A luta do povo brasileiro, no que se refere à Previdência Social, à previdência pública, é para impedir que Guedes e Bolsonaro estrangulem as aposentadorias e privatizem o setor – ao modo do Chile, modelo declarado de Guedes, onde 91% das aposentadorias vão até meio salário mínimo do país (v. Previdência que Bolsonaro quer adotar deixou 91% com meio salário mínimo no Chile, e, também, Sem previdência pública, Chile tem suicídio recorde entre idosos com mais de 80 anos).
Certamente, teremos, depois, quando houver um governo decente no Brasil – um governo nacional – de aumentar os direitos previdenciários dos trabalhadores e aumentar os proventos das aposentadorias, inclusive eliminando as restrições de direitos impostas sobretudo desde o governo Fernando Henrique e sua “reforma da Previdência”.
O que é essencial, inclusive, para expandir nosso mercado interno e tornar possível, em escala correspondente às nossas necessidades, a reindustrialização do país.
Mas, no momento, a luta é para impedir os intentos de Guedes e Bolsonaro – até porque, a rigor, não precisamos de nenhuma “reforma da Previdência”, pois não existe nenhum problema estrutural no Regime Geral da Previdência Social.
O que existem são problemas provocados pelos desvios de seus recursos por governos fixados em transferi-los para o setor financeiro; e problemas advindos da recessão – da ausência e retrocesso no crescimento.
Com certeza, a Previdência Social não foi concebida e construída para um país onde não há crescimento. Mas, nisso, ela é igual ao Brasil, que também não foi construído para não crescer.
No entanto, a ex-presidenta Dilma Rousseff não concorda com isso – e já não concordava quando estava no Planalto e executou uma “reforma da Previdência” especialmente injusta (além de projetar outra que, do ponto de vista da essência, em nada se distingue daquela tentada por Meirelles e Temer).
No último dia 18, ela publicou, em seu site, um texto de seu ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, curiosamente intitulado “Carta ao Povo Petista”, com uma defesa da “reforma da Previdência”. É verdade que, segundo ele, uma reforma da Previdência petista.
Já veremos em que a reforma da Previdência petista se distingue daquela de Guedes e Bolsonaro – ou daquela de Meirelles/Temer.
No texto publicado por Dilma, o que Barbosa propõe é que o PT apoie a reforma da Previdência, apresentando um substitutivo, ao invés de lutar contra a reforma da Previdência de Guedes e Bolsonaro. Por mais que ele chame esta última de “Frankenstein”, o que ele diz é o seguinte:
“Pode haver greve geral, passeata, abaixo-assinado de intelectuais e artistas, show na Cinelândia e manifestação no Tuca. Ainda assim a reforma do nosso sistema de aposentadorias é necessária por questões de justiça social e reequilíbrio orçamentário.”
Justiça social?
Será aquele senso de “justiça social” que fez Dilma cortar os recursos do seguro-desemprego, ao mesmo tempo em que promovia uma catastrófica recessão, deixando milhões de trabalhadores sem emprego?
Quanto ao “reequilíbrio orçamentário”, Barbosa nem se preocupa em saber qual é a situação atual da Previdência.
Muito menos em saber qual é a causa de alguns eventuais problemas: o desvio de recursos da Previdência através da Desvinculação de Receitas da União (DRU), mantida em 20% pelo governo Dilma; a diminuição da arrecadação pelas desonerações estabelecidas principalmente pelo governo Dilma; e a redução do número de trabalhadores com carteira-assinada, devido à recessão provocada pelo governo Dilma – do qual, repetimos, Barbosa foi ministro da Fazenda.
Nem se preocupa ele, também, em saber se as contas do governo – que, além de reduzirem receitas, aumentam artificialmente gastos pela colocação de despesas estranhas à Previdência na conta desta – estão certas ou erradas (para essas questões, v. A fabricação do “déficit” da Previdência).
Pelo contrário, Nelson Barbosa e Dilma estão inteiramente de acordo com Guedes, Meirelles, Temer e Bolsonaro: o déficit da Previdência é um dogma e não pode nem ao menos ser conferido, pois isso causaria, na opinião dessa turma, uma diarreia nos apostadores do mercado financeiro – e isso não pode; causar diarreia somente é permitido nas crianças pobres e nos pobres idosos.
Vejamos, então, a primeira parte do que disse Barbosa, no trecho que citamos: “Pode haver greve geral, passeata, abaixo-assinado de intelectuais e artistas, show na Cinelândia e manifestação no Tuca”.
