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Na manhã de sexta-feira, 04/01, Bolsonaro – depois da posse do novo comandante da Aeronáutica, brigadeiro Antonio Carlos Bermudez – disse à imprensa que o governo iria aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) “para quem tem operação fora” e diminuir a alíquota máxima do Imposto de Renda (IR), de 27,5% para 25%, “porque o nosso governo tem de ter a marca de não aumentar impostos”.
Disse mais: que já assinara o decreto aumentando o IOF – e culpou o Congresso pelo aumento, segundo ele, “para poder cumprir uma exigência de um projeto aprovado nesse sentido, como pauta bomba, contra a nossa vontade”.
“Pauta bomba” foi uma invenção de Dilma Rousseff para explicar o fracasso desastroso de seu “ajuste fiscal”, conduzido por Joaquim Levy – e, depois, para dar recheio, ainda que composto por vento, à sua versão de que teria sido vítima de um golpe.
O uso do termo pretendia colocar sobre o Congresso a responsabilidade do desastre – quando, na verdade, a responsabilidade do parlamento esteve, precisamente, em apoiar as medidas do “ajuste” de Dilma.
Além disso, a expressão revela a intenção de arrochar o país – impedindo que qualquer despesa, sobretudo aumentos salariais, sejam aprovadas – e a intenção gêmea de submeter o Congresso (“pauta bomba” é aquilo que Dilma – ou Bolsonaro – não querem que seja aprovado).
Bolsonaro, portanto, não é muito diferente de Dilma na invenção de versões ou “narrativas”.
Nesse caso, a que se referiu Bolsonaro, a “pauta bomba” seria a renovação dos incentivos fiscais para o Norte e Nordeste, sancionada – isto é, aprovada – por ele mesmo (assim como poderia ter vetado, tal como fez com os incentivos para o Centro-Oeste).
Quanto à redução da alíquota máxima do IR, disse Bolsonaro que ela seria anunciada, no mesmo dia, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
No começo da tarde, o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, declarou que não era verdade o que tinha dito Bolsonaro:
“Não vai haver nada que esteja sendo discutido com relação a alteração no Imposto de Renda. Imposto de Renda é um capítulo da reforma tributária, que vai ser analisada posteriormente, no tempo correto. Com relação ao IOF, não haverá nenhum incremento do IOF para dar respaldo ou para oferecer compensação aos benefícios fiscais que estão sendo concedidos agora a Sudene e Sudam.”
Cintra lembrou que os recursos para os incentivos ao Norte e Nordeste já estão previstos no Orçamento. Por isso, “não há necessidade de compensação e portanto não haverá nenhum aumento de imposto” (v. Secretário desmente IOF e diz que Bolsonaro se confundiu de “fato, de época ou de debate”).
Logo, Bolsonaro estava inventando “pautas-bomba”, a respeito de incentivos que existem há 60 anos – desde o governo Juscelino Kubitschek (caso do Nordeste) – e há 53 anos – desde o governo Castello Branco (caso do Norte).
A originalidade é um funcionário de segundo escalão ir até a imprensa desmentir (ou “corrigir”) o que falou o presidente da República.
Talvez por isso, poucas horas depois apareceu um ministro para fazer a mesma coisa – e logo o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Disse Lorenzoni, em entrevista coletiva convocada para corrigir o chefe, que Bolsonaro “se equivocou. [O que] ele assinou [foi] a continuidade do projeto da Sudam e da Sudene”, não o aumento do IOF.
Que Bolsonaro não saiba o que está assinando, é bastante possível. Mas, então, de onde ele tirou o aumento do imposto?
Alguns comentaristas aventaram que o aumento saiu de Paulo Guedes, o ministro da Economia de Bolsonaro – este, como é muito tapado, confundiu alicate com abacate, e já foi falando com a imprensa. Nessa altura dos acontecimentos, Lorenzoni e outros subiram pelas paredes. E, então, Bolsonaro recuou.
Pode ser. Bolsonaro, ao contrário da imagem que quer projetar, é um sujeito fraco. Não são apenas acontecimentos recentes que demonstram isso.
