(HP 27/11/2015)
A gravação, realizada por Bernardo Cerveró, de sua reunião com o líder do governo, senador Delcídio Amaral (PT-MS), seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, e o advogado Edson Ribeiro, é, provavelmente, a peça mais despudoradamente escandalosa da história do legislativo brasileiro.
Aliás, a única outra prisão de um senador, durante seu mandato, de que conseguimos nos lembrar no Brasil, foi a do padre Feijó, em 1842, pelo futuro Duque de Caxias. Porém, Caxias não prendeu o senador Feijó porque era ladrão – e, sim, por sua participação na revolta liberal de Sorocaba.
O leitor poderá acompanhar o nosso noticiário na página 3. Aqui, colocamos alguns trechos selecionados.
Como diz o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, “fica evidente, na conversa gravada, que Edson Ribeiro, embora constituído por Nestor Cerveró, representa, antes de tudo, os interesses do Senador Delcídio Amaral”.
Quanto ao conteúdo da conversa, “o Senador Delcídio Amaral, o banqueiro André Esteves e o advogado Edson Ribeiro estão concertando acordo para que a família de Nestor Cerveró receba auxílio financeiro em troca de ele se abster de celebrar acordo de colaboração premiada”.
Quanto ao dono do BTG Pactual, “o relato do congressista na conversa gravada revela fato de elevada gravidade: a informação de que o banqueiro André Esteves está na posse de cópia de minuta de anexo do acordo de colaboração premiada ora submetido à homologação, com anotações manuscritas do próprio Nestor Cerveró. (…) O relato do Senador Delcídio Amaral dessa situação por ele experimentada diante de André Esteves deixa claro que o líder do governo no Senado nunca se preocupou em alertar as autoridades competentes de que poderia haver canal grave e improvável de vazamento no maior complexo investigatório em curso no País. Sua preocupação foi apenas a de que o vazamento pudesse repercutir negativamente na conclusão do conchavo escuso que ele estava concertando, pelo qual o banqueiro forneceria recursos para a família de Nestor Cerveró em troca do silêncio deste último”.
Delcídio aparece, também, tramando a fuga do Brasil de um condenado pela Justiça. Outra vez, é impossível não concordar com Janot – e com o STF – em que “a participação de Senador da República em planejamento de fuga de preso à disposição do Supremo Tribunal Federal constitui situação, além de verdadeiramente vexaminosa, incrivelmente perigosa para a aplicação da lei penal, inclusive para outros investigados e réus na Operação Lava Jato. Essa participação traduz claro componente de incentivo ao curso de ação consistente na fuga: o respaldo de ninguém menos que o líder do governo no Senado para estratagema dessa estirpe funciona, potencialmente, como catalisador da tomada de decisão nesse sentido”.
Mais do que isso, Delcídio trama abertamente a anulação da Operação Lavajato, através de chicanas jurídicas – e, supostamente, com a ideia de que pode contar com a colaboração de membros do STF.
A PF denominou a parte da Lava Jato que deteve o líder do governo no Senado de “Operação Catilina” – uma referência ao golpista romano, famoso pela acusação que lhe fez Cícero, com sua famosa frase: “Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?” (“Até quando abusarás, Catilina, da nossa paciência?”).
Os diálogos gravados por Bernardo Cerveró são um retrato do caráter do líder do governo – e, provavelmente, do próprio governo. Leiam, leitores, e vejam se não temos razão.
C.L.
DELCÍDIO: Bom, agora, Edson, só para a gente resumir esta questão jurídica, então já tá com o HC aqui, viu? E é basicamente ele e o Duque juntos, né?
EDSON: Isso.
DELCÍDIO: O STJ, ontem eu conversei com o Zé Eduardo, muito possivelmente o Marcelo na Turma vai sair.
EDSON: Acredito.
DELCÍDIO: Pois é, jogar pra turma pra turma julgar, né. Isso acho que é bom.
EDSON: É. Eu tô com aquele outro HC que tá na mão do Fachin.
DELCÍDIO: Tá com o Fachin?
EDSON: Tá.
DELCÍDIO: Ah, é, você me falou (…).
EDSON: Que é pra anular (…).
DELCÍDIO: Conversar com Fachin.
EDSON: Se a gente anula aquilo, a situação de todos tá resolvido, porque aí eu vou anular em cadeia, eu anulo a dele, Paulo Roberto, anulo a do Fernando Baiano.
[vozes sobrepostas]
DIOGO: É pra anular a delação premiada.
EDSON: Paulo Roberto [Costa] porque foi homologada pelo Supremo, aí eu consigo anular a do Ricardo Pessoa, enquanto Supremo também eu peço suspensão e anulo aquela porcaria também em situação idêntica. Consigo anular a do Fernando Baiano, a do Barusco e a do Júlio Camargo. Pô, cara!