Esse desprezo pelas manifestações populares é bem característico de certa mentalidade que tomou o PT. Não é por acaso, também sob esse aspecto, que esse texto foi publicado por Dilma (basta lembrar a convocação que esta fez, em outubro de 2013, de um aparato policial, e, inclusive, militar, para reprimir as manifestações contra o leilão do campo de Libra, o maior campo petrolífero do mundo, descoberto pela Petrobrás).
Quando não se concebe, como política, mais do que uma encenação demagógica, a tendência dos farsantes é achar que tudo é farsa – inclusive as greves gerais, as passeatas, os abaixo-assinados e outras manifestações, inclusive, supomos, o show na Cinelândia contra o impeachment de Dilma…
Mas, diz Barbosa, não adianta resistir – um lema muito popular entre os borgs, aquela multi-raça de alienígenas, cujo ideal é ser máquina, que quase destrói a Terra em “Jornada nas Estrelas: a nova geração”.
Então, que “reforma da Previdência” estão propondo Barbosa e Dilma?
Antes, porém, é preciso uma observação sobre essa última.
COONESTAÇÃO
O texto de Barbosa, com seu insosso molho de mediocridade, não teria importância alguma – seria apenas mais uma genuflexão petista diante do status quo neoliberal (ou seja, financeiro) – se não fosse publicado por Dilma, e com destaque, inclusive com uma avantajada chamada na home do seu site, retrato do autor, etc.
A importância do texto está, exatamente, em que reflete a posição de Dilma – e, portanto, do PT ou de parte do PT. O fato do artigo ser medíocre é apenas mais uma prova nesse sentido.
Mas não é a única: o que Barbosa defende é na mesma direção do que fez Dilma na Presidência – aliás, apoiada por Lula e por toda a cúpula do PT – ao restringir as pensões das viúvas, o auxílio-doença, o seguro-desemprego, o Abono Salarial e o Seguro Defeso dos pescadores (Medidas Provisórias 664 e 665, convertidas nas leis nº 13.135 e nº 13.134: v. HP 28/01/2015, Dilma montou corte de direitos do trabalhador antes da eleição).
Acrescente-se que Dilma fez isso em dezembro de 2014, à beira da maior recessão da história do país, provocada por seu governo, exatamente quando os trabalhadores e suas famílias mais precisavam desses direitos, em especial o seguro-desemprego.
Que Lula e o PT tenham apoiado essa infâmia, apenas revela a sua deterioração.
Mas, foi para resolver algum problema, da Previdência ou do FAT, que esses cortes foram realizados?
Absolutamente nenhum.
O objetivo foi o “ajuste” – ou seja, passar renda dos trabalhadores para o setor financeiro, sobretudo via juros.
Entretanto, diz agora Barbosa, a reforma da Previdência do PT não pode ser “o Frankenstein em elaboração pela dupla Bolso-Guedes”.
Então, o que Barbosa propõe, para um suposto “substitutivo do PT” ao Frankenstein?
Outra vez, literalmente (os grifos são nossos):
“A população brasileira está vivendo mais, e a forma responsável de lidar com essa mudança benéfica é aumentar a receita da Previdência Social. Isso envolve tanto elevar o percentual de contribuição sobre o faturamento de microempresas e ruralistas ao INSS (hoje subtributados) quanto aumentar a contribuição previdenciária de todos os trabalhadores, do setor público e do setor privado.
“Por exemplo, a contribuição dos servidores civis deve subir de 11% para 14% do salário, como aprovou recentemente o governo do PT, na Bahia.
“O mesmo princípio deve valer para o ‘sistema de proteção dos militares’ (não pode chamar de previdência porque eles não gostam), só que com transição mais longa para uma alíquota de 11% (hoje ela está em 7,5%).
“No caso do INSS, a contribuição máxima também deve subir gradualmente, de 11% para 14%. A diferença para os trabalhadores privados é que isso pode e deve ser compensado com a redução da contribuição compulsória para o FGTS, de 8% para 5%.”
A reforma da Previdência petista, que Barbosa advoga, está, portanto, em aumentar a contribuição dos trabalhadores, reduzindo o seu salário – obviamente, quanto maior a alíquota, menor o salário.
