As buscas pelas vítimas do rompimento da barragem da mineradora Vale na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG) continuam. A avalanche de rejeitos de mineração que devastou parte da cidade, na região metropolitana de Belo Horizonte, na última sexta-feira (25), deixou até o momento 65 mortes. Os bombeiros que trabalham nas buscas e resgate de soterrados estimam em ao menos 292 os desaparecidos e, com o passar do tempo, as chances de encontrar sobreviventes diminui cada vez mais.
O mar de lama da Vale causou um rastro de destruição. O prédio de escritórios e o refeitório da mineradora foram soterrados, bem como casas, pousadas e sítios. Os rejeitos de minérios atingiram o rio Paraopeba, um dos afluentes do rio São Francisco, que é responsável pelo abastecimento de 2/3 da região metropolitana de BH.
As centenas de bombeiros militares, civis, brigadistas e voluntários que atuam na tragédia provocada pela barragem de rejeitos de minério de ferro da Vale, em Brumadinho, na Grande BH, enfrentam situações adversas e momentos de grande emoção que surpreendem até mesmo os profissionais mais bem preparados para enfrentar desastres.
Nesta segunda-feira, o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais mobilizou um efetivo de 280 homens para prosseguir na busca de vítimas da tragédia de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os Bombeiros realizam um trabalho árduo, meticuloso, que requer muito treinamento, com a lama até o nariz, para não afundar.
Nesse esforço, eles realizam a sua missão sem a contrapartida mínima do Estado, que é o pagamento em dia dos salários, hoje parcelados, além da quitação integral do 13º salário de 2018, que está atrasado, e sem perspectiva no curto prazo de ser recebido.
Outros servidores que participam do resgate e do amparo às vítimas, entre eles os policiais civis e profissionais da saúde da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), também estão com os salários parcelados e o 13º salário atrasado.
Os familiares e amigos das vítimas reclamam de falta de informações e apoio por parte da Vale.
Aline Romão procura o marido Jonis Andrei Nunes, de 48 anos, que há 13 anos trabalha na mina em Brumadinho. Aline conta que ele ligou para ela na sexta-feira, pouco antes do meio-dia. Queria saber como ela estava e avisou que ia almoçar. Desde então, ele não atende.
No sábado, uma sobrinha dela foi ao IML, mas foi orientada a levar fotos e documentos do tio. Aline voltou ao local no domingo para complementar as informações. “Trouxe fotos, porque os documentos dele eu sei de cor”, disse Aline a BBC. Ela reclama da falta de apoio da Vale. “Não nos assessora, não dá notícia. Nem um telefona pra gente a Vale deu”, reclamou.
“Apoio mesmo só da família e dos amigos”, diz Júlia Cristina, sobrinha de Jonis, que acompanhou a tia Alie no IML.
Aline Xavier, que procura o irmão e os primos, também reclama do atendimento da Vale. Diz ter registrado na ouvidoria o desaparecimento do irmão Gustavo Andrie Xavier, de 29 anos, mas que não consegue nenhuma informação da empresa. Mecânico da Vale, ele tinha voltado de férias um dia antes da barragem romper. “Acordou atrasado na sexta, meu pai falou pra ele não ir trabalhar, mas ele foi assim mesmo”, contou.
Ela ainda procura a prima Letícia Mara Anísio Almeida, enfermeira de 28 anos, os primos André Luiz Santos, operador de máquina de 34 anos, e Luciano de Almeida Rocha, de 40 anos.
Além deles, também busca notícias sobre a mulher do primo, Daiana Caroline Silva Santos, de 32 anos, que acabara de voltar de licença maternidade e é mãe do Heitor de 4 meses.
“Não tenho conhecimento de ninguém da Vale nos procurando, nenhum morador, apenas bombeiros e defesa civil. Está todo mundo na ansiedade e a Vale não está dando suporte. Até agora, a única coisa que ela fez foi matar pais de famílias e destruir sonhos em um monte de barro. Até quando eles vão continuar matando gente? Já foi Mariana agora chega aqui em Brumadinho e no Parque da Cachoeira”, diz Adilson de Souza, presidente da associação do bairro.
