O Papa alertou nesta segunda-feira (7) sobre o ressurgimento de movimentos “nacionalistas”, referindo-se assim às tendências chauvinistas que resultaram em regimes fascistas e chegaram ao nazismo entre as duas guerras mundiais. Francisco também criticou países que tentam solucionar crises migratórias com ações unilaterais durante a recepção aos membros do corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé para as felicitações de ano novo.
“A Santa Sé não pretende imiscuir-se na vida dos Estados, mas aspira a ser uma ouvinte solícita e sensível das problemáticas que dizem respeito à humanidade, com o propósito sincero e humilde de se colocar ao serviço do bem de todo o ser humano”, continuou o pontífice.
Em seu pronunciamento anual para diplomatas, o Papa afirmou que “políticas de portas fechadas estão voltando 100 anos no tempo, para o perigoso período entre as guerras mundiais” e que os relacionamentos da comunidade internacional “estão passando por um período de dificuldade, com o ressurgimento de tendências nacionalistas”, ou seja, chauvinistas, dificultando o diálogo entre países e prejudicando os membros mais vulneráveis da sociedade, incluindo os imigrantes”.
“O reaparecimento desses impulsos hoje está progressivamente enfraquecendo o sistema multilateral”, disse Francisco a enviados de 183 nações durante o discurso, que se referiu a situação de diversos países.
Em um discurso de uma hora, Francisco mencionou diversas vezes a Liga das Nações, que foi criada após a Primeira Guerra Mundial para promover a paz, mas não foi capaz de impedir o fascismo e o nazismo que desencadearam a Segunda Guerra Mundial.
Francisco voltou a elogiar o Pacto Global sobre Migração da ONU, que estabelece objetivos para administrar a movimentação de imigrantes. Os Estados Unidos, Itália, Hungria e Polônia estão entre os países que boicotaram a reunião realizada em Marrocos no ano passado para firmar o acordo, enquanto o governo Bolsonaro anunciou que vai retirar o Brasil do acordo.
O Papa condenou a violência contra a mulher: “É urgente descobrir formas de relações justas e equilibradas, sem desnaturar, porém, o próprio ser homem ou mulher. A discriminação das mulheres no trabalho também deve ser combatida”. O Pontífice falou ainda das condições de trabalho que levam a uma forma moderna de escravidão, e que manipula milhares de crianças.
Francisco falou também dos abusos contra os menores, e afirmou que constituem um dos mais vis e nefastos crimes possíveis cometidos também por vários membros do clero.
Chamando o abuso sexual de crianças de “uma das pragas de nosso tempo”, Francisco disse que uma reunião de importantes bispos no Vaticano em fevereiro terá como objetivo “lançar total luz aos fatos e aliviar as feridas causadas por esses crimes”.
As migrações de milhares de pessoas e a atitude que, particularmente, a Europa e a América do Norte tem tido de fechar as fronteiras fez parte do discurso do Papa: “Mais uma vez desejo chamar a atenção dos governos para todos aqueles que tiveram de emigrar por causa do flagelo da pobreza, de todo o gênero de violência e perseguição, bem como das catástrofes naturais e das perturbações climáticas, pedindo que se facilitem as medidas que permitam a sua integração social nos países de acolhimento”.
Já no domingo (6), diante de milhares de fiéis na praça São Pedro, reunidos para participar da tradicional oração dominical, o Papa tinha feito um apelo. “Há vários dias 49 pessoas salvas no Mediterrâneo estão a bordo de dois navios das ONGs alemãs à espera de um porto para poderem desembarcar. Faço um apelo aos dirigentes europeus, para que façam prova de uma solidariedade concreta em relação a essas pessoas”, declarou.
Os imigrantes, entre eles três crianças e dois adolescentes, estão bloqueados nos navios das ONGs alemãs Sea-Watch e Sea-Eye há cerca de duas semanas, perto da costa de Malta. Alguns já estão no barco há três semanas, sem perspectiva de que a situação seja solucionada. As condições sanitárias estão cada vez mais precárias e a meteorologia pouco favorável também dificulta as condições de vida no barco.
A Itália e Malta declararam que não têm a intenção de autorizar o desembarque dos imigrantes, que são originários, na maior parte da Líbia, Costa do Marfim e Nigéria, e foram socorridos no Mediterrâneo, no dia 22 de dezembro, perto da costa Líbia.
Insistindo na postura da Europa e da América do Norte de fechar as fronteiras, no dia 7, Francisco frisou: “Todo ser humano anseia por uma vida melhor e mais feliz e não se pode resolver o desafio da migração com a lógica da violência e do descarte nem com soluções parciais”.
O Papa condenou o comércio e posse de armas nucleares, lamentando que esforços passados para chegar ao desarmamento nuclear tenham sido substituídos pela “busca por novas e cada vez mais sofisticadas e destrutivas armas”.