Quanto às indecentes desonerações, nem uma palavra; quanto ao desvio através da DRU, para passar dinheiro da Previdência para o setor financeiro, também, nem palavra. Quanto ao Refis e outros roubos à Previdência, também, nem uma palavra.
Quanto aos demais setores, ele apenas menciona as “microempresas e ruralistas”.
Nem uma palavra sobre a taxação, hoje ridícula, das multinacionais e do setor financeiro.
E, no caso dos trabalhadores do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), ele quer compensar o aumento da alíquota da Previdência com a redução de um fundo que pertence ao próprio trabalhador.
Como isso é um absurdo – pois saqueia o trabalhador no salário e no FGTS -, Barbosa propõe um remendo: “Em compensação, a remuneração dos novos depósitos [no FGTS] deve subir da TR + 3% ao ano para o rendimento da poupança ou a taxa média paga pelo Tesouro (nisso, sou quase neoliberal)”.
Note o leitor que ele não está propondo um aumento na remuneração do FGTS, mas apenas dos “novos depósitos”. O que já foi depositado continuaria como está, embora todos os trabalhadores, pela proposta de Barbosa, teriam a alíquota da Previdência aumentada e a do FGTS diminuída.
Por que será que Barbosa acha que é “quase neoliberal”?
IDADE MÍNIMA
Mas não é tudo. Chegamos, agora, na questão da idade:
“Também é preciso adotar a idade mínima para novas gerações (por exemplo: quem nasceu a partir de 2003) e criar um regime de transição baseado no fator 85-95 móvel que já existe hoje (…).”
Ou seja, Barbosa está propondo um aumento progressivo da idade mínima para se aposentar, como se o aumento da expectativa de vida dos trabalhadores fosse uma maldição. Exatamente como Guedes e Bolsonaro.
Do ponto de vista ideológico, aliás, que diferença existe entre isso e Bolsonaro? Talvez alguma diferença de forma – ou, talvez, uma quantidade maior de lubrificante para introduzir essa “reforma”.
No entanto, nem disso estamos seguros.
Diz Barbosa, terminando seu artigo: “O fato é que há mais de uma reforma da Previdência possível e, portanto, o PT deve preparar suas alternativas”.
Não é verdade. No momento existe a reforma da Previdência que está sendo montada por Guedes.
É contra essa que teremos de lutar – e já estamos lutando.
Para que o PT, ao invés de lutar contra o ataque à Previdência de Guedes/Bolsonaro, deve preparar uma outra “reforma da Previdência”?
Primeiro, para fazer mais uma encenação.
Segundo, para legitimar a “reforma” de Bolsonaro, embora chamando-a de “Frankenstein”.
Pois, evidente, a consequência da reforma que Barbosa está propondo seria:
1) dar o aval do PT a Bolsonaro, Guedes e seu pseudo-diagnóstico de que a Previdência tem um problema estrutural – e não problemas causados pela própria política do governo;
2) dar aval ao próprio conteúdo da reforma de Guedes (aumento da idade mínima, aumento das alíquotas, etc.).
É verdade, Barbosa não falou na famigerada “capitalização”, a proposta do Banco Mundial que causou a tragédia no Chile (v. Como esfolar o povo: o engodo da “capitalização” da Previdência, e, também, O Banco Mundial e a farsa da capitalização da Previdência).
Mas, depois do que disse, falta muito pouco para chegar lá – se é que não chegou, mas não achou propício falar nisso agora.
Porque, tudo o que disse vai nesse sentido.
VIDRAÇAS
Qual é o fundo político, mais geral, da posição de Dilma e Barbosa?
Na primeira parte do texto, ele apresenta a tese de que o PT, como “líder da oposição democrática”, não deve atirar pedras em Bolsonaro, pois isso não é racional ou civilizado.
Vamos, outra vez, citar literalmente o que escreveu o ex-ministro de Dilma – e esta publicou em seu site:
“Sei que alguns preferem deixar Bolsonaro ser vidraça, mas, quando o vidro quebrar, isso prejudicará a todos.”
Ou seja, é melhor não atirar pedras nessa vidraça.
Pelo contrário, diz ele, “como principal partido de oposição e defensor da democracia, o PT deve manter a racionalidade, a civilidade e a esperança no debate público. Apostar no ‘quanto pior, melhor’ é irresponsável e suicida, vide a situação melancólica do PSDB, do DEM e do MDB”.
Portanto, somos informados que o declínio do PSDB, do DEM e do MDB é porque eles “apostaram no quanto pior, melhor”.
