“Os números não mentem, mas os mentirosos fabricam números”
O ataque à Previdência tem dois discursos, ambos essencialmente falsos: o do “déficit” e o dos “privilégios”.
Isso já era verdade, como sabe o leitor, no governo Temer – assim como no governo Dilma, no governo Lula e no governo Fernando Henrique.
Pois, se há algo característico dos últimos anos é que as “reformas da Previdência” jamais acabam. Sempre é preciso outra, pois a anterior “não resolveu”.
Não resolveu o quê?
Ora, o problema do “déficit” e o problema dos “privilégios”.
Por que não resolveu?
Porque nenhuma dessas “reformas” foi feita para resolver um problema que estruturalmente não existe – o déficit – nem, muito menos, para cortar os verdadeiros privilégios.
Essa repetição de “reformas” que nunca acabam, apenas reflete a ganância do setor financeiro, sobretudo estrangeiro, pelos recursos da Previdência – acompanhados, via de regra, por uma corte de bobos que jogam contra os seus próprios interesses.
Por isso, sempre é preciso outra “reforma da Previdência”. Porque a voracidade do rentismo, sobretudo estrangeiro, não acaba nunca – até que a Nação tenha seus destinos nas próprias mãos.
Em 1998, quando o governo de então aprovou a Emenda Constitucional nº 20 – conhecida, exatamente, como “reforma da Previdência” – o professor Dércio Garcia Munhoz apontou que o verdadeiro objetivo da alteração era empurrar o conjunto das aposentadorias do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) em direção ao salário mínimo.
Quem quisesse mais que o salário mínimo, que recorresse à “previdência privada”, isto é, às operações especulativas dos bancos (houve até um ex-presidente da República que, soube-se quando foi preso, tinha alguns milhões numa conta de “previdência privada”, apesar de seu marketing de “trabalhador”).
Era, portanto, verdade, e o professor Munhoz também apontou que a redução ao salário mínimo também era o objetivo das alterações posteriores (v. o texto do professor Munhoz: A Lava Jato e os desacertos das políticas monetária e fiscal).
Agora, com Paulo Guedes e Bolsonaro (nessa ordem), pretende-se colocar o conjunto das aposentadorias – não necessariamente todas, mas o conjunto – abaixo do salário mínimo (um artigo bastante interessante sobre isso, publicado há poucos dias por um órgão que tem posição a favor do ataque à Previdência, é o do advogado João Badari, especialista em Direito Previdenciário, Reforma da Previdência: aposentadoria abaixo do salário mínimo com capitalização, OESP, 11/01/2019).
O grande “privilégio” que Guedes e Bolsonaro querem combater é, portanto, aquele que estabelece como piso das aposentadorias o salário mínimo.
Como sempre, não há nada de original: o Banco Mundial, em relatório sobre o Brasil, divulgado em novembro de 2017, pregou exatamente o fim desse pernicioso privilégio (v. Banco Mundial dá solução: amontoar alunos nas salas, cortar Saúde e pagar aposentado abaixo do salário mínimo).
Aliás, foi o que fizeram no Chile, com funestos resultados para o povo e excelentes ganhos para alguns parasitas nojentos (v. Sem previdência pública, Chile tem suicídio recorde entre idosos com mais de 80 anos).
Quanto aos privilégios verdadeiros – pois alguns existem – sempre ficam intocados depois dessas “reformas”, pois vão servir para justificar a próxima…
Mas, vejamos a questão do déficit – sobre o qual, nos últimos dias, divulgaram-se os mais disparatados números.
Como é que esses indivíduos – aqueles sujeitos que, na cabeça da maioria dos brasileiros, parecem destituídos de mãe, pai, avô e outros antepassados – fabricam esses números?
Porque, como dizia o presidente Itamar Franco, “os números não mentem, mas os mentirosos fabricam números”.
Em sua edição referente a 2017 de sua “Análise da Seguridade Social”, publicada no final do ano passado, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP) nota que, para fabricar o “déficit” sideral que o governo propala, foi necessário:
1) Desconsiderar como receita da Seguridade (e, portanto, da Previdência) o dinheiro desviado pela Desvinculação de Receitas da União (DRU), R$ 113 bilhões em 2017 (30% das contribuições sociais – Cofins, CSLL, PIS).
