Informou o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, que o alarme da barragem de Brumadinho não tocou porque “a sirene foi engolfada pela barragem antes que ela pudesse tocar”.
Se não fosse a tragédia, com mais de uma centena de mortos e mais de duas centenas de pessoas desaparecidas, seria uma tentação ir para o campo da galhofa.
Mas esse direito nós não temos – e ninguém tem.
Resta apenas frisar que a Vale instalou uma sirene em um local onde ela seria a primeira atingida, em caso de catástrofe.
De certa forma, é uma síntese da preocupação humana da Vale e outras mineradoras.
Assim, a pergunta “como foi possível, depois do desastre de Mariana, acontecer o desastre de Brumadinho?”, foi respondida por Maria Teresa Corujo, do Forum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc-CBH):
“Eles [os que controlam as mineradoras] escolheram de forma muito consciente não fazer o que tem que ser feito. Ali, havia trabalhadores que jamais imaginariam que aquela barragem estava sob algum tipo de risco. Isso é o mais monstruoso. Mas eles são tão prepotentes no modo de atuar que, ao fazer as suas operações, eles não fazem o cálculo do pior cenário. Eles trabalham sempre na perspectiva de continuar produzindo muito e aumentar o lucro. Quando eles avaliam a legislação, eles pensam que se ela interferir no negócio, não tem problema. Eles fazem lobby para alterar a legislação e deixar o cenário mais fácil para licenciar as obras. Eles não trabalham na perspectiva de que eles atuam com uma atividade econômica de altíssimo risco. Qual o sentido de ter um refeitório abaixo de uma barragem de rejeitos?”
Maria Teresa foi a única integrante da Câmara de Atividades Minerárias de Minas Gerais a votar contra, em dezembro, à pretensão da Vale de aumentar a produção – e não somente isso, como veremos – na Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho.
A Câmara de Atividades Minerárias (CMI) é uma instância do Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais (COPAM/MG), por sua vez um órgão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) de Minas Gerais.
A função da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) é, precisamente, conceder ou não as licenças para os projetos e atividades das mineradoras.
O grifo em “ou não” é porque essa alternativa deixou de existir, mesmo depois da destruição de Bento Rodrigues, em Mariana, com 19 mortos, em novembro de 2015:
“O Copam já teve 40 reuniões. Todas as reuniões são para licenciar a mineração de qualquer forma. Alguns processos têm mais problemas, outros menos. Mas todos são licenciados. Aquilo virou uma fábrica de licenciamento”, declarou Maria Teresa.
ALTERAÇÃO
Aqui, acontece algo semelhante ao que já vimos, em outra situação, no caso da Odebrecht.
A privatização da Vale do Rio Doce (cujo nome foi alterado, em seguida, para Vale S.A.), criou um monopólio privado sobre as riquezas minerais não-renováveis do Brasil (com exceção, evidentemente, da área petrolífera) – especialmente sobre o minério de ferro.
Porém, antes, em 1995, fora alterado o primeiro parágrafo do artigo 176 da Constituição. O texto aprovado em 1988 pela Constituinte era o seguinte:
“A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.”
Em 1995, a Emenda Constitucional nº 6 alterou esse texto para:
“A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.”
Isso abriu as portas – ou, melhor, o subsolo – do país para as mineradoras estrangeiras, a começar pela Anglo American, mas também: Anglo Gold Ashanti, Kinross, Yamana/Briogold, Beadell Resources, Cleveland Mining Company, Brazil Resources, Ashburton, Jaguar Mining, Crusader do Brasil Mineração, Forbes & Manhattan, Orinoco Gold, Minera Gold, Iamgold, Amarillo, Luna/Arizona, Carpathian, Troy, NXGold, Amerix, Brazilian Gold, Magelan, Verena, Golden Tapajós, Guyana Fontier (v. A espoliação mineral do Brasil in América do Sol nº 1).
Houve algumas figuras – sobretudo naqueles bolsões de imbecis que vagam pela Internet – que viram, na entrada dessas mineradoras, um aumento da “concorrência”.
Pelo contrário, a Vale se compôs muito bem com as mineradoras estrangeiras. Tanto internamente – no esquartejamento de Minas Gerais, Pará e outros Estados ricos em minérios – quanto externamente, ao formar com a BHP Billiton e Rio Tinto, um cartel para impor preços de monopólio ao minério de ferro proveniente do Brasil, Canadá e Austrália.
É verdade que, como a China importa oito vezes mais minério de ferro que o segundo maior importador (o Japão), isso faz com que os chineses tenham poder na negociação do preço (algo que os economistas chamam de “poder monopsônico”, isto é, o monopólio ao contrário, não das vendas, mas das compras).
Entretanto, é claro que a participação da Vale no cartel minerário é feita às custas de depredar o nosso país.
Em outras palavras: tal como no caso da Odebrecht, a Vale prefere juntar-se aos monopólios estrangeiros contra os interesses do país: o que importa é o ganho, mais especificamente, o super-ganho.
Dificilmente se pode concluir que a Vale, Anglo American e outras mineradoras conseguem suas licenças e privilégios, assassinando gente debaixo de lama e refugo, por sua honestidade ímpar (ou par). Muito menos, é claro, por sua competência.
