O Brasil perderá cerca de US$ 680 bilhões, ou R$ 2,6 trilhões, com a venda do excedente da cessão onerosa, descoberto pela Petrobrás, que serão auferidos pelas multinacionais, avaliou o vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), Fernando Siqueira, em entrevista ao HP.
Para o engenheiro, a venda de até 70% da Petrobrás na cessão onerosa “é um absurdo”. “A Petrobrás comprou uma reserva teórica de 5 bilhões de barris. Achou 22 bilhões; o governo leiloa 17 bilhões, a Petrobrás transfere 3,5 bilhões e fica com apenas 1,5 bilhão; é um total desserviço a ser cometido contra o país e seu povo”.
A Geração Operacional de Caixa (GOC) do Plano de Negócios e Gestão (PNG) da Petrobrás foi reduzida de US$ 158 bilhões estabelecidos no período 2017/2021 para US$ 114 bilhões no período 2019/2023. “Na realidade a GOC deveria ser crescente, pois a curva de produção da Petrobrás é fortemente ascendente: a produção de 2018 deve estar na faixa de 2,7 milhões de barris de óleo equivalente (óleo mais gás e outros hidrocarbonetos fluidos) por dia; em 2026 a produção é prevista chegar a 5,2 milhões de barris equivalentes por dia”, ressaltou Siqueira.
Ele refutou a tese dos que defendem, inclusive Bolsonaro, a venda de ativos em função de uma suposta falta de capacidade de investimento da Petrobrás e da “alta” dívida da empresa: “Em 2014, a Petrobrás foi ao exterior tomar empréstimo de US$ 3 bilhões e voltou com US$ 15 bilhões com prazos de 30 e 40 anos para pagar; em 2015 ela tomou empréstimo de US$ 2,5 bilhões do J.P.Morgan, com vencimento em 2115, ou seja, um longo prazo de 100 anos para pagar! Quem emprestaria isto a uma empresa sem condições? O petróleo é o ativo mais valorizado para garantia”.
VALDO ALBUQUERQUE
A seguir, a íntegra da entrevista.
HORA DO POVO – Qual a consequência para o país da venda do excedente da cessão onerosa inicialmente previsto para ser produzido pela Petrobrás?
FERNANDO SIQUEIRA – O excedente da Cessão onerosa, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), é da ordem de 17 bilhões de barris. O Break Even Point, ou seja, o ponto de equilíbrio em que não há lucro nem prejuízo, segundo Pedro Parente, seria US$ 25 por barril. Significa que se o petróleo do pré-sal for vendido a este valor, não daria lucro nem prejuízo. Ou seja, as despesas totais seriam US$ 25 por barril para a produção de cada barril. Como o petróleo internacional está na faixa de US$ 65 por barril, o lucro do pré-sal é da ordem de US$ 40 por barril, um lucro extraordinário, pois se multiplicarmos 17 bilhões de barris por US$ 40 por barril, chegaremos a US$ 680 bilhões ou considerando a relação Dólar/Real em torno de 3,8, chegaremos a R$ 2,6 trilhões.
Considerando que os leilões comandados pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e ANP são extremamente desfavoráveis à Nação, pois – além de estabelecerem a parcela destinada à União, o óleo/lucro, muito baixa, da ordem de 10,5 a 21% (no mundo, os países exportadores ficam com 82%, em média, do óleo produzido) – eles criaram uma tabela nº 17 no edital, que à medida que a produção cai (e isto é normal num campo de petróleo), o percentual da União cai drasticamente, podendo chegar ao valor de 1% de participação da União. E todo esse lucro pode ser auferido por empresas do cartel internacional do petróleo, cujas ações são totalmente pertencentes a estrangeiros.
Considerando ainda que a Lei 12276/2010, da cessão onerosa, isenta o produtor de participação Especial, esta região produtora estará beneficiando amplamente as empresas estrangeiras que ali produzirem em detrimento do povo brasileiro.
Se a Petrobrás for a produtora, como manda a Lei 12276/10, pode ser negociado com ela uma participação da União da ordem de 60 a 80% do óleo lucro. Além disto, o governo tem uma participação de cerca de 50% no capital total da Companhia, cujo lucro é revertido para investimentos em educação e saúde. As empresas estrangeiras, além de terem todas as suas ações em mãos de estrangeiros, ainda compram todos os equipamentos para a produção, bens e serviços como projetos, inspeção e manutenção nos seus países de origem, gerando emprego lá e não aqui.