2) Desconsiderar o rendimento financeiro da Previdência (R$ 46 bilhões em 2017).
3) Desconsiderar que a compensação integral pela desoneração da folha de pagamentos – que é uma obrigação legal do Tesouro – não está sendo realizada.
4) Desconsiderar que os 40% do PIS/PASEP, que são transferidos para o BNDES, continuam a ser recursos da Previdência.
Somente essas omissões diminuíram, em 2017, as receitas da Previdência, na conta do governo, em R$ 159 bilhões (2017).
Porém, além de omitir receitas, o governo também acrescentou despesas que nada têm a ver com o Regime Geral da Previdência Social (RGPS).
De acordo com a Constituição, somente o RGPS faz parte da Seguridade Social, portanto, a Cofins, a CSLL, o PIS/PASEP e a contribuição previdenciária de trabalhadores e empregadores são exclusivamente para financiamento desse regime (artigo 195 da Constituição).
No entanto, o governo acrescentou, como despesas:
1) As do regime próprio dos militares. Como essa questão surgiu nos últimos dias, transcrevemos aqui o texto da ANFIP:
“… o regime previdenciário dos militares não prevê contribuição para o benefício de aposentadorias (reformas), há apenas uma para as pensões.
“Isto porque esse ‘regime previdenciário dos militares’ não tem caráter contributivo. O pagamento das aposentadorias (reformas) é um ônus público, não tem natureza previdenciária propriamente dita.
“Portanto, as receitas e despesas com o regime militar não se prestam a contas de resultado previdenciário, porque esse regime não está sujeito a regras de equilíbrio, nem financeiro, nem atuarial.
“Todavia, o governo sempre apresenta as despesas com aposentadorias (reformas) de militares com as contas previdenciárias dos regimes próprios.
“Igualmente inadmissível é colocar essas despesas na conta da Seguridade Social [ou seja, como se fizessem parte do Regime Geral da Previdência Social].
“Independentemente das razões que justifiquem esse regime dos militares e as suas regras de contribuição, os dados desse regime nunca poderiam ser somados às contas de seguridade social.
“Muito menos os seus dados de receitas e despesas serem utilizados para cálculos de equilíbrio de regimes previdenciários ou da seguridade”.
2) As despesas do Regime Próprio dos servidores civis – que são uma despesa, como as reformas dos militares, também do Tesouro. Transcrevemos abaixo a conclusão da ANFIP sobre essas questões:
“Como concluir por deficit se contabilizamos regimes não contributivos e que não são regidos por exigências de equilíbrio financeiro e atuarial?
“Na prática, como não há receitas, são acrescentadas apenas as despesas.
“Quando o governo soma despesas de três regimes diferenciados, torna-se impossível fechar as contas, nem mesmo se forem cortadas drasticamente os direitos previdenciários dos trabalhadores ou reduzidas as despesas com a Saúde ou a Assistência Social, seria possível economizar o suficiente para financiar as despesas de aposentadorias de servidores e militares.”
3) Além disso, o governo acrescentou, em sua conta para fabricar o déficit, “as despesas com inativos e pensionistas de servidores e policiais militares pagos à conta do Fundo Constitucional do DF e também de servidores dos ex-territórios”.
Aqui, existe algo de peculiar – ou, melhor, trapaceiro: “as contribuições dos servidores, e policiais civis e militares do DF integram o Orçamento do DF”, mas “as despesas entram na conta dos regimes previdenciários dos servidores da União”.
O leitor poderá conferir, no texto abaixo, o conjunto dessas “inserções”, que só têm um objetivo: forjar um déficit.
Resta apenas acrescentar que as “desonerações” dos governos Dilma e Temer subtraíram R$ 141,177 bilhões da Previdência em 2017.
Não estamos computando aqui (mas o leitor poderá verificá-lo no texto da ANFIP) os prejuízos devidos à leniência fiscal (parcelamentos e perdões de dívidas nas contribuições para a Previdência).
Então:
Se retirarmos da conta do governo as despesas indevidas, o suposto déficit da Previdência reduz-se a R$ -56,858 bilhões.
