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Na noite de quarta-feira (19/12), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, suspendeu a liminar de Marco Aurélio Mello, que soltava os presos com condenação em segunda instância (v. Marco Aurélio atropela Supremo para soltar Lula).
Era evidente a quem era dirigida essa decisão de Marco Aurélio, concedida às 14 h do último dia de atividade do Judiciário.
A liminar beneficiava Lula – e, para conseguir que este condenado fosse solto, contra duas sentenças da Justiça e uma catadupa de provas dos seus crimes, segundo o Conselho Nacional de Justiça, e a Procuradoria Geral da República (em seu recurso contra a liminar de Marco Aurélio, atendido pelo presidente do STF), “terá o efeito de permitir a soltura, talvez irreversível, de milhares de presos com condenação proferida por Tribunal. Segundo dados do CNJ, tal medida liminar poderá ensejar a soltura de 169 mil presos no país“.
É algo sintomático que, para soltar um condenado – ainda que outros se beneficiassem, era Lula o supremo beneficiado -, o ministro Marco Aurélio Mello não se preocupasse nem mesmo com quantos criminosos seriam soltos por uma liminar genérica em aparência e tão pessoal na essência – somente faltava o retrato 3 x 4 de Lula na decisão de Marco Aurélio.
Como apontou a procuradora geral da República, Raquel Dodge, “as decisões do STF no julgamento de recursos (…), sempre que oriundas do seu órgão Plenário, têm assumido um caráter objetivo, já que desprendido do caso concreto e de suas vicissitudes“.
Exatamente o oposto da liminar de Marco Aurélio, totalmente presa a um caso concreto.
Além do mais, a liminar foi no último dia de atividade do Judiciário, pois, no dia 20 começa o recesso, as férias do Judiciário. E com a discussão sobre a questão da execução da pena após a condenação pela segunda instância já pautada, pelo presidente do STF, para o dia 10 de abril de 2019.
Quem poderia achar algo de normal em tal decisão?
Sobretudo quando afrontava o próprio Supremo, que já decidiu a esse respeito.
A ideia de que um ministro possa, através de uma decisão monocrática (ou seja, meramente individual), se sobrepor ao conjunto dos membros do STF, não é somente irracional. Ela é, sobretudo, antidemocrática, uma espécie de resíduo monárquico ou absolutista, e ao mesmo tempo anarquista, que nada tem a ver com o espírito republicano ou com o chamado Estado Democrático de Direito, exceto se este for apenas uma coleção de palavras sem significado.
Toffoli lembrou, em seu despacho, que a liminar de Mello contrariava “decisão soberana já tomada pela maioria do Tribunal Pleno” (grifo no original).
“A decisão já tomada pela maioria dos membros da Corte deve ser prestigiada pela Presidência”, afirmou o presidente do STF, apontando que a jurisprudência que permite a prisão de condenados após seu julgamento pela segunda instância, incontestável desde 1988 até 2009, foi retomada pelo Supremo em 17 de fevereiro de 2016.
JUSTIÇA E IMPUNIDADE
O motivo desta retomada é que a segunda instância – Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça dos Estados – é a última que examina o mérito do processo. Ou seja, é a última que examina se determinado réu é inocente ou culpado, é a última a examinar as provas e os fatos do crime.
As outras instâncias – Superior Tribunal de Justiça (STJ), quanto às leis comuns, e Supremo Tribunal Federal (STF), quanto à Constituição – examinam apenas questões processuais, ou seja, se as regras legais foram respeitadas nos julgamentos da primeira instância (Varas federais e estaduais) e segunda instância.
Por isso, os recursos ao STJ (“recurso especial”) e ao STF (“recurso extraordinário”) não podem suspender a execução da pena de um condenado pela segunda instância da Justiça.
Nem o STJ nem o STF são tribunais criminais – eles não examinam provas nem acusações. Apenas questões de procedimento.
Daí, sempre foi entendimento, no Direito brasileiro, inclusive por 23 anos após a Constituição de 1988, que a execução da pena, inclusive a prisão, se dá após a condenação em segunda instância.
A jurisprudência contrária – a de que a prisão somente pode se dar após o último recurso à terceira (STJ) e quarta (STF) instâncias – apareceu apenas em fevereiro de 2009, e somente teve vigência durante sete anos, nos 30 anos que decorreram após a Constituição de 1988.
O efeito dessa jurisprudência foi provocar uma epidemia de impunidade e injustiça.
Pois, como os recursos, em nosso sistema, são praticamente infinitos (o caso de Lula, aliás, em relação a isso, é exemplar), basta um réu possuir dinheiro para pagar advogados caros, que a execução de sua pena será postergada quase que para sempre.
Exemplos não faltam, inclusive em casos escabrosos (para um resumo dessas questões, v. Por que a prisão após a segunda condenação é legal, justa e necessária).
O fato é que, prevalecendo esse entendimento – o de que um criminoso somente pode ser preso após o último dos últimos recursos – somente os réus pobres irão para a cadeia.
No caso dos condenados por corrupção, como Lula, há uma injustiça extra, pois o condenado poderá usar o dinheiro que roubou da coletividade para evitar a punição por seus crimes.
PLENO
O entendimento de que a execução da pena se dá após a condenação pela segunda instância da Justiça, retomado pelo STF em fevereiro de 2016, foi confirmado pelo Supremo, como lembrou Toffoli, em 5 de outubro do mesmo ano, “quando indeferiu as medidas cautelares formuladas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e nº 44“, e, também, em dezembro de 2016, no julgamento de um recurso (ARE nº 964.246/SP).
Toffoli ainda lembrou, ao suspender a liminar de Marco Aurélio, que houve votação dos ministros do STF no “Plenário Virtual” (Tema nº 925), que confirmou outra vez esse entendimento.
A liminar concedida por Marco Aurélio, disse o presidente do Supremo, “foi de encontro ao entendimento da decisão tomada pela maioria do Tribunal Pleno”.
Diante disso, afirmou Toffoli, não lhe restava alternativa senão suspender a liminar de Marco Aurélio porque “velar pela intangibilidade dos julgados do Tribunal Pleno, ainda que pendentes de decisão definitiva, é um dos desdobramentos naturais da competência regimental da Presidência [do STF] de cumprir e fazer cumprir o regimento”.
A liminar foi suspensa “até que o colegiado maior aprecie a matéria de forma definitiva, já pautada para o dia 10 de abril do próximo ano judiciário, consoante calendário de julgamento publicado no DJe de 19/12/2018”.
A íntegra da decisão do presidente do STF pode ser lida em DECISÃO TOFFOLI
C.L.
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