Além disto, como operadoras, podem desenvolver os dois maiores focos de corrupção na produção mundial de petróleo:
i) o superdimensionamento dos custos de produção, ou seja, ela compra um sistema de produção por US$ 2 bilhões e declara que gastou US$ 3 bilhões. Ela vai ser ressarcida, em petróleo por 1 bilhão a mais;
ii) ela produz 500 mil barris por dia, mas declara que produziu 300 mil. Vai ganhar 200 mil barris/dia totalmente livres de impostos e royalties. Portanto, a consequência é um prejuízo brutal para o País e para o povo brasileiro, que perde uma riqueza imensa.
HP – Como o senhor avalia o (PLC 78/18), em tramitação no Senado e já aprovado na Câmara, que permite a venda de 70% da área de cessão onerosa (3,5 bilhões de barris de petróleo) da Petrobrás no pré-sal?
FS – Este projeto, além de ser de um entreguismo brutal, é uma excrescência, uma jabuticaba, que só ocorre no Brasil. Além dos 3,5 bilhões de barris da Petrobrás ele libera para leilões outros 17 bilhões de excedentes, que pela Lei 12276/10, são encargos de exploração da Petrobrás que não pode transferir esses direitos.
Vejamos o absurdo: um dos sete blocos que foram comprados pela Petrobrás para produzir supostos 5 bilhões de barris (daí o nome cessão onerosa: a União cedeu os blocos e ela pagou R$ 74 bilhões por eles) é o bloco que contém o campo de Búzios. Nele foi prevista uma reserva de 3 bilhões de barris. Depois de perfurados alguns poços se constatam que a reserva pode chegar 13 bilhões de barris o que gera o excedente de 10 bilhões de barris.
Então se chega ao seguinte descalabro: a ANP faz leilão desse excedente e ganha uma multinacional. Vamos ter duas empresas operadoras produzindo no mesmo bloco sem serem um consórcio. É coisa de louco. Além de nenhum país vender petróleo já descoberto, não há o caso de duas empresas produzindo e sendo operadoras, sem serem parceiras, num mesmo bloco. Como gerenciar isto?
E, mais estranho: o presidente da Petrobrás, Ivan Monteiro, foi ao Congresso defender esse projeto de Lei, um monstrengo, que é totalmente contrário aos interesses da Petrobrás e do Brasil. É claro que ele tinha a intenção de vender os 3,5 bilhões de reserva da Petrobrás. O decreto 9188/2017, emitido em pleno feriadão de 01/11/2017, permite presidentes de estatais venderem ativos sem licitação.
Resumindo: a Petrobrás comprou uma reserva teórica de 5 bilhões de barris. Achou 22 bilhões; o governo leiloa 17 bilhões, a Petrobrás transfere 3,5 bilhões e fica com apenas 1,5 bilhão; é um total desserviço a ser cometido contra o País e seu povo.
HP – O Plano de Negócios e Gestão (PNG) da Petrobrás para o período 2019/2023 prevê Geração Operacional de Caixa de US$ 114 bilhões, inferior aos US$ 158 bilhões estabelecidos no PNG 2017/2021. Qual é o fundamento?
FS – O PNG 2017/2021 previu uma Geração Operacional de Caixa (GOC) de R$ 158 bilhões; O PGN 2018/2022, prevê uma GOC de R$ 142 bilhões uma queda absurda de 16 bilhões; o PNG 2019/2023, prevê uma GOC de 114 bilhões. Outra queda absurda. Na realidade a GOC deveria ser crescente, pois a curva de produção da Petrobrás é fortemente ascendente: a produção de 2018 deve estar na faixa de 2,7 milhões de barris de óleo equivalente (óleo mais gás e outros hidrocarbonetos fluidos) por dia; em 2026 a produção é prevista chegar a 5,2 milhões de barris equivalentes por dia.
O que está a ocorrer são dois fenômenos indesejáveis:
O primeiro é a venda, a preço de banana, dos ativos que são grandes geradores da caixa, como: parte dos campos de Iara e Lapa – em produção -, a Gaspetro, parte da Distribuidora, a NTS, que opera as malhas de gasodutos do Sudeste. Quando Carcará entrar em produção vai ser ainda mais gritante o prejuízo.