Porém, é preciso somar o que foi retirado do lado da receita:
– Desvio pela DRU: R$ 113,468 bilhões;
– Receitas não consideradas pelo governo: R$ 45,582 bilhões;
– Desonerações: R$ 141,177 bilhões.
TOTAL: R$ 300,227 bilhões.
Logo, teríamos um superávit de R$ 243,369 bilhões.
Todos esses números são de 2017 – e o governo não tem outros; apenas a tecnologia da trapaça.
Evidentemente, essa conta – que é teórica, ou seja, seria um resultado em que a Seguridade não contribuiria com nenhum outro setor, apenas com si mesma, sem contar algumas despesas administrativas, etc. – tem o objetivo de mostrar como é falsa a conta do governo.
O espantoso nela não é o resultado final, mas o fato de que, mesmo depois de três anos de recessão, em que a Previdência sofreu perdas violentas (devido ao desempego e subemprego) e aumentos de despesas, ela ser, assim como a Seguridade Social (que inclui, além da Previdência, a Saúde e a Assistência Social), perfeitamente sustentável.
Então, vejamos, nas condições concretas, como foi o comportamento do setor nos últimos anos. Aqui estão os saldos/déficits da Seguridade:
2009: R$ +72,798 bilhões;
2010: R$ +66,303 bilhões;
2011: R$ +34,319 bilhões;
2012: R$ +57,610 bilhões;
2013: R$ +78,871 bilhões;
2014: R$ +57,575 bilhões;
2015: R$ +13.653 bilhões;
2016: R$ -54,480 bilhões;
2017: R$ -56,858 bilhões.
O déficit dos dois últimos anos é, claramente, um produto da recessão, do desemprego.
Porém, mesmo nessa situação de crise, comparemos, a partir de 2013, os resultados da Previdência e Seguridade com as desonerações (nesse caso, as renúncias fiscais totais sobre as contribuições sociais para a Seguridade e Previdência):
ANO |
RESULTADO |
DESONERAÇÕES |
2013 |
R$ +78,871 bilhões |
R$ 119,452 bilhões |
2014 |
R$ +57,575 bilhões |
R$ 139,566 bilhões |
2015 |
R$ +13,653 bilhões |
R$ 148,948 bilhões |
2016 |
R$ -54,480 bilhões |
R$ 137,884 bilhões |
2017 |
R$ -56,858 bilhões |
R$ 141,177 bilhões |
Mesmo nos dois últimos anos, o término de algumas desonerações cobriria perfeitamente o suposto déficit.
E estamos fazendo a comparação apenas com as desonerações – evidentemente, com aquelas que atingiram o financiamento da Previdência.
Porém, leitor, o que escrevemos até aqui vale apenas como uma rápida introdução.
Abaixo, fizemos uma condensação do texto da ANFIP, “Análise da Seguridade Social”, que o leitor poderá consultar no original.
Para esta condensação, mudamos a ordem de exposição dos assuntos e a divisão dos parágrafos – além de acrescentar subtítulos que não existem no original – na esperança de facilitar a leitura daqueles interessados em defender uma das maiores conquistas e maiores patrimônios do Brasil.
Os grifos são todos nossos – e não do original.
C.L.
ANFIP
Durante os debates sobre a reforma da previdência, o governo editou versões de documentos atestando o deficit histórico do balanço da Seguridade Social.
Em março de 2018, com a reforma já momentaneamente aposentada, divulgou novos dados afirmando que, em 2017, esse deficit foi de R$ 292 bilhões.
Os diversos governos sempre apresentam a conta do Orçamento da Seguridade Social como deficitária. E, neste momento, construir esse deficit tornou-se um dos principais argumentos utilizados pelo governo e outros defensores da reforma da previdência.
Para amparar o discurso do deficit, o governo desconsidera, somente em 2017, mais de uma centena de bilhão de reais das receitas da Seguridade e ainda acresce outras dezenas de bilhões de reais em despesas que não poderiam entrar nessas contas.
Como o governo faz para construir esses dados?
Em relação às receitas, o governo faz duas operações de subtração de valores.
A primeira envolve a Desvinculação de Receitas da União – DRU.
Esse dispositivo transitório, mas vigente desde 1994, permitiu ao governo federal desvincular 20% das receitas das contribuições sociais até 2015 e, no último biênio, 30%.