Veja vídeo da ação dos bombeiros brasileiros:
Search operations are under way to find almost 300 people who have been missing after a dam burst in Brazil's southeastern city of Brumadinho https://t.co/9YJKJ49Z7C pic.twitter.com/tmdyGUJIwX
— The Ankara Times (@TheAnkaraTimes) January 28, 2019
Ele conta que, há cerca de seis meses, representantes da Vale chegaram a fazer duas palestras para mostrar que o complexo de mineração era seguro. Raiane Resende, agente de saúde do bairro, lembra que durante a exposição eles comunicaram que a empresa daria treinamentos para rotas de fuga em caso de rompimento, o que nunca foi feito, segunda ela. “Lembro que ficamos assustados, mas a representante da Vale assegurou que era apenas um treinamento porque, nem se tivesse o pior dilúvio em Brumadinho, as barragens cederiam. Para tranquilizar os moradores, ela ainda disse que trabalhava na área administrativa, logo abaixo da barragem”, conta. “Mas nem precisou de dilúvio, né? Hoje temos um morador desaparecido e 40 casas perdidas. O que eles farão?”, completou Souza.
RESGATE
O resgate é um processo lento. Buscar vítimas nos escombros, identificar corpos. A esperança da sobrevivência dos demais diminui. À medida que as horas passam, o desespero cresce. O choro é rotina entre os que querem saber se ainda há chances de alguém ser encontrado vivo.
Centenas de voluntários foram a Brumadinho para ajudar nos resgates e no apoio aos familiares de vítimas.
O socorrista Diego Dias foi ao local para prestar ajuda. Ele mora em Queluz (SP) e chegou à cidade mineira por volta das 2h30min de sábado. Por ter experiência com primeiros socorros, transitou pela região atingida pelos rejeitos junto com uma equipe da Cruz Vermelha.
Pelas margens da lama, procuravam vítimas. Quando avistavam um corpo, informavam a uma equipe do Corpo de Bombeiros, que ia de helicóptero ao local. “Ninguém conseguia andar no barro, então somente o helicóptero poderia retirar os corpos”, relatou. A equipe da qual fez parte não encontrou nenhum sobrevivente.
Diego e outros ocupantes do veículo da Cruz Vermelha passaram pelas casas de pessoas que vivem à beira do rio Paraopeba.”Explicamos que era uma área de risco e orientamos que eles deveriam ir para um lugar mais seguro, como escolas e faculdades, que a defesa civil da região disponibilizou. Muitas daquelas pessoas eram idosas, sem recursos e sequer sabiam o que estava acontecendo. A única coisa que eles nos disseram era que haviam estranhado que na noite anterior sentiram a terra tremer”.
Ele conta que uma das situações mais complicadas era quando familiares cobravam respostas sobre desaparecidos. “Eu fiquei muito chocado ao ver famílias gritando desesperadas e pedindo respostas. Nós, voluntários, não tínhamos essas respostas”, lamenta.
“A televisão mostra imagens que faz parecer com que o trabalho do resgate é bonito. Mas, no local, presenciando pessoas gritando, crianças chorando, postes pegando fogo e barro descendo. É uma coisa muito forte. Foi chocante. Não tenho como explicar”, declarou.
O programador Felipe Butcher, que mora no bairro Casa Branca, seguiu para a região ainda no início da tarde de sexta-feira, logo que viu mensagens sobre a tragédia em grupos de WhatsApp.
“A minha casa é próxima ao ‘Feijão’. Logo que cheguei, ainda havia poucos bombeiros. A base da operação estava sendo montada. Estavam chegando ambulâncias e helicópteros. Em pouco tempo, havia mil bombeiros, equipes de polícia e o mais triste de todos: o caminhão preto do Instituto Médico Legal (IML)”, declarou.
“Era uma cena surreal. Coisa de filme. Famílias estavam atrás da cerca chorando e, de longe, tentavam ver se era um deles. Hora chegava corpo, hora chegava alguém vivo. Os corpos eram colocados no caminhão do IML e levados o mais rápido possível. O caminhão ia cheio e voltava vazio, como se fosse carga”, detalhou.
Ao avaliar os dias em que auxiliou os resgates, ele ressalta que a parte mais difícil foi acompanhar os corpos sendo encaminhados ao IML. “Outra parte triste é saber que tem gente que provavelmente nunca vai ser encontrada”, lamentou.
Ele e alguns voluntários desceram até as regiões atingidas pelos rejeitos. “Andamos pouco, porque nos mandaram voltar. Com medo, voltamos”, diz. Quando retornaram para o lugar onde estavam as equipes de resgate, ele comenta que viu helicópteros puxando corpos, já envoltos em plásticos pretos.