Seis meses após seu plano de maquiagem do colapso econômico – o Bolívar Soberano, de cinco zeros cortados, e sustentado no Petro, a miragem tipo bitcoin parida no palácio Miraflores – e oito meses depois de eleições presidenciais realizadas de supetão e amplamente contestadas, Nicolás Maduro irá se empossar na próxima quinta-feira (10) para mandato de cinco anos na presidência, perante a Suprema Corte Venezuelana, e sob protestos da oposicionista Assembleia Nacional, cujas prerrogativas estão suspensas, e com o presidente do parlamento chamando-o de “usurpador” e clamando por sua deposição.
Após o então presidente Hugo Chávez ter vencido 23 eleições – e respeitado o único resultado que lhe foi desfavorável -, Maduro considera que pode passar ao largo das instituições criadas pela própria constituição sacramentada por Chávez, já que a oposição é pérfida e alinhada a Washington.
Assim, quando a oposição reunida no agora falido MUD ganhou dois terços do parlamento, a saída foi ir estrangulando o órgão, afinal invalidado pelo expediente da ‘convocação’ da Assembleia Nacional Constituinte. O parlamento foi declarado pela Suprema Corte como em “não acatamento” por ter se recusado a destituir três deputados acusados de fraude eleitoral.
O novo presidente do parlamento é Juan Guaido, do partido dos guarimberos de Leopoldo López, este em prisão domiciliar depois de negociações encabeçadas pelo ex-primeiro-ministro espanhol José Luis Zapatero, que fora condenado por dezenas de mortes de civis nos distúrbios de 2013 (“A Saída”). Desde então, a Venezuela vive de casuísmo em casuísmo, com as eleições só ocorrendo no momento considerado oportuno por Maduro, e só podendo concorrer quem ele deixa.
Nas eleições presidenciais de maio do ano passado, que haviam sido adiadas de dezembro de 2016, além de Maduro, concorreu o oposicionista Henri Falcón, com 46% de comparecimento às urnas. Outros candidatos mais ligados ao MUD acabaram impugnados. Nas eleições de governadores de 2017, 17 maduristas e 6 oposicionistas foram eleitos. Nas eleições municipais de dezembro passado, com 27% de comparecimento, 95% dos eleitos são maduristas.
PERTO DEMAIS DA EXXON
Com todo o petróleo – e tão perto – que a Venezuela tem, não é surpresa que esteja na mira dos EUA e do cartel das Sete Irmãs, mas não é culpa de Washington que Maduro, com toda a corrupção e incompetência que o cercam, facilite sobremodo seu trabalho de sabotagem.
O governo Trump reitera sua disposição de fazer a Venezuela voltar ao redil, com a ajuda de governos reacionários como o de Ivan Duque (Colômbia), Sebastián Piñera (Chile), Mauricio Macri (Argentina) e Jair Bolsonaro (Brasil). Decretou a proibição de que bancos americanos rolem a dívida da estatal de petróleo PDVSA, ou títulos soberanos venezuelanos, proibiu a subsidiaria CITGO (rede de refinarias de propriedade venezuelana que opera nos EUA) de enviar dividendos a Caracas e impôs sanções unilaterais.
As eleições presidenciais na Venezuela não foram reconhecidas pelo governo Trump, nem pela União Europeia e, na semana passada, o chamado Grupo de Lima, com exceção do governo Lopez Obrador (México), exigiu que Maduro entregue o poder ao parlamento, cujo programa é privatizar (o petróleo), dolarizar e arrochar.
O ex-diretor da CIA e atual secretário de Estado, Mike Pompeo, não esconde quais são os planos dos EUA para Caracas, na expectativa de obterem o que fracassaram em 2002, agora com a ajuda do ‘ministro das Colônias’, Luis Almagro, secretário-geral da OEA, expulso da Frente Ampla do Uruguai, por propalar a intervenção armada contra a Venezuela.