Ressalte-se que desde 2000, por decisão da Comissão Mista de Orçamento, com base no texto constitucional, a DRU não atinge as contribuições previdenciárias [i.é., as contribuições dos trabalhadores e empregadores diretamente para a Previdência].
Já em vigor a alíquota majorada de 30% de desvinculação, a partir de 2016, a DRU alcançou a casa de R$ 100 bilhões de recursos subtraídos.
Como mostrado na Tabela 7, em 2016, eles somaram R$ 99 bilhões e, em 2017, R$ 113 bilhões.
Entre 2013 e 2015, esses valores giravam em torno de R$ 63 bilhões, ao ano.
A subtração desses valores, que permite uma maior flexibilidade no uso dos recursos, é um argumento falacioso quando utilizado para demonstrar que faltam recursos no Orçamento da Seguridade Social.
RECEITAS SUBTRAÍDAS
A segunda operação de subtração envolve várias receitas da Seguridade Social.
Entram nesse rol recursos resultantes de aplicação financeira dos diversos órgãos da Seguridade Social; as compensações pela desoneração da folha de pagamentos e parcela dos recursos do PIS/Pasep.
As autarquias, as fundações e os Fundos da Seguridade Social possuem autorização legal para aplicarem seus saldos financeiros e receberem rendimentos dessas aplicações. Podem utilizar esses recursos para cobrir parte de seus encargos, como de fato o fazem, conforme expresso em cada lei orçamentária anual.
Na Seguridade Social, o caso mais significativo é o FAT, que recebe recursos de suas aplicações no BNDES e em outras instituições financeiras.
Somente em 2017, essa subtração envolveu R$ 18 bilhões do FAT, totalizando quase R$ 46 bilhões, no conjunto da Seguridade Social.
Esses valores são contabilizados na Seguridade Social porque estão vinculados a órgãos ou entidades que integram o Orçamento da Seguridade.
Nas contas que o governo apresenta, é como se o Tesouro Nacional deles pudesse se assenhorar, prejudicando patrimonialmente autarquias, fundações e fundos públicos da Seguridade.
O governo também não considera a compensação integral pela desoneração da folha de pagamentos.
Segundo os estudos da ANFIP e da Fundação ANFIP uma fração dessas compensações determinadas legalmente não é repassada, e corresponde à diferença entre o custo total da desoneração da folha e a compensação realizada pelo governo.
Outra subtração de receitas é feita no PIS/Pasep.
A Constituição determina que essa contribuição seja financiadora do programa de seguro-desemprego, no Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Estabelece ainda que 40% dessa arrecadação seja transferida ao BNDES, para compor recursos que serão utilizados em programas de crédito às empresas voltadas para a geração de emprego e renda, uma programação que visa exatamente diminuir o desemprego.
A utilização junto ao BNDES não desnatura a fonte desses recursos, eles são da seguridade social porque provenientes da Contribuição Social do PIS/Pasep.
Trata-se de uma transferência de recursos do Orçamento da Seguridade Social, para o Orçamento Fiscal.
A Seguridade faz um superavit primário equivalente ao valor transferido, porque utiliza recursos “tributários” para um gasto financeiro.
Ao contrário, o governo desconsidera essa fonte e ao fazer essa transferência faz transparecer que a responsabilidade por esse superavit é do Tesouro Nacional.
A Tabela 12 apresenta os dados das receitas desvinculadas e as não consideradas relativas aos rendimentos financeiros, as compensações pela desoneração da folha e a parcela do PIS/Pasep destinada ao BNDES.
Na identificação de receitas e despesas da Seguridade Social, o governo acrescenta receitas e despesas dos regimes previdenciários de servidores e de militares.
Naturalmente, o governo soma as receitas dos regimes próprios para também somar as respectivas despesas, que são muito superiores.
O governo vale-se da subtração desse conjunto de receitas, que equivale a R$ 159 bilhões, para apresentar as contas de uma Seguridade Social deficitária.
DESPESAS ESTRANHAS
Para produzir os seus números, o governo também atua no campo das despesas, inflando o Orçamento da Seguridade com despesas estranhas ao conceito constitucional.
Uma dessas medidas é a inclusão dos regimes previdenciários próprios de servidores e de militares nas contas da Seguridade Social.