E o declínio do PT, por que terá sido?
Por que apostou no “quanto melhor, pior”?
O melhor, evidentemente, para Barbosa, era que o PSDB, o DEM, o MDB, e até as legiões celestes, sustentassem Dilma no governo, com sua política de devastação do país (seja a de Joaquim Levy, seja a do próprio Nelson Barbosa), que em nada se distinguia daquela, depois, de Meirellles/Temer, ou do que Guedes e Bolsonaro pretendem perpetrar.
É verdade que, quanto ao “ajuste”, PT, PSDB, DEM e PMDB eram iguais: todos a favor da devastação do país para aumentar a parcela do produto social – renda e patrimônio – apropriada pelo setor financeiro.
Esse é, aliás, o argumento implícito – mas não dito – de Barbosa: se todos concordavam com a devastação, por que não apoiaram a devastação do PT?
O problema – que ele não menciona, obviamente – é o estelionato eleitoral de Dilma e do PT: depois da campanha mais suja que já houve no país, bancada com dinheiro roubado da Petrobrás e dos fundos de pensão, Dilma, em apenas alguns dias após a reeleição, fez exatamente o contrário do que dissera na campanha – desde os juros ao “ajuste”, até o corte de direitos previdenciários dos trabalhadores e o desemprego em massa.
Houve, então, 3 milhões e 200 mil desempregados em 16 meses, com a adesão mais submissa do PT e do governo Dilma ao neoliberalismo mais estúpido.
A crença de que o povo é composto de imbecis é uma crença somente possível a imbecis.
Por isso, o estelionato eleitoral tornou insustentável, como já acontecera com Collor, o governo Dilma.
Porém, esse estelionato eleitoral não se constituiu apenas em fazer, depois da eleição, tudo o que Dilma & cia. disseram, durante a campanha eleitoral, que não fariam – inclusive em fazer aquilo de que Dilma acusara os adversários eleitorais.
No meio desse tsunami de indignidades, a Operação Lava Jato revelou qual era a base desse estelionato, ou seja, qual a real opção de Lula e do PT: o roubo, a propina, o acobertamento aos assaltantes do dinheiro e do patrimônio públicos para ficar com uma parte do butim.
Já nessa época, tanto Lula quanto Dilma quanto Barbosa se declararam a favor de uma “reforma da Previdência”. Enquanto roubavam a Petrobrás – está aí o Palocci que não nos deixa mentir – defendiam a ampliação do tempo de escravidão no trabalho e o corte de direitos.
Sobre esse assunto, para economizar o nosso latim, o leitor poderá consultar o resumo que a Agência Brasil fez do discurso de posse de Barbosa no Ministério da Fazenda, em dezembro de 2015, prometendo, com as palmas de Dilma, a “reforma” (cf. Barbosa: proposta de reforma da Previdência será enviada no primeiro semestre).
Repare o leitor que, nesse discurso, também está a promessa de impor um limite de gastos à União – exatamente o que Meirelles fez em seguida, aproveitando o projeto de Barbosa/Dilma.
TRAJETÓRIA
Esse tipo de adesão de Lula e seus consorciados às teses da reação, sobretudo na questão da Previdência, não é recente.
Aqui, remeteremos o leitor a um excelente estudo sobre a adesão de Lula ao que, na campanha eleitoral de 2002, havia jurado combater – a reforma da previdência dos servidores – e, logo em seguida, em 2003, executou: “O governo Lula e a contra-reforma previdenciária”.
Sobre o governo Dilma, além do que já foi dito, resta acrescentar que Dilma e Barbosa não tiveram tempo, mas o seu projeto de “reforma da Previdência” em nada ficava a dever, em selvageria neoliberal, ao de Meirelles/Temer – e, provavelmente, nem ao “Frankenstein” de Guedes.
Os fundamentos desse projeto foram apresentados pelo então secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Manoel Pires, no seminário “Reforma da Previdência: uma oportunidade para o Brasil“, promovido pela Fundação Getúlio Vargas (cf. Manoel Pires, Uma visão geral do processo de reforma da previdência).
Agora, leitores, só para terminar. Esses problemas, realmente, não são de hoje.
Vejamos, por exemplo, o jornal “O Estado de S. Paulo”, do dia 22 de janeiro de 1996, quando o governo Fernando Henrique, em seu segundo ano, fazia a sua “reforma da Previdência”:
C.L.