lula manteve nos cargos os executivos da estatal Renato Duque, Paulo Roberto Costa, Jorge Zelada, Nestor Cerveró e Pedro Barusco, que comandaram boa parte dos esquemas fraudulentos descobertos pela Lava Jato, em prol do PT, PP e PMDB (hoje MDB).
Lula perpetrou, apontam os procuradores, dez delitos de corrupção passiva e outros 44 atos de lavagem de dinheiro.
Lula já cumpre pena de 12 anos e um mês em regime fechado, determinada pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF-4) também por corrupção passiva e lavagem relacionadas ao recebimento de um triplex reformado pela OAS, no Guarujá.
O prazo das defesas para apresentação das alegações finais termina em 7 de janeiro. Com isso, a sentença sobre o caso deve sair no ano que vem.
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