James Watson, a quem, junto com Francis Crick e Maurice Wilkins, é atribuída a descoberta da estrutura helicoidal dupla do DNA foi destituído, no dia 14, dos seus títulos honorários, pelo Laboratório Cold Spring Harbor (CSHL), subsidiário da Universidade de Harvard, após reincidência em declarações racistas com base em supostas e inexistentes ‘comprovações’ apontando relações entre genética e diferenças de QI entre brancos e negros.
No documentário “Mestres Americanos: decodificando James Watson”, divulgado em 2 de janeiro deste ano, pela rede norte-americana PBS (Public Broadcasting Service), Watson afirma que “não existe novo conhecimento que negue as afirmações anteriores”, referindo-se a declarações dele próprio, em entrevista concedida ao jornal inglês Sunday Times, em 2007, na qual já afirmara que há relação entre genética e diferenças de inteligência entre brancos e negros. Watson diz agora que “a média dos testes de QI” confirmariam estas diferenças.
Watson acrescenta que não sente prazer com “a diferença entre brancos e negros”, e que preferiria que não existisse. “É horrível, como é horrível a situação dos esquizofrênicos”, declara.
Na entrevista de 2007 ele vai até o ponto de sugerir mudanças em atitudes políticas com base nas suas divagações sobre ‘ciência’ para corroborar preconceitos racistas. Afirma que “estava melancólico sobre as perspectivas da África” porque “todas as nossas políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles é a mesma que a nossa, enquanto que todos os testes dizem que não, realmente”.
Logo adiante ele prossegue dizendo que gostaria que as raças fossem iguais, mas “as pessoas que precisam tratar com empregados negros percebem que isso não é verdade”.
Após aquelas barbaridades, o Laboratório que dirigia, o CSHL e do qual chegou a ser reitor, o destituiu de todas as funções administrativas e ele deixou de ser convidado a dar palestras.
Diante do repúdio à entrevista, Watson fez uma breve reparação e o laboratório resolveu manter seus títulos honorários até agora.
Na reparação – em 2007 – ele afirma que negava “irrestritamente” o que dissera e que o fizera com a intenção de “provocar o debate” e que não havia “compreendido que os comentários seriam publicados”.
Já com a atual divulgação do documentário, no qual Watson reincide e explicita seu racismo, o CSHL, que ele dirigiu por muitos anos, o destituiu dos títulos de reitor honorário, curador e professor emérito.
Em nota conjunta o atual presidente, Bruce Stillman, e a presidente do Conselho Curador, Marilyn Simons, declaram que o laboratório “rejeita inequivocamente as opiniões pessoais não substanciais e irrefreadas através das quais o Dr. James Waton se expressou sobre etnicidade e genética”.
“Suas declarações são repreensíveis, sem suporte na ciência e, de nenhuma maneira, representam as visões do CSHL, seus curadores, corpo docente ou estudantes. O laboratório condena o mau uso da ciência para justificar preconceitos”, acrescentam os diretores do CSHL.
“As declarações dele no documentário”, prosseguem, “são completa e absolutamente incompatíveis com nossa missão, valores e políticas e requerem o corte de quaisquer vestígios, que permaneçam, de seu envolvimento com a instituição”.
Francis Collins, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, disse que a maioria dos especialistas em inteligência “considera quaisquer diferenças entre os resultados de testes de QI envolvendo brancos e negros como de origem ambiental e não genética”. Collins disse que desconhecia qualquer pesquisa confiável em que a declaração “profundamente infeliz” de Watson possa se basear.
Collins diz ainda que “é decepcionante” que pessoas que trabalham com a ciência “perpetuem crenças tão desprovidas de base científica e tão nocivas”.
Acontece, que, as declarações de Watson, de 2007 ou de agora, não são as únicas de caráter preconceituoso. Em outra oportunidade ele defendeu o aborto, desde que ficasse comprovado que o feto possuísse algum gene que fizesse nascer um homossexual (uma declaração que além de homofóbica, não tem qualquer sustentação científica).
O geneticista de Harvard, David Reich, que publicou um livro sobre genética denominado “Who We Are and How We Got Here” (Quem somos e como chegamos até aqui), declarou que as posições de Watson são “garantidamente erradas”.
Em 2014, alegando que o haviam tornado uma “não pessoa” e dizendo-se em dificuldades financeiras, Watson tornou-se o único ganhador vivo do prêmio Nobel a vender sua medalha. O prêmio Nobel foi concedido a ele, junto com Crick e Wilkins, no ano de 1962.
Ocorre também, que o documentário trouxe à tona opiniões que Watson seguia discutindo de forma constante com pessoas que compartilham de suas visões acerca da supremacia branca.
Tanto assim, que quando Eric Lander, diretor do Instituto Broad, uma parceria entre o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade Harvard, fez um brinde, no ano passado, a contribuições de Watson nas primeiras fases da discussão do Projeto Genoma Humano, foi amplamente criticado e logo resolveu se desculpar.
“Rejeito as visões dele como deploráveis”, escreveu Lander aos cientistas do Broad. “Elas não têm lugar na ciência, que deve receber bem a todos. Errei ao propor o brinde e lamento.”
Watson, agora com 90 anos, não está em condições de responder a solicitações de entrevistas por parte da imprensa, de acordo com membros de sua família. Ele fez suas últimas declarações em junho do ano passado, na última de suas seis entrevistas com Mark Mannucci, produtor e diretor do filme.
A cientista negra, Andrea Morris, alertou para a existência ainda hoje dessas ideias supremacistas brancas. “Não é uma velha história, sobre um cara velho, com visões velhas”, disse Morris, diretora de desenvolvimento de carreiras na Universidade Rockefeller.
Seja como for, é alentador que as visões de Watson tenham recebido essa enxurrada de críticas acerca da sua total falta de sustentação e racismo.
Mas não foi sempre assim, ao contrário.
A concepção supremacista branca esteve, durante um longo período, no centro das intensas atividades ligadas à genética desde o final do século XIX e em grande parte do século XX, no interior das mais diversas universidades norte-americanas e institutos ligados a elas e, inclusive em órgãos governamentais e jurídicos dos EUA.
O maior exemplo disso, é que o mesmo laboratório, que agora destitui – como era de se esperar – os títulos honorários de Watson, o Cold Spring Harbor (CSHL), criou, em 1889, o Departamento de Eugenia, com base em ideias de purificação das raças inicialmente desenvolvidas por Francis Galton, ao final do século XIX. Foi Galton quem desenvolveu o termo ‘eugenia’, com base na junção da palavra grega eu – bom com a palavra gene, criando uma “ciência” dedicada a “promover raças ou estirpes sanguíneas mais adequadas”.
Essa falsificada “genética”, voltada a dar foros de ciência ao racismo, teve em Harvard um dedicado e lamentável apoio que se estendeu a outras renomadas universidades, a exemplo de Yale, Stanford e Virgínia que, junto à primeira, se colocaram na linha de frente deste tipo de “formulações”.
Uma estúpida prática que se estendeu até o início dos anos 1940, quando, tais funestos “estudos”, não só norte-americanos, mas estendidos a universidades europeias, serviram de base para o nazismo conceber e perpetrar os crimes de extermínio que horrorizaram o mundo (é do braço direito de Hitler, Rudolf Hess, a frase: “O nacional-socialismo não é nada mais que a biologia aplicada”).
A eugenia refluiu nos Estados Unidos, a partir do momento em que os campos de concentração alemães começaram a funcionar. Mas não foi de todo extirpada, como vemos no infeliz exemplo de Watson e em outros que o leitor poderá acompanhar na continuação desta matéria.
NATHANIEL BRAIA