Por exemplo, ele jamais assumiu o episódio que provocou a sua saída do Exército – a chamada “Operação Beco Sem Saída”, que consistia em “explodir bombas de baixa potência em banheiros da Vila Militar” para pressionar o Alto Comando e o governo da época (v. Terrorismo de baixa potência).
Mas, em um documento do Exército no qual é mencionado o Conselho de Justificação ao qual Bolsonaro foi submetido, há o seguinte relato sobre a principal testemunha – a jornalista da “Veja” que fez a reportagem sobre a “Operação Beco Sem Saída”:
“Em 29 Dez 87, a jornalista CÁSSIA MARIA, autora de reportagem denunciando a existência de um complô de capitães que pretendiam explodir bombas em quartéis do exercito, afirmou, durante o depoimento no Conselho de Justificação a que responde o nominado, ter recebido uma ameaça de morte do Cap. BOLSONARO, momentos antes de iniciar seu depoimento” (cf. Ministério do Exército, Seção de Informações, Cap./R1 Jair Messias Bolsonaro, 1990).
Não é coisa de gente forte.
Além disso, Bolsonaro adora um factoide, o que é suficiente, somente com essas duas características, para causar uma tremenda confusão.
Disse Lorenzoni, na sexta-feira, que o governo não vai aumentar o IOF porque “é um princípio deste governo não haver aumento de carga tributária”.
Ao que parece, Bolsonaro não foi avisado desse princípio, apesar de dizer que “o nosso governo tem de ter a marca de não aumentar impostos”.
Muito menos Paulo Guedes, que já propôs uma nova CPMF para pagar juros e até um aumento no Imposto de Renda (v. Guru de Bolsonaro cria crise ao propor fim da Previdência e subir Imposto de Renda).
É claro que um aumento de IOF sobre operações daqui para o exterior não seria bem recebida por alguns dos principais apoiadores de Bolsonaro – sobretudo bancos, fundos, especuladores estrangeiros.
A suposta compensação disso por uma redução na alíquota máxima do IR, realmente, parece uma ideia de jerico típica de Paulo Guedes – e, se foi isso o que aconteceu, não há surpresa em Bolsonaro, que nada entende dessas coisas, ter aceito, inicialmente, essa genialidade.
Lorenzoni acrescentou que nem mesmo do ponto de vista do arrocho instituído pela mal chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) os incentivos ao Norte e Nordeste alterariam a situação fiscal do governo, pois somente serão considerados nas contas do governo de 2020, já que eles são válidos por 14 meses.
Além disso, o impacto total dos incentivos é, no máximo, nesses 14 meses, de R$ 75,5 milhões – para um orçamento, em 2019, de R$ 2 trilhões, 800 bilhões, 75 milhões, 411 mil e 667 (cf. SOF, Painel do Orçamento Federal).
Por isso, Lorenzoni tentou explicar por que Bolsonaro – se ele próprio aprovou essa “pauta”, ao sancionar o projeto – falou em “pauta bomba”, quando se trata de uma despesa quase ridícula, se comparada ao total do Orçamento, e já prevista nele.
Por que Bolsonaro sancionou, se era uma “pauta bomba”?
“Sancionou porque é meritório, as regiões Norte e Nordeste precisam”, respondeu Lorenzoni.
Mas, se é assim, por que o projeto era uma “pauta bomba”?
“Porque tinha que ter sido resolvido pelo governo que estava no poder. O governo anterior deveria ter sancionado a questão da Sudam e da Sudene. Ao transferir para o governo [de Bolsonaro], com prazo curtinho de resolução, porque vencia ontem o prazo de sanção ou veto, é claro que foi jogada uma ‘bomba’ no colo do atual presidente.”
Nem mencionaremos as conotações da expressão “bomba no colo”, após alguns acontecimentos, lá pelo período final da ditadura.
Mas, na hora de consertar a agressão de Bolsonaro ao Congresso, Lorenzoni não viu solução melhor do que descarregar nas costas de Temer. Afinal, um delito a mais ou a menos, que diferença faz para as costas de Temer?
C.L.
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