A última vez que um presidente não proferiu esse discurso no Congresso na data marcada foi em 1986, quando o ônibus espacial Challenger explodiu e matou sete astronautas, horas antes do pronunciamento de Ronald Reagan
Em nova evidência de que a ideia de deslanchar a campanha pela reeleição em 2020, através do confronto pela verba para o muro na fronteira, pode acabar saindo pela culatra, o presidente Trump, depois de idas e vindas diante da oposição da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, tuitou afinal que não fará o discurso do Estado da União até que acabe o fechamento do governo federal causado por ele próprio. Ou seja, encaçapou o adiamento que não admitia. O fechamento já dura 35 dias.
A última vez que o Discurso do Estado da União não fora proferida na data marcada foi em 1986, quando o ônibus espacial Challenger explodiu no lançamento matando sete astronautas horas antes do pronunciamento de Reagan, que o adiou por uma semana. O discurso é feito desde 1913 perante sessão conjunta do Congresso dos EUA.
Nenhum ônibus espacial explodiu este ano, mas em compensação o que parece estar indo pelos ares é a capacidade das duas alas de direita do establishment manterem pelo menos a aparência de normalidade num país onde o presidente está sendo objeto de investigação, pelos federais, sobre se é “agente russo”, criando suspeição sobre uma coisa tão óbvia quanto a necessidade de diplomacia entre superpotências nucleares.
O portal The Hill já previu que a disputa presidencial de 2020 será “a mais feia da história” e, pelo lado democrata, destronada a preferida de Wall Street, Hillary, todo dia aparece um novo pretendente a ir às urnas contra Trump. Nesta sexta-feira, 800 mil servidores federais – incluindo os terceirizados – irão ficar sem receber, e é cada vez mais difícil ocultar o caos que o ‘fechamento’ está provocando, dos aeroportos à fiscalização sanitária. Conforme o Democracy Now, 4 Milhões de terceirizados de órgão federais fechados não tem qualquer perspectiva de vir a receber
As pesquisas – parece que dessa vez o advogado ‘quebra galho’ Cohen não estava disponível para comprar e consertar o resultado – estão sugerindo que, para a maior parte da população, a culpa pelo ‘fechamento’ de serviços, fiscalizações, programas sociais e até tribunais é principalmente de Trump (64% x 31% os democratas, conforme prospecção Associated Press-NORC). A aprovação de Trump afundou oito pontos, para 34%, em relação ao mês passado. Conforme pesquisa da CBS News, 70% acham que não vale a pena fechar o governo por causa do muro, incluindo 43% de republicanos.
Também um dos principais conselheiros econômicos de Trump, Kevin Hassett, advertiu que se o fechamento do governo se estendesse até março, o crescimento do PIB dos EUA no trimestre poderia ser “zero por cento”. O Washington Post havia asseverado que o chefe de gabinete em exercício, Mick Mulvaney, se preparava para que durasse “até abril”.
Provavelmente, foi isso que fez Trump, que chegou a cogitar fazer o discurso em outro local, passar a tuitar que a retirada do convite para o pronunciamento no Congresso era “prerrogativa” da democrata Pelosi. As próximas votações no Senado, por falta de consenso que garanta os 60 votos da aprovação, não devem alterar esse impasse.
Trump chegou a propor trocar os US$ 5,7 bilhões para a construção do muro pela restituição aos dreamers – os imigrantes que chegaram ainda crianças – das proteções parciais que o próprio presidente bilionário havia cassado (embora na prática inviabilizando agora o asilo de crianças), mas a liderança democrata recusou. Agora os democratas estão com a contraproposta de que liberariam o dinheiro, não para um muro físico, mas para barreiras de alta tecnologia, como drones e outros dispositivos.
Não deixa de ser irônico o pretexto usado por Pelosi para o não convite: os agentes do serviço secreto estariam estressados por trabalharem sem receber. O que havia sido rebatido por porta-voz da Casa Branca à Fox News: “se o Serviço Secreto pôde proteger o presidente dos Estados Unidos na viagem ao Iraque, há chances de que eles possam proteger o presidente nos corredores do Congresso ”.