Folheando as atas da Câmara de Atividades Minerárias de Minas Gerais, existem argumentações que seriam surpreendentes pela estupidez – se o problema fosse a estupidez.
No entanto, os integrantes não parecem – e não são – estúpidos, apesar de suas argumentações estúpidas.
Em algumas delas, há um odor de carreirismo indiscutível. Em outras, parece haver medo das mineradoras.
Mas, existem aquelas cujo cinismo é explícito.
Achar que isso acontece espontaneamente, sem um razoável estímulo monetário – depois do que aconteceu em Mariana –, não nos parece saudável nem muito inteligente.
Agora, cumpre à Polícia e ao Ministério Público as investigações. Mas temos o direito – e, mais que o direito, o dever – de desconfiar e tornar suspeitas as ações para privilegiar as mineradoras. Há 110 cadáveres – no mínimo – que nos dão esse direito e exigem esse dever.
Podemos começar pela seguinte questão, que já levantamos em outro artigo: por que, de todos os secretários do governo de Fernando Pimentel, do PT, o novo governador, Romeu Zema, do Novo, resolveu manter o secretário do Meio Ambiente, Germano Luiz Gomes Vieira, o mesmo que deflagrou, no governo petista, o protecionismo escancarado à Vale e às outras mineradoras?
O que Zema acha do assunto é que a regulação das mineradoras deve ser entregue ao mercado. Vejamos o seguinte trecho de seu programa de governo, registrado no TRE-MG:
“Grande parte dos licenciamentos feitos hoje pelo estado desincentivam o ambiente de negócios, criam burocracia, atrasos e muitos gastos para quem deseja empreender. (…) Assim, a atividade regulatória exercida pelo estado deve presumir a inocência por parte do agente econômico, e em contrapartida deve-se garantir que a punição e a responsabilização serão severas em caso de irregularidades. Ademais, é possível transferir parte da atividade de regulação para o mercado por meio de certificações e selos de instituições privadas, de forma a incentivar ainda mais o ambiente de negócios” (cf. Romeu Zema, Plano de Governo, p. 18).
Ao presumir a “inocência por parte do agente econômico”, qualquer fiscalização torna-se impossível, pois a própria necessidade de fiscalizar pressupõe a possibilidade de culpa, de infração, de transgressão.
Porém, essa política é a mesma de Pimentel – que levou ao crime de Brumadinho.
Já se sabe, portanto, por que Zema manteve o secretário do Meio Ambiente do governo do PT.
TRAMITAÇÃO
O rito funcionava do seguinte jeito: a mineradora pedia a licença.
No caso de Brumadinho, a Vale pediu, e foram concedidas, três licenças ao mesmo tempo: a Licença Prévia (LP), a Licença de Instalação (LI) e a Licença de Operação (LO) – o que é um absurdo, pois essas três licenças deveriam constituir três etapas do licenciamento (“licenciamento trifásico”), para que se pudesse verificar, em cada fase, determinado projeto – sua adequação, seu interesse social e seu risco, inclusive com a participação da população que será atingida.
Além disso, em Brumadinho, a Vale pediu o licenciamento por 14 anos, até 2032.
Mas, continuando o rito: o segundo degrau era (ainda é) a confecção de um “Parecer Único” pela Secretaria do Meio Ambiente, mais especificamente, pela Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri) dessa Secretaria.
Esse Parecer Único é que era julgado pela Câmara de Atividades Minerárias.
O Parecer Único, em geral, tinha uma renúncia-padrão às responsabilidades. Por exemplo, no Parecer Único sobre a Mina do Córrego do Feijão há o seguinte parágrafo:
“Cabe esclarecer que a Superintendência de Projetos Prioritários não possui responsabilidade técnica e jurídica sobre os estudos ambientais apresentados nesta licença, sendo a elaboração, instalação e operação, assim como a comprovação quanto a eficiência destes de inteira responsabilidade da(s) empresa(s) responsável(is) e/ou seu(s) responsável(is) técnico(s)” (cf. Parecer Único nº 0786757/2018 (SIAM), de 20/11/2018, p. 101).
Como é que um órgão do governo, a Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri) da Secretaria de Meio Ambiente, apresenta um parecer descaradamente a favor de estender privilégios de uma mineradora por 14 anos, e estabelecer outros, sem se responsabilizar pelas informações de seu próprio parecer?
Somente isso já deveria proporcionar cadeia a quem assina tal documento.
Mas, não nos precipitemos. Vejamos como foi o caso da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, na reunião de 11 de dezembro do ano passado, uma reunião extraordinária da Câmara, convocada para apreciar o pedido da Vale e outro, de uma subsidiária da Vale, que estava ligado ao primeiro.
DIREITO
Em determinado momento da reunião, a conselheira Maria Teresa Corujo, algo cansada de ouvir as intervenções dos outros integrantes do órgão, tomou a palavra:
“Primeiro, dizer assim: a situação que a sociedade vive diante da gestão ambiental e o que nós temos visto de impunidade e situações graves, muitas vezes, justifica que a sociedade tenha o direito de se manifestar no sentido da sua indignação.