DELCÍDIO: E tá com o Fachin? Eu tô precisando fazer uma visita pra ele lá, hein!
EDSON: Essa é a melhor, porque acaba a operação. Porque, se na decisão disser que não anula apenas [vozes sobrepostas]…
EDSON: eu tenho aqui, eu tenho aqui (…) espaços, por que se isso aqui for anulado e se a decisão disser a partir [vozes sobrepostas]. (…) Mas a partir da anulação, tudo resta nulo, tudo.
DELCÍDIO: Isso tá com o Fachin?
EDSON: E o bom, a nossa tese é cível, e ele é civilista.
DIOGO: Exatamente.
EDSON: Isso foi a melhor coisa que aconteceu…
DELCÍDIO: Diogo, nós precisamos, nós precisamos marcar isso logo com o Fachin, viu!
DIOGO: Hum hum!
EDSON: Esse todo mundo devia cair em cima e pedir porque resolve tudo.
DELCÍDIO: Esse mata tudo… (…). Essa ideia do Edson é boa e eu vou falar com Renan também…
EDSON: Isto, são os dois.
DELCÍDIO: E Nestor está na mesma, na mesma…
EDSON: E aí vai servir para Zelada também, que é igual [vozes sobrepostas].
DELCÍDIO: E outra é (…) marcar um café meu com Fachin … é importante isso.
DELCÍDIO: Aí puxa… Bom, depois, havendo a soltura, aí são outros quinhentos, que tem que avaliar.
EDSON: Isso aí.
FUGA
DELCÍDIO: Não, nós temos que tirar o Nestor [Cerveró], Edson.
EDSON: Esse HC [habeas corpus] tá pronto pra isso, o [Renato] Duque também tá esperando…
DELCÍDIO: Mas este é o HC do STF?
EDSON: STF, OK.
DELCÍDIO: Agora, Edson, hum, eu acho que isto, esta estratégia nós temos que seguir pra tirar de qualquer maneira, temos que tirar não só ele quanto o Renato…
(…)
EDSON: E aí eu aguardo a nova denúncia e faço um puta discurso político, entendeu, de tortura e tudo mais…
DELCÍDIO: E aí ele iria pra Espanha.
EDSON: Sim.
DELCÍDIO: Agora, Edson e Bernardo, eu acho que nós temos que centrar fogo no STF agora, eu conversei com o Teori, conversei com o Toffoli, pedi pro Toffoli conversar com o Gilmar, o Michel conversou com o Gilmar também, porque o Michel tá muito preocupado com o Zelada, e eu vou conversar com o Gilmar também.
DIOGO: Hoje tem reunião de líderes.
DELCÍDIO: Eu falo com o Renan hoje.
EDSON: Tá bom.
DELCÍDIO: Hoje eu falo, porque acho que o foco é o seguinte, tirar, agora a hora que ele sair tem que ir embora mesmo.
BERNARDO: É, eu já até pensei, a gente tava pensando em ir pela Venezuela, mas acho que… deve se sair, sai com tornozeleira, tem que tirar a tornozeleira e entrar, acho que o melhor jeito seria um barco… É, mais porque aí chega na Espanha, pelo menos você não passa por imigração na Espanha. De barco, de barco você deve ter como chegar…
EDSON: Cara, é muito longe.
DELCÍDIO: Não, mas a saída pra ele melhor, é a saída pelo Paraguai…
EDSON: … eu já levei muita gente por ali, mas tem convênio, quando você sai com o passaporte…
DELCÍDIO: Eles trocam… Mas ele tando com tornozeleira como é que ele deslocaria?
BERNARDO: Não, aí tem que tirar a tornozeleira, vai apitar e já tira na hora (…).
EDSON: Isto a gente vai ter que examinar.
BERNARDO: É…
DELCÍDIO: Eu acho que a gente…
EDSON: Tá correndo, então já vai julgar segunda instância agora do Nestor, as sondas, aí eu tenho recurso especial extraordinário que não tem efeito suspensivo, então meu medo qual é? Que o tribunal julgue e determine a prisão, entendeu, e aí eu vou ter que entrar com outro HC pra enviar (…), embora eu tenha…
DELCÍDIO: Que tribunal que julga?
