A grande novidade da posse dos ministros de Bolsonaro foi dita pelo presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior, após ouvir o discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes: “O setor bancário e financeiro apoia o governo”.
Então, o setor bancário e financeiro apoia Bolsonaro. Tal como apoiou a devastação de Dilma – inclusive com o Bradesco fornecendo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy – e apoiou a de Meirelles e Temer.
Se a política é a mesma – o “ajuste”, o aumento da locupletação do “setor bancário e financeiro” com o produto do trabalho dos brasileiros – por que não apoiaria?
Se Bolsonaro quisesse uma política diferente, não teria colocado Paulo Guedes, um especulador ou operador da especulação, no “ministério da Economia”, invenção de Collor agora exumada.
É assim que Bolsonaro quer tirar o país do “socialismo” do PT: fazendo a mesma coisa que o PT fez. O PT colocou Joaquim Levy. Bolsonaro coloca Paulo Guedes.
A farsa bolsonarista, porém, parece muito mais grosseira, muito mais tosca, que a anterior.
É verdade que Paulo Guedes é um sujeito mais sem medida que a média dos neoliberais – e não do ponto de vista que Levy e Meirelles também eram (e são) sem medida, mas daquele que tornou famoso o filme “Os Cafajestes”, sobretudo os seus dois personagens centrais.
Hoje, a maioria das pessoas somente se lembra, ou ouviu falar, sobre esse filme, que Norma Benguell aparece nua – é compreensível que a maior parte somente se lembre disso ou somente tenha ouvido falar nisso…
Mas o filme é a história de uma chantagem.
Guedes não tem o menor pejo em chantagear o Congresso – tal como um dos cafajestes do filme queria chantagear o próprio tio, com ajuda de um assecla.
E, convenhamos, chantagear o Congresso é muito mais grave que tirar fotografias da amante do tio, nua em pelo, para extorqui-lo.
Assim, disse Guedes na posse, se os deputados e senadores não aprovarem o seu ataque à Previdência, terá que ser cortado o dinheiro da Saúde e da Educação – cujo piso, aliás, é determinado pela Constituição. Disse ele, “[se os parlamentares não aprovarem] você desindexa, desvincula e desobriga todas as despesas e receitas da União”.
Os parlamentares, portanto, segundo Guedes, estão obrigados a votar no que ele quiser. Caso contrário, irão enfrentar a ira dos eleitores, porque as demais verbas para o atendimento ao povo serão cortadas.
A questão, na verdade, é outra: os parlamentares não querem aprovar esse ataque, exatamente porque sabem que terão de enfrentar a ira dos eleitores, se o aprovarem.
O que é um dado da realidade: a população é contra essa aberração que Guedes chama de “reforma da Previdência”.
No entanto, Guedes está dizendo que os parlamentares não podem ter opinião sobre o assunto. Que não podem votar em algo diferente do que ele quer – mesmo que isso signifique o suicídio político desses parlamentares.
E que se dane o resto, pois Guedes não foi eleito a nada, logo, não terá de prestar contas ao eleitorado.
Mas os parlamentares vão ter que prestar essas contas, pois isso faz parte da democracia.
Então, quem é esse Guedes, que não foi eleito a cargo algum – quem é essa insignificância política – para chantagear o Congresso?
Desde quando sua carreira de golpes na praça, quer dizer, no mercado financeiro – ele não tem outra carreira – lhe dá cacife (pois direito a isso, ninguém tem) para ameaçar deputados e senadores?
Não é a primeira vez, aliás, que Guedes tem esse atrevimento.
No último dia 6 de novembro, Guedes disse ao presidente do Senado: “eu só quero Reforma da Previdência. Se vocês não fizerem vou culpar esse governo, vou culpar esse Congresso e o PT volta, e vocês vão ser responsáveis pela volta do PT”. Depois, em entrevista, no mesmo dia, disse que era preciso dar uma “prensa” no Congresso para aprovar o ataque à Previdência (v. Guedes tenta dar carteirada no Congresso e Bolsonaro cancela reuniões com o Legislativo e Tasso repele Paulo Guedes: “não é com prensa que se resolvem as questões”) .
É esse cafajestismo político, totalmente oposto à democracia – e à moralidade pública, para não falar da boa educação – que constitui o estilo (e, mais do que o estilo, o lado peculiar) da política de Guedes. No resto, ele é igual aos antecessores. Só é mais cafajeste.
DÉCADA
Guedes prometeu “10 anos de crescimento”, se o Congresso aprovar a “reforma da Previdência”.
É provável que esse elemento, acostumado a depenar patos no mercado financeiro, acredite que o mundo – inclusive o Congresso e a população do Brasil – é constituído por otários.
Nisso, até mesmo a inveterada neoliberal Monica de Bolle, economista do insuspeito (nessa questão) Instituto Millenium, hoje morando em Washington, é capaz de dizer algo mais verdadeiro: “O fator determinante para o crescimento é a política, não é a Reforma da Previdência. Esse cenário de que o mundo acaba se a Reforma da Previdência não passar agora acho extremamente exagerado, bem terrorista”.
