Em cinco de novembro de 2015, a barragem de Fundão, na cidade mineira de Mariana, da mineradora Samarco, que por sua vez é controlada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton, se rompeu liberando rejeitos de mineração por todo o Rio Doce, que corta os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
No episódio, 19 pessoas morreram e diversas comunidades foram destruídas, como o distrito de Bento Rodrigues. O crime das mineradoras é considerado a maior tragédia ambiental do país. Há três anos o caso segue sem solução na lentidão da justiça brasileira.
À época, a então presidente Dilma Rousseff (PT) articulou um acordo com as mineradoras em que elas criariam a Fundação Renova que seria a responsável pela reparação da destruição causada por elas mesmo, e prometeu: “Vamos fazer um Rio Doce melhor do que estava antes”. Até hoje, ninguém responde criminalmente pelo crime.
O Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) move ações com objetivo de garantir o direito dos atingidos e para que as empresas responsáveis arquem com as consequências do que se tornou o maior desastre ambiental já registrado no país, mas o problema está longe de ser resolvido.
O MP elaborou um relatório sobre sua atuação no caso nesses três anos. Onde estão relatadas as ações que foram organizadas e que já foram julgadas e/ou acordadas judicialmente entre o Ministério Público e as mineradoras e governos.
O documento é assinado pelo promotor de Justiça Guilherme de Sá Meneghin, da Comarca de Mariana, que responde pelas ações do MP contra as mineradoras no município. Ele foi o autor da ação cautelar que, cinco dias após o desastre, pediu o bloqueio de R$ 300 milhões da mineradora Samarco, e é quem acompanha a ação de indenização e reassentamento das famílias atingidas da cidade.
Importante ressaltar que as mineradoras e a fundação não tomaram qualquer medida de proteção aos atingidos por iniciativa própria, mas sim, quando foram questionadas pelo Ministério Público e pela Justiça.
A seguir, publicamos um resumo das ações do MP em favor dos atingidos e contra as mineradoras. O material foi publicado pelo MP para marcar os três anos da tragédia e demonstrar como as mineradoras agem para desrespeitar os direitos das vítimas deste crime.
MAÍRA CAMPOS
Logo após o desastre promovido pela Samarco, em 11 de novembro de 2015 foi deferida a Ação Cautelar para bloquear bens da Samarco, no valor de R$ 300 milhões, com a finalidade de assegurar recursos para indenizações e reconstrução das comunidades atingidas. Em 2016, essa ação foi embutida Ação Civil Pública (ACP) n. 0400.15.004335-6, que se tornou a ação principal do processo.
Nesta ACP, ao longo desses três anos, foram incorporados aditivos e abaixo listaremos os principais acordos estabelecidos por ela.
A ACP 35-6, além de assegurar o bloqueio dos R$ 300 milhões, exigiu da Samarco “o cadastramento das vítimas, transferência das famílias para casas alugadas, identificação das necessidades das vítimas, fornecimento de renda mensal às famílias e formulação de plano de reparação integral”, de acordo com o relatório.
Casas foram alugadas pelas empresas para as famílias que ficaram desabrigadas, até três meses após a conclusão dos reassentamentos e houve o ressarcimento de aluguel para as famílias que preferiram não ficar nas casas alugadas pela Samarco.
Outra medida prevista na ACP principal é “o auxílio financeiro mensal para as pessoas que perderam renda, consistente no valor de um salário mínimo, mais 20% do salário mínimo por dependente e a importância equivalente a uma cesta básica do DIEESE”, segundo o relatório, atualmente 378 núcleos familiares recebem o auxílio financeiro emergencial.
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“Em audiência realizada no dia 12/07/2018, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e as empresas rés acordaram que o pagamento do auxílio financeiro emergencial deverá ser efetuado até que sejam restabelecidas as condições para o exercício das atividades econômicas originais ou nova atividade em substituição à anterior, garantindo o pagamento pelo prazo mínimo de um ano após a conclusão dos reassentamentos ou, para os que optarem apenas por receber a indenização, pelo prazo de um ano após o recebimento da indenização final”, garante a Ação Civil Pública.