EDSON: TRF 4, Porto Alegre, esse é meu medo, entendeu…
DELCÍDIO: TRF 4 (…)
EDSON: E aí se determinar a prisão, meu amigo, vai dividir (…), eu vou ter que entrar com outro HC, e aí tem recurso especial e extraordinário me dá o efeito suspensivo, mas, enquanto isto corre, outro tormento pro teu pai, então eu vou analisar muito bem esta questão, esses dias agora, a gente vê horário, tudo certinho, o que que dá pra fazer, até um avião particular, talvez seja o ideal, entendeu…
BERNARDO: É…
EDSON: Não sei o custo disso, vou apurar tudo isso, eu tenho amigos que têm empresa de taxi aéreo, de aviação, entendeu, ver com eles qual o custo disto, a gente bota no avião e vai embora.
DIOGO: Mas estes de pequeno porte, eles cruzam?
EDSON: Depende, se você pegar um…
DELCÍDIO: Não, depende do avião.
EDSON: Citation.
DELCÍDIO: Não, não, Citation, tem que parar no meio… tem que pegar um Falcon 50, alguma coisa assim… Aí vai direto, vai embora…
EDSON: Se for direto, ótimo.
DELCÍDIO: Desce na Espanha.
DIOGO: Sai daqui já desce lá.
DELCÍDIO: Falcon 50, o cara sai daqui e vai direto até lá…
BTG PACTUAL
DELCÍDIO: Bom, aí eu cheguei lá, sentei com o André [Esteves], falei, “ó, André, eu tô com o pessoal… é, eu já conversei com a turma… eu acho que é importante agora a gente encaminhar definitivamente aquilo que nós conversamos. É, você mesmo me procurou, né?” Ele me procurou, ele tava preocupado, né, especialmente com relação àquela operação (…) dos postos, né.
(…)
DELCÍDIO: Ele [Esteves] disse: “não, Delcídio, não tem problema nenhum, oh, eu tô interessado, eu preciso resolver isso, oh, o meu banco é enorme se eu tiver problema com o meu banco eu tô fudido, oh, eu quero ajudar, quero atender o advogado, quero atender a família, ajudo, sou companheiro, pá pá”. E a conversa fluiu bem. A única coisa que eu achei estranho foi o seguinte: porque banqueiro vocês conhecem, vocês sabem como é que banqueiro é foda, né. Ele trouxe um paper, aquele paper.
EDSON: Hum!
DELCÍDIO: É, do Nestor. Mas com anotações que suponho tem a ver com as do Nestor. Vocês chegaram a ter acesso algum documento assim?
EDSON: Eu, não, você viu?
BERNARDO: Ele [Cerveró] fazia, mas ficava com ele na cela.
DELCÍDIO: Pois é, então, ou alguém reproduziu isso…
BERNARDO: Esse, esse que é o lance… o que foi vazado a gente acha que pode ter sido vazado ali de dentro, Youssef na cela com ele, uma coisa assim. Mas, não sei.
EDSON: Olha só… O que eu tenho é o original, porque a [advogada] Alessi [Brandão] me passou e passou pra vocês.
DELCÍDIO: Pois é, mas esse tem anotações a mão.
EDSON: Tinha umas anotaçõezinhas do Nestor.
DELCÍDIO: Aí… ele [Esteves] pegou. Porque eu não tinha. Não tinha falado nada que eu tinha o documento. Num falei nada. Dentro daquilo que nós combinamos. Num falei porra nenhuma. Aí ele falou, olha, Delcídio, tá aqui, ó. Aí, porque eu peguei… dei uma desviada, né. Eu sabia há muito tempo…
BERNARDO: Mas eu não sei por que tem uma versão que ficou com a Alessi.
DELCÍDIO: Não, mas esse que ele tava é igual a esse do Edson.
DIOGO: Era de 44 páginas.
EDSON: … Foi aquele caderno que a Alessi me entregou e eu entreguei pra quem? Pra você ou pro Riera? Pra você…
BERNARDO: Pro Riera.
DELCÍDIO: Essa tese do Bernardo pode ter acontecido, que tiraram de lá da cela.
BERNARDO: Sim. Só pode.
EDSON: … O que que eu combinei com o Nestor é que ele negaria tudo com relação a você [Delcídio] e tudo com relação ao [PT ou PP]. Tudo. Não é isso?
BERNARDO: Sim.
EDSON: Tá acertado isso. Então não vai ter. Não tendo delação, ficaria acertado isso. Não tendo delação. Tá? E se houvesse delação, ele também excluiria.
DELCÍDIO: É isso.
DELCÍDIO: … Vocês conhecem o André Esteves ou não?
EDSON: Não
DELCÍDIO: É um puta de um gênio, cara. Você conversa com ele, é uma máquina, uma locomotiva, o cara. Aí ele, “oh, Delcídio, porra!” Fiquei na minha e eu fingi surpresa. “Porra, André, você conseguiu como?” E aí ele mostrou o paper e com anotações. Então por exemplo… aí ele foi virando as páginas e eu fui vendo…
EDSON: Vamos ver se é isso aqui…
DELCÍDIO: … aí ele viu, viu BTG e tal não sei o quê. É, eu falei, porra, Delcídio, não fala nada. “Olha, eu desconheço, eu vou checar direitinho, o advogado dele tá fora, né?”