“Todos estão sabendo do que nós estamos falando aqui. Lembrando que na gestão ambiental do Estado não apontamos X ou Y, mas existe uma prática na SEMAD [Secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável], que não é de hoje – isso está comprovado em fatos –, de situações, sim, que envolveram possibilidades não éticas e que geraram, inclusive, afastamento de servidores.
“Foi o caso do Humberto Candeias, do IEF [Instituto Estadual de Florestas], que foi preso, relações de formação de quadrilha a favor de questões envolvendo acho que áreas de desmatamento e de carvão.
“Tivemos o secretário de Estado Adriano Magalhães, há três anos, afastado, com inquérito criminal, formação de quadrilha a favor da MMX, envolvendo a mineração.
“Temos a Supram Leste Mineiro também [NOTA HP: A superintendente da Supram-Leste foi afastada, em 2016, pela Justiça, por “cometer crimes contra a flora, a administração ambiental e a fé pública, além de se associar de forma criminosa a uma mineradora, interessada na implantação de empreendimento nos municípios de Ouro Preto, Itabirito e Santa Bárbara”; cf. Justiça acata pedido do MPMG e determina afastamento de superintendente da Supram-Leste].
“Nós não estamos dizendo que é todo mundo dentro da SEMAD que está envolvido em possibilidades que são realmente graves, irresponsáveis e vis com o meio ambiente e com a sociedade.
“Mas nós, como cidadãos, na prática da gestão deste Estado, temos muitas situações, provas, de que é um setor que tem, sim, questões desse tipo.
“Quando nós colocamos isso no parecer de vista é, inclusive, fazendo uso de um direito constitucional fundamental, de que compete à coletividade cuidar do meio ambiente.
“Aqueles servidores que estão na sua trajetória realmente se dedicando, fazendo e tendo esse trabalho digno e correto não vão se sentir incomodados ou não deveriam se sentir incomodados.
“Mas quando fazemos essas informações é porque tem na história da SEMAD de Minas Gerais, comprovadamente, questões graves envolvendo, inclusive secretário de Estado e diretor geral do IEF.
“Então, quando estamos vendo os impactos, sofrendo as inconsequências dos setores, a má gestão das empresas de controle ambiental, haja vista o que aconteceu com o rompimento da Samarco e a impunidade que está depois de três anos, não dá para continuar com relações de respeito 100% com esse setor.
“É direito, porque é uma questão, inclusive, de sobrevivência. É uma questão de sobrevivência, isso é um direito” (cf. Ata da 37ª Reunião da Câmara de Atividades Minerárias, Copam/Semad, 11/12/2018, pp. 32-33).
DECÊNCIA
Em seguida, Maria Teresa abordou a questão em pauta:
“Nós estamos diante de várias questões processuais e técnicas no mérito que não nos dão qualquer confiança.
“Isso não tem a ver com o servidor X ou Y ou Z, tem a ver com o que está sendo trazido para esta Câmara, de um Parecer Único que é pelo deferimento do Complexo Minerário Jangada e Feijão, até 2032, com 88% de aumento na sua produção, com realocação da estrada que liga Brumadinho a Casa Branca, com uma série de questões que não estão devidamente tratadas e que demandariam do Estado uma atitude realmente responsável de tratar isso como Licença Ambiental Trifásica, novo EIA [Estudo de Impacto Ambiental], novo Rima [Relatório de Impacto Ambiental], com direito a que todo mundo conheça, com realização da audiência pública próximo de onde estão as pessoas preocupadas e embaixo desse complexo minerário.
“E não uma colcha de retalhos de erros, omissões e falhas sem qualquer justificativa.
“E vamos tomar uma decisão dessa aqui?
“Então, nós temos que apontar, sim, é direito.
“Várias coisas aqui foram faladas, como garantir a decência, sim. O que nós estamos aqui fazendo é pedindo para garantir a decência nesse processo de licenciamento de Jangada e Feijão, que tem muito erro, tem muita coisa.
“Outra coisa foi falada ali, declaração de conformidade dada para o complexo.
“Tem coisas que são surreais.
“Declaração de conformidade é um documento formal dado pelo prefeito.
“Eu mostrei e falei no parecer de vista, nesse requerimento que entreguei hoje, que o que está na declaração da prefeitura não é uma declaração de conformidade para o Complexo Feijão Jangada com todas essas estruturas até 2032.
“Eu coloquei no documento, claramente, o que está nos documentos da declaração de conformidade.
“Ou seja, então, é a mesma coisa que eu dizer que a minha declaração é para fazer uma tenda na Praça Sete, e isso significa que eu estou dando uma declaração de conformidade para qualquer coisa em Belo Horizonte?
“Nós estamos falando de documentos formais, que têm normas formais, que têm vícios formais. O que está na declaração de conformidade é: ‘Declaração de conformidade de Brumadinho, 19/12. Projeto de ampliação da Cava da Jangada e da PDE Jacó III’.
“A outra, de 2015: ‘intervenções necessárias para implantação de Jacó III’, que já estava na primeira, ‘e alteração do traçado’.
“Nós estamos falando de um complexo minerário que, quando vemos tudo que está no Parecer Único referente à Mina da Jangada e no Parecer Único referente à Mina do Córrego do Feijão, tem muito mais do que isso.
