A primeira equipe da ONU para o monitoramento do cessar-fogo entre as partes em guerra no Iêmen chegou no domingo à cidade portuária de Hodeidah.
O general da reserva holandês, Patrick Cammaert, que vai chefiar as tropas da ONU para o monitoramento, desceu no aeroporto internacional de Sana’a, capital do Iêmen.
O acordo a que chegaram na Suécia, no dia 13, as delegações dos dois governos iemenitas, o governo popular revolucionário e o apoiado pela Arábia Saudita, estipula uma ampla troca de presos (que os dois lados calcularam em 15 mil) e um cessar-fogo na cidade portuária. A suspensão das hostilidades estava prevista para o dia 14, mas ainda houve diversas escaramuças e ataques com caças sauditas e foi adiada para o dia 18. A partir daí o cessar-fogo foi implementado apesar de repórteres locais testemunharem poucas trocas de tiro em regiões periféricas da cidade.
As conversações ocorridas na Suécia tiveram a ONU como mediadora e trazem esperanças para uma saída pacífica para um conflito que devastou o país e dura quase quatro anos. As contagens de mortos apontam para 60 mil, com mais de 5 mil civis mortos pelos bombardeios sauditas apoiados pelos Estados Unidos (os ataques desferidos atingiram desde festas de casamentos e funerais, até ônibus escolares, mesquitas e áreas residenciais). O bloqueio por mar e ar do país foi causador de milhares de mortes de crianças por inanição e outras por uma epidemia de cólera sem precedentes motivada pela falta de estrutura para coleta de lixo e de esgoto e com acesso extremamente deficiente de água tratada.
Foi usando armas criminosas como a fome, a doença e morticínio de civis, que a Arábia Saudita e os Estados Unidos tentaram dobrar os revolucionários que, aliados à principal parcela das forças armadas, em 2014, através de uma sublevação vitoriosa, tomaram a capital e as principais cidades iemenitas contra a total submissão do país aos sauditas e a redução do país a base norte-americana nos portos que dominam estreitos estratégicos, como o de Bab El Mandeb, à entrada do Mar Morto, rumo ao Canal de Suez.
O governo de submissão fugiu para Riad e seus apoiadores conseguiram manter sob seu controle a cidade portuária de Aden, onde se instalou novamente.
Os líderes do governo revolucionário estabelecem como premissa para um acordo de paz a reconquista da soberania do Iêmen com a total suspensão da interferência externa seja ela, de saudita, de aliados, a exemplo dos Emirados Árabes, ou dos Estados Unidos.
Chacina saudita
Às reportagens, trazendo crianças e mães famélicas, relatando os ataques a civis, que a mídia – embora de forma muito rarefeita – não foi capaz de esconder na totalidade e que acabaram mostrando aquilo que a ONU tem denunciado como o maior drama humanitário do século XXI, somou-se o esquartejamento do jornalista saudita, Jamal Khashoggi, que trabalhava para o jornal Washington Post, sob acompanhamento direto do ditador saudita.
Um desgaste tão elevado que levou o Senado norte-americano a aprovar uma solicitação de suspensão da participação norte-americana na agressão saudita ao Iêmen.
Mesmo com a derrota de sua posição no Senado, Trump, resiste dizendo que o ditador sanguinário de Riad “pode ou não” ser o assassino e que, em todo caso, “é um importante parceiro”. Mesmo assim, alguns dos republicanos no Senado acabaram apoiando a moção que não é vinculante, mas foi o suficiente para os enviados do lado pró-americano aceitarem sentar para negociar e fechar o acordo (considerado apenas um primeiro passo rumo ao fim do conflito), suspendendo o bloqueio ao porto de Hodeidah, única via que restava para a entrada de alimentos no país.
A ONU vinha denunciando que o fechamento do porto pelas forças sauditas colocava uma grande parte da população, 16 milhões, dos 30 milhões de iemenitas “já à beira de um abismo com ameaça da morte de milhões pela fome”.
A paralisação das hostilidades em Hodeidah é o primeiro movimento para desarmar a tentativa que se mostrou frustrada de dobrar os iemenitas pela fome e pela doença.
O general Patrick vem de outras missões bem sucedidas como a que monitorou a suspensão das hostilidades entre a Etiópia e a Eritreia, países que hoje tem relações diplomáticas e iniciaram as primeiras relações comerciais e alguns projetos de infraestrutura em conjunto.
Cammaert já esteve com os líderes do governo pró-saudita e do governo popular quando de sua chegada. Na capital do país, ele foi saudado por Ali al-Mushki, que chefiou a delegação do governo de Sana’a à Suécia.
Segundo o acordo, tropas da ONU vão monitorar a saída de Hodeidah das forças dos dois lados em conflito e garantir o fluxo de mercadorias no porto e em mais dois portos menores vizinhos, os de Salif e Ras Issa. As negociações serão retomadas em janeiro de 2019.
Cammaert declarou que pediu a ambos os lados que “se comprometam e cooperem para garantir a segurança e levantem qualquer impedimento ao fluxo de ajuda humanitária que começará a ser retomada pela ONU”.
Sauditas e EUA tentam esconder crimes de guerra
Os Estados Unidos e a Arábia Saudita estavam bloqueando, desde novembro uma resolução do Conselho de Segurança apoiando a missão de paz da ONU porque a resolução, apresentada pela Inglaterra, defendia uma “investigação transparente crível e a tempo das denunciadas violações das leis penais internacionais” e um esforço “para que os responsáveis paguem” pelos crimes.
Como resposta, os norte-americanos queriam incluir na resolução uma ridícula condenação do governo popular iemenita e suas ações de defesa, querendo que o Conselho repudiasse “os ataques com mísseis balísticos e drones contra os países vizinhos” (leia-se a Arábia Saudita), acrescentando que isto é que traria “insegurança à região”. A representação russa vetou este trecho do texto.
A missão da ONU corria o risco de ficar sem um mandato oficial até que foi aprovado um texto, na sexta-feira, “insistindo a todas as partes a respeitarem integralmente o cessar-fogo acordado para Hodeidah’ e sem as demandas inglesas de investigação dos crimes de lesa-humanidade cometidos no Iêmen.
A resolução autoriza a ONU a “estabelecer e deslocar, para um período inicial de 30 dias deste a data da adoção da resolução, uma equipe avançada para começar o monitoramento do cessar-fogo”.