O regime previdenciário dos servidores tem natureza contributiva. A ele são devidas contribuições de servidores ativos, aposentados e pensionistas. E a contribuição patronal corresponde, para fins de cálculo de resultado, ao dobro da contribuição dos ativos, exclusivamente.
Mas, para a Seguridade Social, o regime previdenciário é exclusivamente o Regime Geral de Previdência Social, conforme disposto no art. 195 da CF/88.
MILITARES
Por sua vez, o regime previdenciário dos militares não prevê contribuição para o benefício de aposentadorias (reformas), há apenas uma para as pensões.
Isto porque esse “regime previdenciário dos militares” não tem caráter contributivo. O pagamento das aposentadorias (reformas) é um ônus público, não tem natureza previdenciária propriamente dita.
Portanto, as receitas e despesas com o regime militar não se prestam a contas de resultado previdenciário, porque esse regime não está sujeito a regras de equilíbrio, nem financeiro, nem atuarial.
Todavia, o governo sempre apresenta as despesas com aposentadorias (reformas) de militares com as contas previdenciárias dos regimes próprios.
Igualmente inadmissível é colocar essas despesas na conta da Seguridade Social.
Independentemente das razões que justifiquem esse regime dos militares e as suas regras de contribuição, os dados desse regime nunca poderiam ser somados às contas de seguridade social.
Muito menos os seus dados de receitas e despesas serem utilizados para cálculos de equilíbrio de regimes previdenciários ou da seguridade.
A Tabela 13 apresenta os dados das contribuições dos regimes próprios dos servidores e a dos militares.
Como concluir por deficit se contabilizamos regimes não contributivos e que não são regidos por exigências de equilíbrio financeiro e atuarial?
Na prática, como não há receitas, são acrescentadas apenas as despesas.
Quando o governo soma despesas de três regimes diferenciados, torna-se impossível fechar as contas, nem mesmo se forem cortadas drasticamente os direitos previdenciários dos trabalhadores ou reduzidas as despesas com a Saúde ou a Assistência Social, seria possível economizar o suficiente para financiar as despesas de aposentadorias de servidores e militares.
OUTRAS DESCARGAS
Em relação às despesas consideradas como da Seguridade Social, há muitas outras inclusões, todas questionáveis, porque incompatíveis com o ordenamento constitucional.
A Tabela 14 apresenta esse conjunto de despesas que o governo enquadra nas contas da Seguridade Social.
As primeiras dessas despesas são as dos regimes de previdência de servidores e de militares.
Junto com elas estão também na conta da Seguridade Social as despesas com inativos e pensionistas de servidores e policiais militares pagos à conta do Fundo Constitucional do DF e também de servidores dos ex-territórios [NOTA: Existem pagamentos relativos aos ex-territórios de RO, RR, AC e AP e do RJ. Essas despesas devem aumentar em função da promulgação da EC nº 98, de dezembro de 2017].
Em relação às despesas “EPU – Transferências”, há outra distorção: as contribuições dos servidores, e policiais civis e militares do DF, por exemplo, integram o Orçamento do DF, e as despesas entram na conta dos regimes previdenciários dos servidores da União.
Em “Assistência ao Servidor”, basicamente, estão despesas com os pagamentos dos planos de saúde dos servidores públicos e com o auxílio alimentação.
Essas despesas nunca poderiam ser consideradas como da Seguridade. São encargos patronais e direitos dos servidores.
Igualmente os Pagamentos de Planos de Saúde não podem ser considerados despesas do SUS, e auxílio alimentação não é despesa da assistência social.
Da mesma forma, as despesas com “Assistência ao Militar”, basicamente saúde prestada pelos hospitais militares e convênios diversos não podem ser classificadas como Seguridade Social.
Em “Outras Programações Estranhas”, há múltiplas ações que por erro ou simples desvio estão enquadradas no Orçamento da Seguridade Social. Os valores são pequenos perto do total de despesas. Mas, em 2015, por exemplo, foram incluídos nessa conta os pagamentos relativos ao Fundo de Pensão Aeros, resultante de uma sentença judicial de natureza indenizatória.
A contribuição patronal para os fundos de pensão complementar dos servidores públicos não é uma despesa da Seguridade Social.