“Então, dizer simplesmente que a declaração de conformidade, quando o prefeito dá, é para o complexo como um todo, haja paciência, não dá para aguentar uma coisa dessas.
“Porque, nós estamos falando não é de decência, como foi demandado?
“Queremos a decência, administrativa, processual, técnica, uma decência no mérito, uma decência nos princípios do direito ambiental, do princípio de precaução.
“Nós não queremos ritos processuais simplificados, desqualificados, omissos para licenciar mineração no nosso território.
“Isso tem que ter um basta.
“E se não houver vozes que cheguem nem que seja para constar, nunca vai se mudar isso.
“Eu estou inconformada que continuem desqualificando a atuação da sociedade em prol do meio ambiente.
“E dizer que nós temos, como foi falado pelo Sr. Rodrigo Ribas [Superintendente de Projetos Prioritários da Secretaria de Meio Ambiente]… Ele, sim, ele extrapolou a decência aqui. Porque, quando nós colocamos no nosso parecer de vista, nós colocamos com critério. E quando colocamos ‘é suspeito’ ou ‘é inaceitável’, isso é um direito constitucional de nos manifestarmos em defesa do meio ambiente.
“Agora, chegar aqui e afirmar perante esta plenária que existem interesses escusos, ou outras falas que foram gravadas e vão estar filmadas, é realmente violento.
“Porque defender o meio ambiente, a vida, o futuro e a água, não tem direitos difusos e inomináveis por trás disso.
“E outra coisa, nós, a maioria, fazemos isso voluntariamente e nem salário parcelado nós temos.
“É defender o meio ambiente não como trabalho, porque lá também tem estruturas que, se um dia não houver cuidado, colocam aquelas pessoas em risco.
“Igual está lá na Fazenda da Índia, que não tem nada apontando o que vai acontecer com comunidades que estão próximas.
“Igual Córrego do Feijão.
“Nós estamos indignados, revoltados, que a gestão ambiental no nosso Estado continue voltada para atender índices de PIB, interesses minerários, quando nós temos outras perspectivas econômicas no nosso território.
“Isso está destruindo Minas Gerais, e não há como continuar concordando com isso.
“Eu trouxe aqui questões. Eu, Maria Teresa, conselheira, do Fonasc, trouxe uma série de documentos, questões no âmbito processual, rito administrativo, mérito, questões técnicas, questões jurídicas.
“Escutar o superintendente da Suppri [Rodrigo Ribas] usar isso para desqualificar um direito constitucional que nós temos, de defender o meio ambiente, isso, sim, é falta de decência e falta de respeito com o direito constitucional.
“Eu já falei no início da minha exposição do parecer de vista, o Fonasc entende, pelo que nós vimos, que esses processos de licenciamento Vale e MBR nessa ampliação e plano de continuidade de Jangada e Feijão demandam e requerem uma auditoria completa, processual, administrativa em toda a sua trajetória, ainda mais porque está muito claro que querem transformar isso somente em um único projeto, como um complexo minerário, como foi falado.
“Não há como continuar tratando isso até 2032 dessa forma, com ampliação de 88% da produção, dessa forma segmentada e sem a devida análise.
“E eu reitero, esse processo deveria ser retirado de pauta. Tem questões que não foram devidamente respondidas, as declarações de conformidade não são para o Complexo Minerário Jangada e Feijão, e as outras questões já apontadas continuam pendentes, porque não foram devidamente justificadas, embora tenham documentos a respeito e que eles registraram que está justificado.
“Nós entendemos que não está devidamente justificado e continuamos com as mesmas questões apontadas. Não tem como licenciar esse empreendimento dessa forma, com tantas questões graves apontadas.
“É muito grave isso aqui” (cf. Ata da 37ª reunião da Câmara de Atividades Minerárias, Copam/Semad, 11/12/2018, grifos nossos).
TOQUE DE CAIXA
Até a manhã de sexta-feira (01/02), havia 110 mortos e 238 desaparecidos embaixo da lama e dos refugos, no “empreendimento” que Maria Teresa Corujo, muito justamente, condenou.
O que era esse “empreendimento”?
Eram dois: a Mina do Feijão e a Mina da Jangada, esta pertencente a uma subsidiária da Vale, a MBR. Ambas ficam em dois municípios de Minas, Brumadinho e Sarzedo. O plano era uni-las em um único complexo e esticar sua vida útil até 2032, com um aumento de 88% na produção (cf. Ata cit., p. 21).
Na reunião de 11 de dezembro seria tratado, também, o licenciamento de um “empreendimento” da Anglo American, mas o assunto foi retirado da pauta, devido a uma comunicação da conselheira Maria Teresa Corujo ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais, denunciando ilegalidades na tramitação.
Aliás, o teor dessa comunicação é bastante esclarecedor sobre como as mineradoras – não somente a Vale, mas também as estrangeiras – mandam na Câmara de Atividades Minerárias. Diz a conselheira ao Ministério Público:
“Para além de estarmos, mais uma vez, diante de um processo de licenciamento da Anglo American Minério de Ferro Brasil S/A, a toque de caixa e no apagar das luzes, nos deparamos com uma Licença de Operação pretendida após somente dez meses da LP+LI [Licença Prévia+Licença de Instalação], com cronograma onde o início da operação foi previsto para, no mínimo, dois anos e sete meses, considerando a cava, e com o requinte de ser hoje classe [de risco] 4. Existe ainda a questão de convocarem uma reunião extraordinária da CMI/COPAM para o dia 11 de dezembro, cientes de que a reunião ordinária será no dia 21/12, o que reduzirá o prazo para vista de um processo de tal magnitude, que tem 52 condicionantes, a maioria delas complexas, e que demandam tempo para cumprimento, pelo menos, quatro dias úteis, incluindo o dia do envio do parecer” (grifo nosso).
