Em entrevista à agência de notícias francesa, AFP, dia 8, o autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, deixou claro que não hesitaria em “autorizar” uma intervenção norte-americana na Venezuela.
Destacamos os trechos da entrevista de Guaidó à agência France Press, na qual diz que pode favorecer a intervenção:
– Não hesitaria em autorizar uma intervenção militar dos Estados Unidos?
“Faremos tudo que for necessário, tudo que tivermos que fazer, para salvar vidas humanas…
O entrevistador refaz a pergunta e Guaidó repete a disposição de apoiar a agressão:
– Faria uso das faculdades que tem como presidente da Assembleia e presidente encarregado para autorizar a intervenção de uma força estrangeira?
“Nós faremos todo o possível. Isto é uma questão obviamente muito polêmica, mas fazendo uso de nossa soberania, o exercício de nossas competências, faremos o necessário”.
É claro, que as considerações sobre o lado “polêmico” da “questão” ou razões supostamente “humanitárias”, não lhe delegam a condição deste flagrante atentado à soberania da Venezuela, o qual ele não tem nenhuma condição de “autorizar”.
Além disso, em outro trecho da mesma entrevista, Guaidó também traça métodos provocativos aos quais pretende lançar mão nos próximos dias e alude às tentativas que tem proclamado de dividir os militares venezueanos:
– Como está avançando a entrada de ajuda humanitária?
“Quando tivermos os insumos suficientes vamos fazer uma primeira tentativa de entrada. Sabemos que há um bloqueio em Tienditas (fronteira com a Colômbia), que as Forças Armadas têm um dilema importante de se aceitam esta ajuda ou não. Seria quase miserável não aceitá-la.
No sábado e no domingo teremos a conformação de um grande voluntariado para inclusive ir buscá-la se for necessário nos pontos de entrada”.
– Quando será a primeira tentativa?
“Acredito que vai ser na semana que vem, quando tivermos conformado o voluntariado e organizado o processo de distribuição”.
– Existe a possibilidade de choques?
“Será um dilema para os militares. É uma ordem que demos a eles. Eles terão a decisão de tomá-la. Isto pode dar passagem também a um governo de transição”.
Como agravante, Guaidó faz tais declarações, que afrontam claramente a soberania do país, exatamente no momento em que há uma grande mobilização internacional pelo diálogo e busca de soluções pacíficas e diplomáticas como saída para a crise política e diplomática da Venezuela.
Com isso, Guaidó secunda afirmações de Trump e assessores da Casa Branca, que estão mostrando insatisfação com as iniciativas que podem trazer uma alternativa para o impasse atual e que comporte as diversas correntes políticas nacionais, ao invés do que pretendem os norte-americanos: a hegemonia unilateral dos Estados Unidos sobre o país para controlar o petróleo e as riquezas minerais do Arco Mineiro do Rio Orinoco.
Durante as últimas semanas, Trump, o vice Mike Pence, o secretário de Estado Pompeo, e ainda o assessor para questões de segurança, Bolton, por diversas ocasiões, mencionaram o que eles chamam de “opção militar”. Pompeo chegou a acionar, na quinta-feira, o surrado chavão do ‘terrorismo’ – usado como pretexto para os nefastos ataques a países na África, Oriente Médio e Ásia Central – dizendo, dessa vez, que o partido libanês, Hezbollah, estaria incrustado no governo venezuelano e que, portanto, o EUA seria “obrigado a derrubá-lo”.
Como vimos na entrevista, para acrescentar lenha ao fogo, Guaidó também declarou que, na próxima semana, vai formar um grupo para distribuir os medicamentos e alimentos que os Estados Unidos colocaram em caminhões-containers na fronteira com a Colômbia e querem fazer com que entrem sem solicitar a passagem ao governo venezuelano, que já informou que considera o comboio (com uma partícula das ínfimas das necessidades do povo venezuelano) uma provocação, uma tentativa hostil de violar a soberania do país em crise.
A porta-voz do Ministério do Exterior da Rússia, Maria Zacharova, chamou a atitude de “intervenção humanitária” e “cinismo da Casa Branca”, uma vez que fazem sanções à Venezuela e as exacerbam agora proibindo a compra de petróleo venezuelano e congelando ativos da PDVSA. “Se querem melhorar a vida dos venezuelanos”, disse a porta-voz, “levantem as sanções econômicas”.
Mais adiante, na mesma entrevista, Guaidó dá declarações contraditórias, dizendo-se disposto a conversar com enviados do Grupo de Contato Internacional (formado pelos países sul-americanos Uruguai e Bolívia; pelo México e Comunidade do Caribe) juntamente com os europeus França, Alemanha, Inglaterra, Espanha, Portugal e Itália e também com representantes do Vaticano.
Já o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, reiterou em sua Carta ao Povo Norte-Americano a disposição de defender a soberania da Venezuela e, além disso, declarou-se disposto a conversar com os representantes do Grupo de Contato Internacional (mesmo condenando sua posição manifestamente antecipada de advogarem por eleições presidenciais e com a maior parte dos europeus – à exceção da Itália – já tendo anunciado que reconhecem o autoproclamado Guaidó como ‘presidente interino’).
Maduro também saudou o Mecanismo de Montevidéu, anunciado por México, Uruguai, Bolívia e Comunidade do Caribe, que lançou uma proposta de estimular negociações entre as forças políticas da Venezuela sem quaisquer precondições, conforme anunciado no Encontro Internacional realizado em Montevidéu, no dia 7, pelo presidente uruguaio, Tabaré Vazquez.
O governo de Bolsonaro preferiu seguir a posição intervencionista norte-americana. Assim, o atual governo do Brasil – para bajular Trump – alijou o nosso país das negociações relacionadas a uma grave crise em um país vizinho ao abrir mão da trajetória histórica do Itamaraty de rejeição às ingerências que vão em desacordo com a Carta da ONU, que prevê o direito das nações à autodeterminação e garante a soberania dos povos.