Os “10 anos de crescimento”, se o povo não tiver direitos, prometidos por Guedes, deve ser a expectativa de que a sua fortuna, e a de seus aprochegados, cresça nos próximos 10 anos, com juros altos, privatizações – e, não menos importante, corrupção, assalto ao Estado.
Mas nada tem a ver com o crescimento do país. Aliás, como vendedor de elixir – daqueles que curam desde unha encravada até cornice de neoliberal – Guedes é muito ruim.
De repente, aparece o sujeito prometendo “10 anos de crescimento” e acha que todo mundo vai acreditar – ou que todo mundo é obrigado a acreditar.
Parece o João de Deus da economia…
Mais interessantes eram aqueles sujeitos que pretendiam ganhar uma eleição com a promessa de duas casas para cada cidadão: uma para morar e outra para alugar…
Toda a política de que falou Guedes, no discurso de posse, é a de quebrar, devastar, afundar a economia do país.
Mas ele prometeu, se deixarem que ele quebre, devaste, afunde a economia do país, “10 anos de crescimento”.
DIREITOS
Guedes deblaterou contra “a insistência do Estado como o motor do crescimento”.
Certamente, ele nada tem contra “insistir no Estado” quando se trata de aumentar os seus ganhos à custa dos fundos de pensão das estatais (v. “Posto Ipiranga” arrombou fundo dos funcionários do BNDES, Os negócios do corrupto guru econômico de Bolsonaro e Guru de Bolsonaro é investigado pelo MPF por fraude de R$ 1 bilhão em fundos de pensão).
Quanto a Guedes chamar a legislação trabalhista de “fascista” no momento em que tenta passar por cima do Congresso, tentando submetê-lo – e até já propôs instituir a “votação em bloco” na Câmara, pela qual todos os votos de uma bancada seriam computados a favor de um projeto, mesmo que somente metade dos deputados daquele partido tenha votado a favor (cf. Guru de Bolsonaro defende ‘superpoderes’ a partidos em votações na Câmara) – parece coisa de ladrão que sai berrando “pega ladrão!”.
O que ele disse foi que os trabalhadores terem direitos é “fascismo”.
Pois o conteúdo da legislação trabalhista é constituído pelos direitos dos trabalhadores.
Até o PT, que durante anos espalhou a empulhação de que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) seria uma cópia da Carta del Lavoro, de Mussolini, já desistiu dela.
A CLT é a reunião das leis sobre os direitos dos trabalhadores instituídas desde a Revolução de 1930. Nada tem a ver com a Carta del Lavoro (para qualquer dúvida, v. o texto da Carta del Lavoro).
Portanto, com a declaração de Guedes, chegamos à conclusão de que se trata de um petista retardatário…
HISTÓRIA
O Brasil cresceu a uma média anual acima de 6% entre 1932 e 1964 – e cresceu 6,7% na média por ano, entre 1930 e 1980 (cf. IBGE, Estatísticas do Século XX, 2ª ed., Rio, 2006).
Esse crescimento – o maior de um país capitalista no mesmo período – foi devido a quê?
Ao aumento da capacidade aquisitiva da população – e, em seguida, da taxa de investimento da economia – devido à intervenção do Estado.
Daí o comentário, na mesma publicação do IBGE:
“É notável no Gráfico 6 a correlação positiva entre as taxas de investimento da economia e do setor público (governo e empresas estatais).”
O Gráfico é o seguinte:
Na publicação do IBGE, além desta, há outras observações importantes:
1) “Nesse período [1901-2000], o PIB per capita brasileiro cresceu quase 12 vezes, com taxa geométrica média de 2,5% ao ano. (…) Ao longo do século o PIB real ampliou-se mais de 100 vezes e a população pouco menos de dez vezes”.
2) “De 1920 a 1980, impulsionada pelo processo de substituição de importações, a industrialização e urbanização da economia fizeram o PIB per capita praticamente dobrar a cada 20 anos”.
3) “Nos 50 anos da fase de substituição de importações ocorreu uma única crise no período de 1963-1965, ainda assim relativamente breve e suave, com queda de 2% no PIB per capita. Nos 30 anos da fase primário-exportadora ocorreram cinco crises com duração de quatro a seis anos e quedas de renda per capita que oscilam entre 6% e 9% do pico prévio”.
4) “A partir de 1980, a tendência do crescimento foi declinante”.
5) “Ao longo do século, a contribuição da poupança externa coincidiu com períodos de estagnação ou declínio da taxa de poupança doméstica”.
EXPANSÃO
A questão chave para o crescimento é a intervenção do Estado no sentido de expandir o mercado interno e aumentar o investimento.
O que, evidentemente, um parasita como Guedes – somente interessado em roubar partes do Estado – é incapaz de perceber.
Ou, mais precisamente: como o seu negócio é aumentar os ganhos à custa da coletividade, à custa do Estado – ganhos com juros, ganhos com o açambarcamento do patrimônio público, ganhos com a corrupção nos fundos de pensão, etc., ganhos sempre parasitários ou desonestos – não lhe interessa o crescimento do país.