Esse último aspecto era rotina na Câmara: as frequentes reuniões extraordinárias reduziam o tempo para que os conselheiros pudessem estudar o Parecer Único, elaborado pela Secretaria do Meio Ambiente (Semad).
É verdade que a maioria dos conselheiros não parecia (vide a ata que citamos) ter o menor interesse em estudar os casos que a Câmara aprovava (pois, exceto um, não se tem notícia de nenhum licenciamento para mineradoras que não fosse aprovado).
Mas, sobre isso, é interessante o parecer de vista da conselheira Maria Teresa sobre o pedido de licenciamento da Vale para ampliação da produção na Mina de Córrego do Feijão.
Esse pedido de vista foi realizado na 36ª reunião da Câmara de Atividades Minerárias, no dia 30/11/2018.
A próxima reunião estava marcada para o dia 21/12/2018.
Porém, de repente, na tarde do mesmo dia 30, foi marcada uma reunião extraordinária para o dia 11/12/2018, exatamente para decidir sobre o pedido da Vale na Mina de Córrego do Feijão, sobre o pedido da MBR na Mina da Jangada e sobre o pedido da Anglo American.
“A reiterada convocação de reuniões extraordinárias a cada mês, que neste caso reduziu o prazo de vistas para somente 4 (quatro) dias úteis”, diz a conselheira em seu parecer, “vem impedindo o adequado cumprimento da competência do FONASC-CBH como membro do Copam [Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais] e o seu direito como representante das organizações da sociedade civil na CMI/Copam não vem sendo garantido e salvaguardado pelo Estado e, assim, o FONASC-CBH manifesta sua indignação por continuar sendo impedido de cumprir seu dever na defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, direito fundamental e também dever expressos pela Constituição Federal no seu artigo 225” (grifos no original).
Em seguida, ela especifica o que significa essa restrição do prazo de vista:
“O processo físico deste licenciamento foi disponibilizado em 30/11/2018 e consta de 8 (oito) pastas com documentação numerada de 001 a 3405, além de pastas referentes a processos de APEF, Compensação Florestal e Outorga” (cf. Parecer de vista do Fonasc na 37ª Reunião da Câmara de Atividades Minerárias).
Daí o protesto da conselheira, no início da 37ª reunião da Câmara de Atividades Minerárias (CMI):
“Repudiamos a convocação, mais uma vez, de uma reunião extraordinária com prazo mínimo de se fazer vista aos processos. A última reunião da CMI foi no dia 30, de manhã, e no dia 30, às 18h40, estávamos recebendo a convocação desta reunião extraordinária, no dia 11, que fez com que o prazo de vista aos processos ficasse restrito a quatro dias úteis, incluindo o dia do envio à SEMAD. A prática desta Câmara de Atividades Minerárias, desde que começou a funcionar, no início de 2017, nós estamos na reunião nº 37, em dois anos, e a quantidade de processos de licenciamento, realmente, são assustadoras as consequências para Minas Gerais, principalmente porque não é dado o prazo adequado para se tratar de empreendimentos de mineração de grande porte e potencial poluidor. Nós estamos registrando nosso repúdio. Isso viola vários princípios constitucionais, o direito da coletividade de cuidar do meio ambiente, os princípios de publicidade e eficiência. Porque eficiência, na questão ambiental, não é agilizar licenciamentos de mineração” (cf. Ata cit., pp. 1-2).
Mais a toque de caixa que isso, realmente, é impossível. Esse afã em corresponder à voracidade das mineradoras, aliás, é um caso de polícia – e não estamos fazendo nenhuma figura de linguagem.
AUDIÊNCIA
O projeto da Vale sobre a Mina do Córrego do Feijão fora submetido a uma audiência pública, bem antes de ser apresentado na Câmara de Atividades Minerárias.
Foi um vexame para a Vale – e, a rigor, seus representantes tiveram dificuldades de sair incólumes da reunião.
O relato está no próprio Parecer Único apresentado na Câmara. Apesar de assinar embaixo de todas as pretensões da Vale, seus autores não puderam deixar de anotar:
“A Audiência Pública, para tratar do Projeto de Continuidade das Operações da Mina Jangada e Córrego do Feijão, foi realizada em 07 de junho de 2017, em Brumadinho.
“A audiência foi realizada contando com grande participação da sociedade civil, ONGs e instituições interessadas, assim como de funcionários da empresa Vale, muitos igualmente residentes nas regiões afetadas pelo empreendimento.
“A audiência teve início com a apresentação das medidas de segurança, regras e esclarecimentos sobre seus procedimentos, inscrição, direito de fala e respeito mútuo.