Como resultado de todos esses enxertos, que basicamente retiraram receitas e acrescentaram despesas, o governo consegue florear o seu discurso de deficit da Seguridade Social.
A Tabela 15 apresenta esses dados.
DESONERAÇÕES
Segundo a Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB, os valores envolvidos em renúncias aprovadas a partir de 2010, triplicaram em 2011 e cresceram ainda mais em 2012, passando de menos de R$ 10 bilhões para mais de R$ 46 bilhões. E, continuaram aumentando.
Em 2014, esses valores superaram a marca de R$ 100 bilhões.
Em 2015 e 2016, já em curso os novos elementos da política fiscal, o ritmo de aprovação de novas renúncias diminuiu, mas o volume de renúncias continuou crescendo em 2015, caindo ligeiramente em 2016.
Em 2017, a renúncia total cresce em relação ao ano anterior, mas se mantém no patamar de 2015.
A Tabela 3 acumula os dados das renúncias tributárias instituídas a partir de 2010 e os seus efeitos pelos exercícios seguintes com as informações dos gastos tributários estimados por bases efetivas.
As renúncias aprovadas em 2012 somaram perdas de arrecadação de R$ 143 bilhões no quadriênio que se sucede à promulgação da lei.
As leis aprovadas em 2013 e 2014 acarretaram novas perdas superiores a R$ 90 bilhões, para cada um desses anos.
Em 2015, os valores dessas renúncias caíram para menos da metade e totalizaram R$ 42 bilhões.
Em 2016, a aprovação de novas renúncias praticamente inexistiu, somando apenas R$ 4 bilhões.
Mas, em 2017, as perdas de arrecadação aprovadas foram de R$ 64 bilhões.
Mais de 15 vezes os valores do ano anterior.
Um dos efeitos da reversão ocorrida em 2017 pode ser visto no quadro de renúncias para 2018, enviado ao Congresso Nacional em abril, acompanhando o projeto de lei de diretrizes orçamentária para o próximo ano. Estão estimadas renúncias de R$ 283 bilhões.
E as renúncias apresentadas na Tabela 3 não representam a totalidade dos valores que o governo abriu mão.
O Decreto nº 9.148, de 2017, aumentou as alíquotas do Reintegra, um programa que beneficia os exportadores, de 0,1%, aplicado em 2016, para 2%, para 2017 e 2018. Elevou os recursos envolvidos de R$ 537 milhões para R$ 5,2 bilhões em 2017.
Esses recursos do Reintegra deixam de figurar nas leis orçamentárias.
Cifras muito maiores envolvem a aprovação dos diversos parcelamentos de débitos tributários e não-tributários.
Somente ao longo de 2017, várias dessas leis foram aprovadas. E, durante a tramitação, as vantagens ofertadas aos sonegadores e fraudadores sempre aumentaram, em muitos casos totalizando 100% dos juros e das multas.
Os dois últimos desses projetos votados em 2017 chamam a atenção pelo tamanho da renúncia envolvida.
No parcelamento das dívidas rurais para com a previdência, os beneplácitos foram tão grandes que incluíram ampliação de perdão e dos descontos, aumento dos prazos, redução da alíquota da contribuição a ser paga e ainda descontos em várias linhas de crédito agrícola.
Vale ressaltar que até os descontos em linhas de crédito que impliquem em aumento dos subsídios têm impacto orçamentário e o aumento desses subsídios limita outras despesas públicas (por conta da EC nº 95/2016, onde os subsídios estão incluídos).
[NOTA DO HP: A Emenda Constitucional nº 95/2016 é o congelamento de gastos do governo federal, em termos reais, por 20 anos.]
Em 2018, o Congresso derrubou o conjunto dos vetos aprovados nessa legislação, inclusive os vetos a dispositivos que dificultam a fiscalização tributária e trabalhista nesse segmento.
Outro projeto de renúncia foi a MP 795/2017, que ampliou o regime especial para exploração do petróleo e afins. Além das renúncias envolvendo a apuração do lucro real e a base de cálculo da CSLL, há um regime especial de importação que dispensa o pagamento de todos os tributos associados (inclusive as parcelas da Cofins e Contribuição para o PIS/PASEP).
