Após 43 anos de Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), o magistrado Rafael Solís, braço direito do presidente Daniel Ortega, renunciou nesta quinta-feira de forma “imediata e irrevogável à Suprema Corte de Justiça e a todos os cargos públicos, incluindo a militância”, acusando o governo de ser o responsável pela grave crise em que se encontra mergulhado o país desde 18 de abril de 2018.
Na carta em que torna pública a sua decisão, Solis denuncia que Ortega e sua mulher, a vice-presidente Rosário Murillo, utilizam um “verdadeiro Estado de Terror, com o uso de forças paramilitares ou ainda da própria polícia, com armas de guerra, o que tem semeado o medo em nosso país e já não existe qualquer direito que se respeite”.
Conforme Solís, o mais graduado dirigente sandinista e governamental a se somar à oposição, o governo usa o poder judiciário para impor aos manifestantes “uma série de acusações absurdas sobre delitos que nunca se cometeram”, a fim de calar a divergência “a ferro e fogo”.
“Eu que já vivi isso há tantos anos em que lutei contra uma ditadura, jamais acreditei que íamos voltar a repetir a história, por culpa de quem também lutou contra essa mesma ditadura. Porém agora está claríssimo que a solução vai nesta direção e não desejo participar, por consciência e por princípios, ao lado de um governo que já não tem a razão nem o direito, nem o respaldo majoritário do povo, e que se apóia unicamente no uso da força para se manter no poder”, esclareceu Solís, somando-se a dirigentes sandinistas históricos que lutaram contra Somoza como Ernesto Cardenal, Gioconda Belli e Sérgio Ramírez.
Rafael Solís recordou que o conflito deixou, oficialmente, pelo menos 325 mortos e mais de 550 presos e processados. Levantamentos de entidades de direitos humanos apontam que também são de 2.000 feridos, 300 profissionais da saúde demitidos e 144 estudantes expulsos da Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua (UNAM).
No documento, Solís lembrou que se encontrava no México no dia anterior ao início do conflito para operar a coluna, tendo pensado várias vezes em renunciar e que só não o fez pois tinha esperança de que o país resolvesse seus problemas na mesa de diálogo, e que o governo pudesse “corrigir os graves erros cometidos”. No entanto, assinalou, terminou 2018 e nada disso ocorreu e, “pelo contrário, o governo foi endurecendo suas posições até nos levar a um isolamento internacional quase total e não vejo, sinceramente, a menor possibilidade que em 2019 se retome um verdadeiro diálogo nacional que logre a paz, a justiça e a reconciliação em nosso país”.
“Agora está em curso a guerra contra os meios de comunicação, depois que ilegalmente vocês suprimiram o direito das pessoas de protestar nas ruas, e há jornalistas mortos, jornalistas presos e, sobretudo, uma grande quantidade de jornalistas no exílio, e os poucos que restam na Nicarágua pouco a pouco vão ser reprimidos e terão de marchar ao exílio ou terminarão na prisão”, alertou Solís, acusando o governo de fechar todo e qualquer espaço de negociação ou crítica.
Na avaliação do magistrado, a dupla Ortega e Rosário também se equivoca ao atacar a Igreja Católica, que passou a identificar como oposição. “Por isso e não por covardia ou traição é que estou renunciando, porque caso se tratasse de um golpe de estado fracassado ou de uma agressão externa, e não se houvesse matado tanta gente, eu estaria com vocês e continuaria na Corte e na Frente, porém não houve tal golpe de estado, nem agressão externa, mas um uso irracional da força e vocês se empenham em continuar fazendo mal as coisas até levar o país a uma guerra civil da qual eu não quero ser partícipe, muito menos ao lado de vocês”, explicou.
De forma enfática, o magistrado responsabilizou o governo pela existência de duas Nicaráguas, uma de antes do dia 18 de abril, que “pelo menos tinha um crescimento econômico alto em aliança com o setor privado e que em termos gerais vivia em um Estado de direito, respeitando a Constituição”, e a outra, posterior, em que “por decisão de vocês se acabou com tudo isso, o que produziu, também na minha pessoa, apesar de minha participação na FSLN por 43 anos, uma grande frustração”. O fato, advertiu, é que “a economia praticamente colapsou e se espera para este ano que o caos econômico seja total e as possibilidades de uma nova guerra civil no país, que ninguém deseja, se veem agora mais próximas que nunca”.
“Oxalá ocorra um milagre e vocês reflitam e retomem o caminho do diálogo nacional e da verdadeira reconciliação do país, porém a história da Nicarágua nos ensinou outra coisa distinta e, neste caso, a história vai voltar a se repetir e, se continuam semeando ventos, vão colher tempestades, até chegar a um final que, inevitavelmente, será pela força. Que Deus salve a Nicarágua”, concluiu Solís.