“O representante da Empresa Vale e da empresa de consultoria responsável pelos estudos de impactos ambientais fizeram a apresentação dos estudos e procuraram esclarecer as dúvidas ao longo da audiência.
“A população presente se manifestou de forma bastante contundente, questionando os dados apresentados, ressaltando, dentre outros, os seguintes aspectos:
“- Que a região é importante aquífero, o QUADRILÁTERO AQUÍFERO (em oposição ao QUADRILÁTERO FERRÍFERO), cujas águas subterrâneas remontam a mais de 300 anos de formação, sendo, portanto, água de rara qualidade cuja destinação principal deveria ser o abastecimento humano e não o seu uso em atividade minerária;
“- Que o rebaixamento do lençol irá provocar o desaparecimento de várias nascentes, provocando grande prejuízo às gerações presentes e futuras;
“- Que em função das inúmeras atividades minerárias na região, a mesma já sofre com o secamento de seus rios e nascentes e que hoje vivem uma insegurança hídrica quanto ao abastecimento para consumo e atividades produtivas;
“- Que nem a Vale nem a COPASA produzem água, mas apenas distribuem e que elas não podem garantir que haverá água no futuro;
“- Que a comunidade é servida por água pela Vale, detentora da Outorga, mas que esta poderia deixar de fornecer quando quisesse, conforme previsto em termo de Anuência assinado com as comunidades;
“- Que a empresa deveria, antes de ampliar, ser mais transparente, apresentando de forma clara qual o seu horizonte de permanência na região.
“Neste sentido, pediram a apresentação do Plano de Fechamento de Mina e que deveria haver mais transparência nas informações prestadas à comunidade, pois o projeto vem sendo conduzido por meio de expansões sucessivas sem que todo o plano de operação seja conhecido;
“- Que a cava, barragem e dique estão chegando mais próximos das comunidades, atingindo nascentes;
“- Que o poder público e a sociedade deveriam investir em outras alternativas para a região, como o desenvolvimento do turismo, a agroecologia, dentre outras, eliminando assim a dependência da atividade minerária – que um dia irá esgotar e deixará somente a destruição” (cf. Parecer Único, p. 44).
Diante disso, a Vale encaminhou o projeto para a Secretaria de Meio Ambiente sem mais delongas democráticas.
Assim, é dito, no mesmo Parecer Único:
“A Vale se compromete a apresentar e discutir o futuro projeto com a comunidade assim que atingir um maior grau de maturidade e for aprovado pela diretoria da empresa e afirma seu compromisso em levar em consideração todas as preocupações e sugestões apontadas pela comunidade na audiência pública, além das proposições dos órgãos licenciadores que tenham abrangência e aplicabilidade ao novo projeto” (cf. Parecer Único, p. 49).
Ou seja, o papel da comunidade era se adaptar aos projetos da Vale. O fato de que essa comunidade estava contra o projeto não tinha, nem para a Vale, nem para a Secretaria do Meio Ambiente, maior importância – aliás, para ser exato, importância alguma.
SÃOS E SALVOS
Por fim, a questão das barragens (havia – e ainda há – mais de uma, antes do estouro do dia 25) no Parecer Único da Secretaria:
“Apesar de não ser escopo desse processo de licenciamento a disposição de rejeitos em barragem, e do PAEBM [Plano de Ação de Emergência das Barragens de Mineração] ser responsabilidade da Defesa Civil e Prefeitura Municipal, foi apresentado em meio digital os Planos de Ação de Emergência das Barragens de Mineração (PAEBM) e os Estudos de Dan Break das barragens da Mina de Jangada e Córrego do Feijão” (cf. Parecer Único, p. 49).
Portanto, no Parecer Único da Secretaria do Meio Ambiente, a responsabilidade pelo Plano de Ação de Emergência das Barragens é, sobretudo, da Defesa Civil e da Prefeitura de Brumadinho.
Mas, e a manutenção – e a segurança – delas (antes do rompimento, é claro)?
Reparemos que um dos principais aspectos do projeto da Vale – senão o principal – era o “reaproveitamento de bens minerais dispostos em barragem”.
Aliás, a leitura dos trechos sobre a Barragem I (a que rompeu) parece agora algo sinistro, independente da compreensão técnica que tenhamos do documento (não é importante, leitor, entender cada detalhe, apenas o sentido geral):
“A recuperação de rejeitos da Barragem I e VI, visa recuperar os finos de minério de ferro, anteriormente dispostos como rejeito, para produzir o pellet feed fines – PFF, consequentemente esse processo irá reduzir a altura da atual estrutura do barramento.
“O processo consiste na remoção mecânica por retroescavadeira, realizada na Barragem I seguida por um empilhamento drenado e posterior transporte do material.
“Este material poderá ser comercializado tal como empilhado, ou utilizado na mistura dos produtos produzidos em Feijão ou ainda ser reprocessado pela Vale.
“No caso do reprocessamento os finos serão processados na atual ITM UMD CFJ sendo que os rejeitos serão bombeados por intermédio de um rejeitoduto projetado paralelamente ao Transportador de Correia de Longa Distância – TCLD já existente, lançando os rejeitos no interior da cava Córrego do Feijão.
“O empreendedor [isto é, a Vale] propõe a modificação da finalidade da cava que atualmente serve de lavra para explotação do minério de ferro e para utilização como local para disposição dos rejeitos gerados na ITM UMD CFJ.