Esse conjunto de renúncias foi estimado pela Consultoria da Câmara dos Deputados em valores que acumulam a cifra de R$ 1 trilhão, em 40 anos.
A aprovação desses e dos demais projetos relacionados ignoraram os limites e procedimentos estabelecidos pela EC nº 95/2016, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017.
Todas essas normas exigiam conhecimento prévio pelo Parlamento do total de renúncias envolvidas e relatório de impacto identificando as respectivas medidas compensatórias. Nada disso foi atendido.
O efeito das principais renúncias nas Contribuições Sociais, afetando diretamente o financiamento da Seguridade Social pode ser acompanhado na Tabela 4, com os principais itens de renúncias que atingem as contribuições sociais.
EFEITO DAS DESONERAÇÕES SOBRE A SEGURIDADE E A PREVIDÊNCIA
A partir do último trimestre de 2008, o ritmo das renúncias aumentou ainda mais do que o do conjunto da tributação.
Assim, como mostra a Tabela 16, essas receitas caíram de 12,8% [do PIB], em 2005, para 11,0%, em 2016.
Em 2017, em proporção do PIB, as receitas de contribuições sociais representaram 11,5%.
Vale relembrar que parte desse aumento [para 11,5% em 2017] está relacionado com reclassificações de receitas arrecadadas em exercícios anteriores, nos diversos programas de recuperação de dívidas tributárias.
As receitas em contribuições previdenciárias que não foram objeto dessas reclassificações e estão submedidas aos efeitos ruinosos do alto desemprego, continuaram em queda, em um movimento constante desde 2014.
Até 2014, o efeito dessas desonerações somente não foi maior pelo crescimento da arrecadação da contribuição previdenciária.
Se a geração e a formalização dos empregos aumentaram a arrecadação previdenciária, o processo de desonerações agiu no sentido contrário.
A criação do Simples Nacional, a ampliação dos segmentos beneficiados e maiores faixas de enquadramento canalizaram para esse sistema um enorme percentual de empresas e seus trabalhadores, reduzindo significativamente a contribuição patronal.
Segundo dados enviados à CPI do Senado Federal sobre a Previdência Social, em 2016, essas renúncias chegaram à cifra de R$ 23,8 bilhões, o que representou 6,7% da contribuição do segmento urbano.
Em 2006, esse valor era de R$ 6,1 bilhões, representando 5,1%.
DESONERAÇÃO DA FOLHA
A desoneração da folha de pagamentos foi outro movimento que também reduziu a participação empresarial no financiamento do sistema.
Ressalte-se que ao contrário das renúncias associadas ao Simples, legalmente o processo de desoneração da folha de pagamentos não poderia resultar em perdas monetárias para o sistema previdenciário.
Mensalmente, o Tesouro Nacional deveria repassar ao RGPS o correspondente às perdas.
Mas, desde junho de 2017, a RFB interrompeu os cálculos das compensações.
Atualmente, o Tesouro Nacional cumpre apenas parcialmente a determinação legal de cobrir todas as perdas com a renúncia das contribuições previdenciárias.
E, entre 2012 e 2015, somente para cobrir os repasses não realizados, foi preciso contabilizar mais R$ 25,7 bilhões.
Os repasses do Tesouro foram inferiores ao que determina a Lei.
A Tabela 17 apresenta os dados da arrecadação das contribuições sociais da Cofins, do PIS e da CSLL em diversos exercícios.
REFIS
Os dados da Tabela 17 estão submetidos a muitas variáveis que dificultam o acompanhamento de uma série histórica. Mudanças no plano de contas que deixaram de discriminar as receitas de parcelamentos em 2016, misturando-as na receita do principal; forte influência de receitas de parcelamentos e de um esforço fiscal de arrecadação, mudanças na legislação, enfim vários fatores não recorrentes.
Em relação às renúncias, em 2017, elas representaram 23% da arrecadação dessas contribuições. Em 2010, eram 19,2%; e, em 2005, apenas 6,3%.
A evolução das renúncias é um importante fator para explicar a queda dessas receitas em relação ao PIB.
Entre 2005 e 2010, a arrecadação dessas contribuições situou-se na faixa de 6,1% do PIB, e já apresentavam uma tendência de queda, já que as renúncias foram triplicadas em relação à arrecadação efetiva.