O segundo é uma distribuição criminosa de dividendos: há uma suspeita de que haverá uma distribuição de US$ 40 bilhões aos acionistas, em detrimento de investimentos em campos do pré-sal. No último leilão a Petrobrás deixou de apresentar propostas para campos com potencial de reserva superiores a 15 bilhões de barris. Nem sequer exerceu o direito de ficar com 30% dos campos. Questionamos essa omissão e a resposta da direção foi que ela seguiu as diretrizes do planejamento da companhia. Como o planejamento é conduzido pelo diretor Nelson Silva, que é um homem da Shell, não se justifica, mas explica. Ele foi colocado nesse cargo com esse objetivo. É a raposa cuidando do galinheiro.
HP – Qual o prejuízo já causado pela política de “desinvestimento” iniciada com Graça Foster, continuada com Bendine e exacerbada por Parente?
FS – Conforme mencionado no voto da Aepet [Associação dos Engenheiros da Petrobrás] na Assembleia de acionistas de 26/04/2018, o prejuízo já supera os R$ 200 bilhões (NTS, campo de Carcará, Gaspetro, Iara, Lapa e outros ativos), todos geradores operacionais de caixa. Sem contar com as perdas de emprego, geração de tecnologia e incentivo às empresas nacionais via conteúdo local.
HP – Essa política de “desinvestimento” vigente na Petrobrás inclui a privatização de refinarias. O que o senhor acha dessa questão?
FS – O discurso neoliberal é que a Petrobrás tem o monopólio de fato do parque de refino. Ora, o monopólio do refino caiu em 1997. Por que empresas potenciais compradoras não investiram em novas refinarias? Até porque o parque de refino nacional precisa crescer bastante para que mantenhamos, não só o fornecimento, como a exportação de derivados ao invés de óleo cru; de fato, o que ocorre é que os espertos querem comprar refinarias da Petrobrás, prontas e a preço de banana. Não querem investir em novas refinarias. Segundo o assessor legislativo Paulo Cesar Ribeiro Lima, o nosso parque de refino é dos mais eficientes do mundo. Nossos entreguistas são bem afinados.
HP – Qual o fundamento da política de preço da Petrobrás, alinhada aos preços internacionais?
FS – Tem a ver com as ações de Parente para retomar o processo de desnacionalização que ele e Reichstul conduziram em 2001 e que culminou com a [quase] mudança de nome da companhia para Petrobrax. A venda de ativos predatória e a política de preços fazem parte desta retomada.
A meu ver a política de preços, na realidade com os preços acima do mercado internacional, teve três objetivos:
a) jogar a opinião da população contra a Companhia para justificar o processo de sua desnacionalização que culminaria com a entrega do pré-sal;
b) favorecer os refinadores americanos, que passaram a exportar diesel e outros para o Brasil (a importação passou de 40% para 81% das importações dos EUA), e as trading´s de importação de derivados.
c) preparar a população para receber com aplauso os novos donos da Petrobrás como “heróis”.
HP – Bolsonaro já anunciou que pretende seguir com a política de venda de ativos da Petrobrás argumentando justamente essa “incapacidade de investimento”. Procede?
FS – Infelizmente o presidente cometeu essas declarações e a Aepet fez um documento com dados procurando esclarecê-lo. O que ocorre é que, como dizia o ex-ministro Hélio Beltrão, os dois maiores inimigos da Petrobrás são a desinformação e o preconceito. O presidente, como a maioria do povo brasileiro, está muito desinformado sobre a Petrobrás. A grande mídia cuida de desinformar a população a respeito. Na verdade, além da dívida dela em relação ao patrimônio ser irrisória, ela é das melhores geradoras de caixa entre as maiores companhias de petróleo. Ela tem hoje no pré-sal reservas descobertas de cerca de 50 bilhões de barris.