“O projeto proposto inclui a construção de um sistema de adução de rejeito com uma extensão de 1544,00 m, que irá levar o rejeito da usina de tratamento (ITM UMD CFJ) até a cava.
“O desnível topográfico total do rejeitoduto a ser vencido, da ITM UMD CFJ até a cava, é de 185,5 m. Para a implantação da adutora de rejeito será utilizado um caminho paralelo à correia transportadora TR 14 (TCLD), já existente, evitando-se desta forma, supressão de vegetação”.
[NOTA: Esse trecho é literalmente mentiroso. O projeto entrava, inclusive, em Áreas de Preservação Permanente (APPs).]
“Na proximidade da ITM de Córrego do Feijão existem baias de contenção de finos (Baia 1 e Baia 2), que no caso de emergência na operação do rejeitoduto, servirão para a contenção de rejeitos transportados por essa tubulação. Essas baias têm capacidade de estocagem de 10.000 m³ cada, operando estágios de decantação, totalizando uma capacidade de 20.000 m³ de estocagem de polpa, ou seja, um volume capaz de “amortecer” 80 vezes o volume da tubulação”.
[Portanto, leitores, podemos nos sentir seguros.]
“Para garantir a segurança do corpo da barragem a dragagem será desenvolvida a uma distância suficiente da praia de montante, afastando-se assim a água do maciço da barragem, respeitando a inclinação de 1% nas atividades de lavra de modo a propiciar a condução das águas sempre afastada do maciço. Além disso, será necessário promover o rebaixamento do NA para possibilitar a segurança do processo”.
Não precisamos transcrever mais do que isso – literalmente, uma cópia dos papéis da Vale – para chegarmos à conclusão que, de acordo com o Parecer Único da Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais, a Barragem I (e as outras) não tem o menor risco de rompimento.
ESTABILIDADE
Os documentos confirmam a declaração de Maria Teresa Corujo, após o estouro da barragem em Brumadinho:
“Em dezembro fizemos tudo para que não houvesse aquela licença, ainda mais uma licença ao mesmo tempo prévia, de instalação e operação, tudo no mesmo dia. Com classe [de risco] 4, um empreendimento que sempre foi classe 6, e uma ampliação para aumentar a produção em mais de 70%. Nós fizemos tudo que era possível, não adiantou de nada e teve a licença”.
E, ela continua:
“… na época nós questionamos a forma como estava sendo licenciado [o projeto] a toque de caixa porque muitas questões graves tinham que ser tratadas antes. Por exemplo, não foi apresentado balanço hídrico para saber se essa ampliação iria continuar consumindo muita água subterrânea, impactando aquíferos, se isso não ia precipitar mais ainda a segurança hídrica ali do entorno. A comunidade Córrego do Feijão já depende de caminhão pipa várias vezes por ano, [o município de] Casa Branca tem tido problema de acesso à água. Nós apontamos várias questões graves e dissemos que, antes de qualquer ampliação daquele complexo, tinha que ter uma avaliação sistêmica de tudo aquilo para não se tomar decisões sem o devido cuidado.
“Se o complexo Jangada/Feijão estava tão ótimo que podia ter uma ampliação como classe 4, e ao mesmo tempo receber LP (licença prévia) mais LI (licença de instalação) mais LO (licença de operação), como se justifica o rompimento dessa barragem hoje? E outra coisa: essa barragem estava com estabilidade garantida pelo auditor, igualzinho a de Mariana, que também tinha estabilidade garantida”.
PERGUNTAS
A questão da barragem também foi examinada na reunião da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) que concedeu o licenciamento à Vale para a ampliação da produção da Mina do Córrego do Feijão.
O superintendente de Projetos Prioritários da Secretaria de Meio Ambiente, Rodrigo Ribas, defendendo a licença para a Vale (aliás, três licenças ao mesmo tempo), afirmou, então, que se estava discutindo, ali, o “descomissionamento” (isto é, o esvaziamento) da barragem.
“É impressionante como são dadas justificativas com uma simplificação e desviando as informações, que é importante, realmente, como está em áudio e isso vai se transformar em alguma coisa”, replicou a conselheira Maria Teresa Corujo.
“Primeiro porque nós não estamos tratando aqui de descomissionamento de barragem, senhor superintendente da Suppri.
“O senhor disse que está tudo tranquilo porque nós estamos tratando aqui de descomissionamento.
“Mas nós estamos tratando aqui de um plano de continuidade das minas Jangada e Feijão até 2032, com 88% de ampliação da produção e com uma relação de estruturas que estão no escopo desses licenciamentos, que não são descomissionamento de barragem.
“Está nos documentos. Então, se está nos documentos, a equipe da Suppri tomou conhecimento.