Um dos principais problemas da Venezuela é que a derrubada na cotação do petróleo, que chegou a cair a menos da metade, pegou no contrapé a PDVSA, que estava realizando enormes investimentos no petróleo pesado do Orinoco. As sanções contra a PDVSA também se refletiram na queda da produção nas áreas de óleo leve, por falta de manutenção, e também por causa de empresas norte-americanas acossarem a estatal na justiça dos EUA, o que a forçou a acordos leoninos. Rússia, China, Turquia, Cuba e Irã estão entre os países que têm prestado apoio à Venezuela no atual impasse.
BÔNUS ‘PARA ISTAMBUL’
O portal venezuelanalysis.com, que há anos vem apoiando a revolução de Chávez, registrou recentemente como o plano econômico de Maduro ruiu em menos de 90 dias, o que se constata em relatos do colunista político Luis Enrique Gavazut, do Página 15, e da jornalista Jéssica dos Santos. Jéssica relata a alegria com o anúncio do pacotaço: “Pela primeira vez em muito tempo eu senti que alguém tinha me devolvido um pouco de normalidade, um pouco da vida cotidiana que eu estava faltando muito”… “nas horas subseqüentes, os anúncios vieram em uma enxurrada: a busca pelo equilíbrio fiscal, novos controles de câmbio, salário mínimo a 1800 Bs, preços fixos, censo do transporte, as milhares de possibilidades do Petro”. [Na realidade o novo salário mínimo era (em dólares) de menos de um terço do salário mensal oficial do Haiti, o país mais pobre das América].
Mas logo se seguiu o desencanto e a revolta. “O novo poder de compra durou apenas 15 dias e em dois meses os salários se desvalorizaram 60 vezes … hoje ninguém se lembra dos preços fixos”. “Meu primeiro bônus de Natal desapareceu em um par de produtos de higiene pessoal, os mesmos que eu tinha ficado por meses sem poder comprar porque meu salário é totalmente gasto em comida”, revelou. “Enquanto isso, as autoridades, cada vez mais desconectadas da realidade, me convidam para economizar em ouro e petros… para viajar a Istambul, comprar uma TV gigante ou uma geladeira grande no consórcio chinês Alibaba”, espanta-se Jéssica.
DESMANCHE
Conforme Gavazut, no momento a economia venezuelana está operando com “22% da sua capacidade instalada e as importações caíram 80% nos últimos anos, o que explica “a escassez” atual. Ele também assinalou como aspectos essenciais do pacote do governo Maduro – a intenção de zerar o déficit fiscal, induzir o investimento privado e aumentar o IVA de 10% para 16 % – se assemelham a um choque sobre os mais destituídos.
Gavazut também descartou algumas das acusações neoliberais mais comuns contra o país, como o “excesso de estatismo” e a “insegurança jurídica”. “A política de nacionalizações terminou com o presidente Chávez. Por seis anos consecutivos, não houve uma única expropriação, e o governo Maduro não tem intenção de fazê-lo novamente”, afirmou.
Ele acrescentou que, há um ano, a Assembléia Nacional Constituinte aprovou a Lei de Investimentos Estrangeiros, “uma das leis mais servis do mundo”. Como salientou, a débâcle, além da corrupção generalizada com os dólares da PDVSA, começou quando os monopólios estrangeiros e nacionais que operavam no país decidiram em 2013 “desacelerar a produção e desinvestir”, medidas que provocaram a chamada “escassez induzida”.
PORCO POR CAPIVARA
O venezuelanalysis também reproduz o conhecido último discurso de Chávez, o da “mudança no timão”, em que ele indaga a quantas anda a implantação da indústria no país e reitera a necessidade de avançar na produção e na democracia, para chegar ao socialismo. Ele lembra então, uma velha história, do costume de deixar tudo como está, e só mudar de rótulo. Citou um padre espanhol que, ao chegar a uma aldeia, batizava índios de nome pagão com um nome de cristão, e também lhes ensinava que não deviam comer carne de porco na semana santa. Ao voltar, o pároco, quando os viu comendo porco, quis saber como explicavam aquilo. Recebeu dos indígenas a resposta de que, também eles, como o piedoso homem, haviam batizado o porco, trocando seu nome para ‘capivara’, e continuaram comendo porco.
A.P.