Se como foi dito acima, o lucro por barril no pré-sal é da ordem de US$ 40, isto representa patrimônio de US$ 2 trilhões, ou em Reais, 7,6 trilhões. Sua dívida líquida de US$ 60 bilhões não é nada. O mercado financeiro, muito mais bem informado do que a grande maioria dos brasileiros, comprova isto: em 2014 a Petrobrás foi ao exterior tomar empréstimo de US$ 3 bilhões e voltou com US$ 15 bilhões com prazos de 30 e 40 anos para pagar; em 2015 ela tomou empréstimo de US$ 2,5 bilhões do J.P.Morgan, com vencimento em 2115, ou seja, um longo prazo de 100 anos para pagar! Quem emprestaria isto a uma empresa sem condições? O petróleo é o ativo mais valorizado para garantia.
HP – Qual o saldo das cinco rodadas de licitação no pré-sal?
FS – O saldo é péssimo. Até 2016, a Petrobrás tinha uma participação de 60% do pré-sal. Com os leilões de Temer e as administrações “Temerárias” da Petrobrás, a participação caiu para 41%. Se a Lei do Aleluia, que libera a cessão onerosa para leilões, for aprovada no Senado, a participação da Companhia poderá cai para 28%. A Nação sofrerá outro crime de lesa Pátria.
HP – No 5º leilão, foram entregues 15,71 bilhões de barris de petróleo do pré-sal para o controle das multinacionais, de um total estimado em 17 bilhões de barris. A Petrobrás ficou apenas com apenas 1,29 bilhão de barris de óleo. Exxon, Shell, Chevron, Total e outras múltis são alternativas à Petrobrás?
FS – Como dito acima, questionamos o porquê da apatia da Petrobrás em não fazer propostas, nem exercer a opção de ficar com 30% dos campos. A resposta foi que a Companhia seguiu o seu planejamento estratégico. Como esse planejamento é conduzido pelo diretor Nelson Silva, homem da Shell, está configurado que ele foi colocado na Petrobrás com esses objetivos. Aliás, o jornalista Glenn Greenwald, em uma apresentação no Youtube, ainda disponível, disse que Temer, logo que assumiu, foi aos EUA negociar com a cúpula do governo americano a entrega do patrimônio nacional. Na volta, ele nomeou Parente para a Petrobrás e fez vários decretos contra a Companhia e o País: permitiu a venda de ativos sem licitação, a MP 795 que dá uma isenção de R$ 1 trilhão de impostos em 20 anos, a cessão pela Petrobrás de campos já descobertos e em produção e nomeou conselheiros oriundos das concorrentes.
HP – A Agência Nacional de Petróleo (ANP) aprovou resolução permitindo que as petroleiras reduzam os seus compromissos de compras no país em contratos antigos (de concessão entre 2005 e 2015 e de partilha em 2013 e 2017), passando a ser 18% na fase de exploração, 25% para a construção de poços e 40% para equipamentos submarinos e plataformas. Qual sua avaliação sobre isso?
FS – A ANP é uma das maiores inimigas do País. Desde a sua fundação, em que seu primeiro diretor-geral, o então famigerado genro de FHC, David Zylbersztajn, na sua posse, declarou na presença de multinacionais na plateia ou de seus representantes: “o petróleo agora é vosso”, e logo no primeiro leilão estabeleceu blocos com áreas 210 vezes maiores que as dos leilões do Golfo do México; a ANP só faz cometer erros propositais.
A Petrobrás chegou a comprar 95% no mercado nacional, gerando a criação de 1.600 empresas fornecedoras de equipamentos e 3.400 subfornecedoras. O decreto 3161/98 de FHC (Repetro) – que isenta empresas estrangeiras de imposto de importação, mas não isenta as nacionais – matou essas 5.000 empresas. Agora, o mercado nacional, a duras penas, estava se reestruturando. Essa atitude da ANP dá uma ducha gelada nessa tentativa.
HP – O que esperar do Chicago’s boy Roberto Castello Branco na presidência da Petrobrás?
FS – Não dá para esperar muita coisa, pois ele é indicado pelo Paulo Guedes e ambos são neoliberais e privatistas. É o fundamento da escola de Chicago. A nossa esperança é que o Ministro das Minas e Energia, a quem o Castello estará subordinado, e que é um homem que trabalhava pela tecnologia nacional na área Nuclear, tendo noção da importância da tecnologia para o desenvolvimento nacional, emprego e desenvolvimento, possa neutralizar essa posição antinacional.