Pelo acordo homologado, foram pagas parcelas de antecipação de indenização nos valores de R$ 100 mil reais (destinadas às famílias que perderam parentes), R$ 20 mil (às famílias com moradia habitual) e R$ 10 mil (às famílias com moradia não habitual), pagos em 2016. Até hoje a justiça não determinou o valor de indenização que as famílias devem receber. Este valor foi apenas uma antecipação acordada pelo MP para que as famílias não ficassem completamente desamparadas. Com a demora uma nova parcela de R$ 20 mil e R$ 10 mil foi liberada em 2017.
Foram ressarcidos os custos da energia elétrica, devido aos aumentos suportados pelas famílias após o deslocamento para Mariana, em 2016.
A ACP principal também acordou a “desistência da permuta de imóveis por parte das empresas, que pretendiam, após o reassentamento, se apossar das propriedades das vítimas. Logo, a decisão sobre o destino das ruínas que restaram será das vítimas”, aponta o relatório.
O MP garantiu ainda que todas as vítimas tenham acesso ao cadastro dos atingidos, que é gerido pela Fundação Renova. O acesso ao cadastro é necessário para garantir o cálculo das indenizações, de maneira que nenhuma vítima seja excluída e nenhum direito violado fique sem a devida reparação.
A ação principal passou a incluir a Ação Civil Pública n. 0400.18.003956-4 (ACP Saúde), no dia 03 de agosto de 2018, onde as empresas Samarco, Vale, BHP Billiton e Fundação Renova, devem contribuir para regularizar a prestação de serviços nas áreas de assistência social e saúde do município de Mariana, “cujos setores de atendimento à população ficaram sobrecarregados após o deslocamento físico forçado de atingidos para a sede da cidade. Entre os pedidos formulados na referida ação, estão o repasse de recursos ao Município para financiar a suplementação da prestação de serviços de saúde e assistência social diretamente pela municipalidade para as vítimas do desastre”, aponta o relatório.
A ACP principal prevê também a garantia de indenização mediante reparação integral para os atingidos, com quatro pontos principais:
- Garantia de reparação integral, incluindo indenização por danos materiais, lucros cessantes e danos morais;
- Garantia de liberação de recursos para contratação de assessoria jurídica para acompanhamento dos atingidos durante a fase de negociações;
- Inversão do ônus da prova e garantia de ampla produção probatória nas fases de liquidação/cumprimento de sentença em benefício dos atingidos – ou seja aqueles que buscarem indenização de forma coletiva, pela ACP não precisão provar materialmente-;
- Interrupção da prescrição, garantindo-se que os atingidos possam dar início à fase de liquidação/cumprimento de sentença, caso a proposta de indenização oferecida pela Fundação Renova seja insatisfatória.
Além da ACP 35-6, pela forma nefasta com a qual a Samarco e suas controladoras atuam na reparação de seus crimes, diversas outras medidas precisaram ser tomadas para que os direitos dos atingidos fossem assegurados.
Abaixo listamos algumas dessas outras ações para explicitar a dificuldade que os atingidos enfrentam com as mineradoras:
Ação Civil Pública n. 0400.16.001481-9
Essa ação serviu para assegurar o acesso dos atingidos ao território de Bento Rodrigues, bem como implementação de segurança para evitar saques e conter o acesso às áreas de risco. “No dia 04/08/2016, as empresas Samarco/Vale/BHP, juntamente com o Município de Mariana, aceitaram um acordo parcial, comprometendo-se a manter a segurança no local e a entrada dos atingidos. Mas em março deste ano as empresas rés juntaram ao processo laudos técnicos afirmando que permanece ainda “o risco de permanência de pessoas em Bento Rodrigues, em razão do perigo de desmoronamento das estruturas remanescentes e ruínas, além da presença de animas peçonhentos”.
Ação Civil Pública n. 0400.16.001951-1
Essa ação buscou ressarcir 20 professores e servidores públicos da Escola Municipal de Bento Rodrigues, pois após o rompimento da barragem ficaram sem transporte escolar e o município de Mariana e a Samarco recusaram os pedidos dos professores e demais servidores para reestabelecer o transporte. “No dia 27/07/2016, foi realizado acordo entre o MPMG e a Samarco. Na ocasião, a Samarco se comprometeu a fornecer o transporte e/ou vale-transporte aos servidores afetado. Acordo homologado pela juíza e processo extinto/baixado definitivamente no dia 28/04/2017”.