Que esteja – como na fábula – matando a galinha dos ovos de ouro, isso é de somenos. Se a situação aqui ficar insuportável, existem outros países. Sujeitos como Guedes não têm pátria. Apenas ganância.
Daí os xingamentos contra a ação do Estado – da qual ele não reclama se for em seu proveito (aliás, esse é o plano) – e o ataque à Previdência.
A Previdência Social, a previdência pública, está sob ataque há muito. O que Guedes disse, traduzido em português decente, é que quer acabar com ela.
O motivo é evidente: a Previdência é o lugar do Estado onde há dinheiro – e não é pouco. Não é por falta de recursos para sustentá-la, que Guedes quer assaltar o dinheiro dos aposentados. Pelo contrário, é porque ali há dinheiro.
Porém, a Previdência – os proventos dos aposentados – é a principal fonte de renda da maioria dos municípios do país (mais de 2/3 dos municípios do país têm menos de 20 mil habitantes) e é uma importante fonte de renda até mesmo nos municípios (são 46) com mais de 500 mil habitantes.
Nem estamos nos referindo, aqui, à questão da justiça social – porque esta tem por base, exatamente, a sua viabilidade ou função econômica.
Arrasar com a Previdência – mais ainda que governos anteriores já fizeram – é achatar, diminuir, contrair, mais ainda, o mercado interno.
O que significa afundar, mais ainda, o país na crise em que se debate desde o governo Dilma, devido a uma política de devastação, recessiva, antinacional e criminosa.
Como já foi notado há muito, o poder aquisitivo do povo – o aumento do salário real – é uma condição para o crescimento, inclusive para o aumento do investimento das empresas:
“… é forçoso observar que, num país como o nosso, onde em alguns casos há excesso de produção, desde que o operário seja melhor remunerado, poderá, elevando o seu padrão de vida, aumentar o consumo, adquirir mais dos produtores e, portanto, melhorar as condições do mercado interno” (Getúlio Vargas, discurso em 1º de maio de 1938).
Ou, na publicação do IBGE que citamos acima, diz Celso Furtado:
“… ficou muito claro para nós que o mercado interno representava um trunfo para o Brasil crescer. Logo, era importante mostrar como uma política que o privilegiasse poderia contribuir para a promoção do desenvolvimento econômico e social do País. É o que exponho em Um projeto para o Brasil. A meu ver, a política de distribuição de renda era a única forma de fazer com que esse mercado interno se traduzisse em poder de compra para a população.
“… ao concentrar a renda, você cria uma minoria de alto nível de vida, que tem acesso a um mercado privilegiado. Esse mercado privilegiado é de objetos de luxo, mas é pequeno, e não leva muito longe. Portanto, o mercado interno é que tem de se transformar em mercado de massa. E para haver um mercado de massa, é preciso que a renda seja redistribuída. É uma luta que integra, por um lado, a questão de privilegiar o mercado interno e, por outro, a de privilegiar a desconcentração da renda.
“Qualquer política econômica, para ser eficaz, tem de levar em conta o consumo de massa, essencialmente, popular.”
DOIS PONTOS
Guedes e Bolsonaro, pelo contrário, querem espremer, reduzir o mercado interno que existe – ainda que já amesquinhado pelo baixo poder aquisitivo da população.
Os reacionários – veja-se o caso de Hitler – têm as suas utopias. São, naturalmente, utopias reacionárias.
São tão utopias que, mesmo quando já foram desmoralizadas, eles continuam a acreditar nelas – e, se não acreditam, continuam a pregá-las.
Por exemplo, é evidente que um crescimento baseado na concentração de renda é uma ilusão – embora seja uma ilusão que, durante algum tempo, beneficia alguns poucos e prejudica quase todos.
O “milagre” da ditadura foi isso: durou tão pouco tempo, que em 1974-1975 a economia estava afundando (v. gráfico abaixo).
A ditadura, por sinal, não tocou nas leis trabalhistas ou previdenciárias – exceto na questão da estabilidade aos 10 anos de emprego, substituída pelo FGTS (embora fosse mantido um “direito de opção” entre os dois, que era perfeitamente falso).
Porém, Guedes e Bolsonaro são bem piores do que aquelas equipes econômicas da ditadura – que eram maníacas em relação ao arrocho salarial, mas essa não era a sua única política.
No caso de Guedes e Bolsonaro, eles não têm nenhuma política industrial, nenhuma política agropecuária, nenhuma política que não seja uma submissão quadrúpede ao lixo dos EUA: Trump, e, pior ainda, alguns alucinados que exibem um obscurantismo pior que aquele da primeira fase da Idade Média.
Sua política econômica pode ser resumida em dois pontos: acabar com os direitos da população e arrocho salarial.
O que só pode conduzir a uma fossa ainda mais funda que a atual.
C.L.
Excelente Carlos
Não aguentava mais o discurso desse elemento desqualificado e a repetição nauseante dele.