“Nos documentos do próprio Parecer Único da Suppri fala claramente: ‘O projeto em questão é similar…’
“‘Informamos que o escopo do projeto denominado ‘Continuidade das operações da Mina da Jangada’ engloba – dizendo que é similar ao outro – continuidade das operações da Cava da Jangada, implantação da pilha de disposição de estéril Feijão PDE Feijão na Casa Córrego do Feijão, continuidade das operações da pilha de estéril Menezes, continuidade das operações da pilha de disposição de estéril Jacó III, implantação do dique Jacó III, realocação de um trecho da estrada municipal que interfere com o dique Jacó III, duplicação da estrada de ligação entre a Mina da Jangada e Córrego do Feijão, recuperação dos finos das barragens 1 e 4 da Mina Córrego do Feijão – a barragem 1 é a montante –, implantação do rejeitoduto na Mina Córrego do Feijão, disposição de rejeito em cava, adequações da ITMS e PSM de Córrego do Feijão, área de implantação do canteiro de obras e empréstimo’.
“Estamos tratando aqui do plano de continuidade desse complexo, que envolve, na sua trajetória de licenciamento, vários processos para cada uma dessas estruturas para as quais está sendo proposta ampliação.
“Esse processo que está aqui para ser votado – os dois, porque tem a questão do direito minerário –, esse processo de licenciamento é para esse complexo todo ter ao mesmo tempo LP [Licença Prévia], LI [Licença de Instalação] e LO [Licença de Operação] até 2032.
“Então, é muito grave que o superintendente da Suppri insista em querer minimizar e desqualificar o que estamos tratando aqui hoje.
“Se for votado, quem votar vai estar votando o plano de continuidade envolvendo todas essas estruturas, algumas novas, algumas ampliações, algumas adequações de um porte muito grande.
“Três perguntas que eu faço para a Suppri, para ficar registrado.
“Já que a Suppri não colocou nos seus Pareceres Únicos quem deu as ARTs [Anotação de Responsabilidade Técnica], o nome das empresas, os números das ARTs de tudo que foi afirmado, a equipe da Suppri está atestando para esta Câmara e para a sociedade que está preocupada com isso?
“Está atestando:
“1 – Que essa ampliação e plano de continuidade não vão colocar em risco a segurança hídrica da região onde o projeto está inserido?
“2 – A equipe da Suppri está atestando que toda a trajetória processual, administrativa e técnica desses processos de licenciamento está devidamente instruída, qualificada e embasada tecnicamente?
“3 – Qual a razão – isso não foi respondido – pela qual a equipe da Suppri, que é pelo deferimento, não considerou o que está na DN 217 [Deliberação Normativa nº 217], no artigo que coloca a possibilidade de o Estado determinar uma modalidade diferente a partir de critérios técnicos?
“Qual a razão pela qual a equipe da Suppri não considerou, dentro desse escopo, dessa magnitude, a possibilidade de não ter acatado os pedidos da empresa e de ter tratado esse processo licenciamento da forma devida, inclusive, em respeito aos princípios da publicidade, transparência e direito à participação social, que a própria DN 217 diz que os licenciamentos ambientais têm que ter?
“Por que a equipe da Suppri só pegou dessa DN aspectos que são de interesse da celeridade para um empreendimento e não aspectos da própria DN que são de interesse do meio ambiente e do direito das comunidades e da sociedade?
“Eu preciso ter essa resposta para constar em ata porque, para mim e para nós que fizemos isso aqui, está muito claro que o que está aqui pelo deferimento visa atender expressamente o interesse minerário das empresas nesse plano de continuidade.
“Isso é extremamente grave porque nós estamos tratando de um empreendimento de grande magnitude e grande porte em uma região com uma grande fragilidade hídrica e que tem que ter um outro olhar.
“Porque se na DN própria diz que o Estado pode determinar modalidades distintas, dependendo do critério técnico, qual foi o critério técnico ambiental voltado à sustentabilidade, voltado aos princípios da precaução, voltado aos princípios do direito ambiental que embasou a decisão da Suppri de insistir, de minimizar e desqualificar o que nós estamos tratando aqui hoje?
“Eu preciso saber essas três respostas, e, a partir daí, o que o senhor decidir como presidente, não há mais o que fazer, porque nós estamos cansados de trazer esses elementos aqui”.
Esperemos que, agora, o superintendente da Suppri possa responder a essas perguntas.
Na Polícia.
CASA BRANCA
Na justificativa de voto do representante do Ibama, Julio Cesar Dutra Grillo, que se absteve, o problema da barragem aparece ainda mais destacado:
“A população de Casa Branca [bairro de Brumadinho] está preocupada com muitas coisas, com toda razão, mas não manifesta preocupação sobre aquilo que eu considero que é potencialmente o maior problema de Casa Branca. O que é esse problema? Casa Branca tem algumas barragens acima de sua cabeça. Muita gente aqui citou o problema de Mariana, de Fundão, e vocês têm um problema similar. E ali é o seguinte, essas barragens não oferecem risco zero. Em uma negligência qualquer de quem está à frente de um sistema de gestão de risco, aquilo rompe. Se essa barragem ficar abandonada alguns anos, não for descomissionada, ela rompe, e isso são 10 milhões m³, é um quarto do que saiu de Fundão, inviabiliza Casa Branca e inviabiliza ao menos uma das captações do Paraopeba” (cf. Ata cit., p. 68).
Por algum milagre, Casa Branca escapou da torrente de lama e refugo. No sábado, uma moradora de lá declarou:
“A gente já vinha alertando sobre o risco da barragem há anos. Éramos tidos como loucos e chatos. Ninguém nos escutou”.
C.L.