Ação Civil Pública n. 0400.16.002584-9
Ação Civil Pública para garantir a uma atingida que não teve o nome revelado no relatório, e seus filhos menores, em situação de risco, auxílio financeiro e moradia adequada. “O pedido liminar do MPMG foi deferido pelo juiz no dia 12/07/2016, determinando à Samarco que providenciasse os direitos à atingida, sendo que a Samarco cumpriu a decisão, fornecendo auxílio mensal à atingida e casa alugada. No dia 10/11/2016, o MPMG fez acordo com a Samarco, que se comprometeu a manter o auxílio financeiro e a casa alugada para a atingida e seus filhos. Acordo homologado e processo extinto/baixado definitivamente no dia 08/03/2017”.
Cumprimento de Sentença Homologatória n. 0400.16.003131-8
Ação de Cumprimento de Sentença Homologatória para garantir direitos de atingidos que não foram reconhecidos pela Samarco até agosto de 2016, o que configurou o descumprimento aos acordos celebrados na ACP principal.
De acordo com o relatório “nas audiências dos dias 14/09/2016, 10/10/2016 e 19/10/2016, foram reconhecidos direitos de 81 atingidos (auxílios financeiros, antecipações indenização, etc.). 04 atingidos tiveram seus pedidos negados em primeira instancia”. Assim, o MPMG interviu e o desembargador que examinou o recurso reconheceu esses 04 casos liminarmente, conforme decisão proferida em março de 2017. Então 85 atingidos desamparados pelas empresas foram beneficiados nesta ação. O MPMG ainda ressaltou que “de qualquer maneira, essas famílias ficaram quase um ano sem receber seus direitos por parte das empresas, mesmo após todo prejuízo causado pelo desastre da barragem”.
Cumprimento de sentença homologatória n. 0034435-34.2017
Com base no inquérito civil 0400.16.000181-3, o MPMG pediu um novo cumprimento de sentença, para contemplar 30 famílias atingidas em Mariana que não tiveram seus direitos reconhecidos pelas Samarco/Vale/BHP. “A juíza da 2a Vara da Comarca de Mariana manteve decisão obrigando a Fundação Renova a fornecer auxílio financeiro emergencial”.
Cumprimento de sentença homologatória n. 0041497-28.2017 (0400.17.004149-7)
Em novembro de 2015, um ano após o desabamento da barragem, as empresas fizeram o acordo para realizar o reassentamento das comunidades destruídas, garantindo a participação das vítimas. “Porém, quase 02 anos após os eventos, as obras não foram iniciadas, em virtude da negligencia das empresas e da Fundação Renova. Por isso, o Ministério Público ajuizou cumprimento de sentença para impor prazos e sanções às empresas caso não cumpram com a obrigação de fazer os reassentamentos”.
O Ministério Público pleiteou cumprimento de sentença homologatória, para que sejam executadas as obrigações e as correspondentes sanções às empresas. Ficou então decidido que a Samarco precisa realizar os reassentamentos e reconstruções dos atingidos da comunidade de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e demais Comunidades (Borba, Camargos, Campinas, Paracatu de Cima, Ponte do Gama, Pedras), com a “ampla e efetiva participação dos atingidos em todas as etapas de reassentamento” e “entrega das casas às vítimas até o dia 31/03/2019”. Caso a Samarco não cumpra ficou decidida a “imposição de medidas coercitivas, em caso de descumprimento das obrigações no prazo assinalado”, “a multa coercitiva, no valor R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), por dia de atraso na conclusão dos reassentamentos e reconstruções”, dentre outras medidas.
Leia abaixo a íntegra do relatório do MP:
AÇÕES DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DOS ATINGIDOS EM MARIANA
A quem interessou, interessa e vai continuar interessando, ignorar a absurda diferença de comportamento (inclusive o legal / penal) no trato do Desastre de Mariana e o de Brumadinho? É muito triste acreditar que os órgãos públicos responsáveis pela análise das duas significativas agressões ambientais tenham adotado práticas tão diversas. E o pior é que, pouco a pouco, se induz o processo de esquecimento do caso Mariana e vai se reduzindo os efeitos das ações em Brumadinho.