Mais de 70 anos depois, a Justiça Federal dos Estados Unidos apontou que o grupo farmacêutico Bristol-Myers Squibb, a Universidade Johns Hopkins e a Fundação Rockefeller terão de responder por uma gama de “experimentos médicos” realizados na Guatemala durante a década de 1940, em que doentes mentais, prostitutas, presidiários e soldados foram inoculados com três tipos de bactérias que causam sífilis, gonorreia e cancro.
Na última quinta-feira, o juiz Theodore Chuang, do distrito de um tribunal de Maryland, desconsiderou a alegação de que uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos protegia suas transnacionais de serem julgadas por atropelos aos direitos humanos e crimes de lesa-humanidade cometidos fora do país.
O caso foi apresentado nos tribunais por 774 guatemaltecos que iniciaram uma ação civil afirmando que as três corporações estadunidenses “conduziram experiências médicas neles ou em membros de sua família sem o conhecimento ou consentimento das vítimas e que, portanto, cometeram crimes contra a humanidade, em violação a normas consuetudinárias bem estabelecidas no direito internacional”. “Há normas internacionais que proíbem experimentos médicos não consentidos em seres humanos”, frisou a corte.
Conforme o estudo apresentado pelo Escritório Jurídico Internacional Rodríguez Fajardo e Associados, 666 familiares das vítimas – cônjuges, filhos e netos – sofrem com graves problemas na pele, transtornos mentais, cegueira e surdez severa, em alguns dos casos.
Na avaliação do juiz, permitir que um processo desta gravidade siga adiante “promoverá a harmonia”, pois finalmente se dará a estrangeiros afetados por ações de corporações transnacionais a possibilidade de recorrer aos tribunais estadunidenses em busca de justiça.
A série de “experiências” realizada na Guatemala nunca havia sido revelada até que, em 2010, foi publicada pela doutora Susan Reverby, após ter descoberto uma farta documentação sobre o crime nos arquivos de John Cutler, falecido em 2003.
Cutler e sua equipe de “pesquisadores” recrutaram um exército de miseráveis para servir de cobaias a fim de saber se a penicilina poderia ser utilizada para evitar doenças de transmissão sexual. Inicialmente, infectaram prostitutas guatemaltecas e as estimularam a fazer sexo sem proteção com soldados ou presidiários, que obviamente não foram informados da “experiência”, nem advertidos de suas consequências potencialmente fatais. Posteriormente, a inoculação foi feita diretamente. Os resultados impactaram tragicamente a milhares de pessoas.
Mesmo diante do flagrante, em 2010 o ex-presidente Barack Obama limitou-se a pedir desculpas pelo crime, enquanto sua secretária de Estado, Hillary Clinton, apontou o caso como uma “falta de ética”.
O mesmo Cutler esteve envolvido no Experimento Tuskegee, no qual 399 negros de Macon County, no Alabama, profundamente enfermos, mergulhados na fase final da sífilis, entre 1932 e 1972, se limitaram a ser “observados” pelas autoridades e deixados agonizando, sem receberem tratamento médico.
LEONARDO SEVERO