A partir daí, com maiores renúncias e queda na economia, a arrecadação caiu de 5,9% do PIB em 2013, para 5,2%, em 2016.
A Tabela 17, por meio dos números de soma de renúncias e arrecadação em relação ao PIB, mostra como até 2013, as renúncias foram o principal fator a diminuir a arrecadação.
A partir de 2014, a diminuição do crescimento e depois a recessão passaram a também influenciar negativamente a arrecadação.
Outro dado importante que a tabela permite acompanhar até 2015 é o pequeno efeito dos diversos parcelamentos sobre a arrecadação.
Eles representam um comportamento indesejável da administração, leniente com a inadimplência e a sonegação e de baixo resultado fiscal.
Resultam em uma arrecadação que em média representa menos de 2% do total dessas receitas.
Desde 2009, o chamado “Refis da Crise” (Lei nº 11.941/2009) concedeu condições muito generosas de refinanciamento do débito tributário.
Em 2013 e 2014, tivemos reabertura de prazos, novos parcelamentos e muitos perdões. E até um novo Refis, dirigido para débitos do sistema financeiro e das empresas nacionais com subsidiárias no exterior (MP 627, convertida na Lei nº 12.973/2014).
Em 2017, houve novos parcelamentos.
Esses sucessivos parcelamentos têm sido apontados como uma leniência em relação à irregularidade fiscal das empresas.
O Refis da Crise, por exemplo, determinou facilidades que acabam por incentivar a sonegação: parcelamentos em até 15 anos, redução de 100% sobre o valor do encargo legal e de 80% a 100% das multas de mora e de ofício; com a repactuação dos diversos parcelamentos anteriores, com redução integral dos valores de encargo legal, e de 40% a 80%, para as multas.
E, durante a tramitação, um dispositivo foi incluído dando um prêmio extra para as grandes empresas: os ganhos decorrentes da reversão de provisionamentos feitos em razão desses débitos (principal, juros e multas) ficaram isentos de tributos.
Ou seja, ao fazer a provisão, essas empresas diminuíram os lucros e os tributos a serem pagos.
Ao reverterem em parte essas provisões (já que as condições diminuíram juros, multas e encargos legais) se apropriaram dessa parcela do lucro provisionado e ficaram novamente isentas.
Conjugados sucessivos parcelamentos, com perdão de encargos legais, juros e multas, e uma decadência quinquenal, a negação do contribuinte de suas obrigações tributárias pode passar a ser avaliada como um crime que compensa.
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Essa reforma tem de ser combatida pois só vai servir para os banqueiros se apossarem dos recursos da previdência e obrigar todo mundo a aderir a previdência privada e enriquecer mais esses rentistas malditos.
TODOS OS GOVERNOS ANTERIORES, EMPURRARAM A REFORMA DA PREVIDÊNCIA, PARA FICAREM BEM COM OS SEUS ELEITORES, A SITUAÇÃO SOBROU PARA O PRESIDENTE BOLSONARO TER QUE RESOLVE A SITUAÇÃO, QUE NÃO FOI CRIADA POR ELE, OS QUE PASSARAM, DEVERIAM TER RESOLVIDO, MAS PREFERIRAM A POLITICAGEM E ESTAR BEM COM O POVO.TODOS OS GOVERNOS ANTERIORES, SABIAM DO ROMBO E DO ROUBO NA PREVIDÊNCIA.
POQUE NUNCA COBRARAM DAS 500(QUINHENTAS) EMPRESAS, CLUBES DE FUTEBOL E ÓRGÃOS PÚBLICOS QUE DEVEM A PREVIDÊNCIA, E TB , SACRIFÍCIO DO PODER LEGISLATIVO E DO JUDICIÁRIO.
É UMA MEIA REFORMA, EM QUE PRIVILEGIADOS E DEVEDORES , FICARÃO FORA E NO ESQUECIMENTO.
Vamos ver se entendemos a sua tese: já que os presidentes anteriores não fizeram o mal (o que não é verdade, pois já houve quatro reformas da Previdência desde 1995), o Bolsonaro agora tem que fazer o mal, inclusive deixando de fora os “privilegiados” e “devedores”. É isso? Agora, para que berrar tanto para dizer uma coisa tão sem pé nem cabeça?