(…)
DELCÍDIO: Tem várias anotações. O que me chamou atenção, na última página, tem assim ó, é… acordo 2005 Suíça.
BERNARDO: Hum.
DELCÍDIO: Aí, ele bota assim: ALSTOM.
BERNARDO: Hum!
IRA DOS INJUSTOS
BERNARDO: Ele [Fernando Baiano] falou que ia abrir… porque eu falei, porra, vem cá, a gente ajudou.
DELCÍDIO: Isso é uma vergonha! É uma vergonha o que ele fez! Bicho! Para as oportunidades que o Nestor deu, porra! Fernando fazer uma calhordice dessa, uma… uma canalhice dessas.
(…)
EDSON: Fica confirmada a minha tese. A pessoa quando vai pra delação, sendo torturada, fala a verdade.
DELCÍDIO: E conta uns troços.
(…)
DELCÍDIO: Mas ele chegou a fazer algum acordo com aquele procurador suíço?
EDSON: Fez. Pagou.
DELCÍDIO: Mas a título de que ele fez?
EDSON: Pagou. Pra não ser processado.
BERNARDO: Pra não ser processado lá.
DELCÍDIO: Ah, por causa de depósito em conta?
EDSON: Todo dinheiro que tava lá na Suíça ficou pra Procuradoria da Suíça. Então, ele foi processado e o assunto morreu aí.
DELCÍDIO: Pois é. E esse dinheiro era o dinheiro da Alstom? Ah foi por isso que ele fez o acordo? Entendi. Ele nunca me falou isso.
(…)
BERNARDO: Agora, o Fernando não falou dele? O Baiano. Do André?
EDSON: Não dos poços, eu acho que ele deve ter falado da África. Dos poços, não. Havia um acordo do Fernando com o teu pai, que era para não se falar nisso. Até porque o Fernando tinha uma participação, a empresa do Fernando tinha uma participação nisso.
DELCÍDIO: Bernardo é o seguinte. Porque que nós pegamos a nossa parte. Nós conseguimos a duras penas arrumar aquilo que ele faz referência a mim.
BERNARDO: Sim.
SERRA
DELCÍDIO: E cê vê como é que ele [Fernando Baiano] é matreiro. A delação, quando ele conta quando ele me conheceu, quando eu era diretor e o Nestor era gerente, que ele foi apresentado a mim por um amigo, ele poupou o Gregorio Marin Preciado.
EDSON: Ahhhhhh.
DELCÍDIO: E as conversas que nós ouvimos é que numa dessas reuniões que ocorreram eu não sei com relação a qual desses projetos, houve uma reunião dessas na Espanha, que os caras já rastrearam quem tava nessa reunião, existia um espanhol que eles não souberam identificar quem era. Bingo!
EDSON: Gregório.
DELCÍDIO: Ou seja, o Fernando tá na frente das coisas, mas atrás quem organiza é o Gregório Marin. O Serra me convidou para almoçar outro dia e ele, rodeando no almoço, rodeando, rodeando, que ele é cunhado do Serra.
BERNARDO: José Serra.
PROPINA SEMPRE
DELCÍDIO: … Eu vou tentar ver se a gente faz uma conversa no Rio de Janeiro.
EDSON: OK.
DELCÍDIO: É melhor. E aí a gente encaminha as coisas conforme o combinado. Vê como é que vai ser a operação, de que jeito, contratualmente, aquilo tudo que eu conversei com você.
BERNARDO: É… sim… tá OK.
EDSON: Mas fala, pode falar.
BERNARDO: Não, aquela questão de talvez botar no contrato…
EDSON: Fazer um contrato de honorários incluindo a parte…
BERNARDO: Talvez.
EDSON: … botar uma coisa só?
DELCÍDIO: É, eu acho, amanhã eu vou terminar de conversar com eles, porque eu confesso que eu levei um susto quando ele veio com aquele negócio lá. Ou seja, eles têm informação…
EDSON: É até bom que seja no contrato comigo, porque aí a gente tem garantia.
DELCÍDIO: É…
EDSON: … de que isso vai acontecer, senão executa, papapá.
BERNARDO: … no longo prazo é… Bom, a gente tá trabalhando então com (…) é claro que a gente quer que ele saia, mas se for o caso de ficar dois anos, não precisa saber que esses dois anos vão…
DELCÍDIO: Claro!
BERNARDO: … vão… a gente vai estar assistido.
DELCÍDIO: Não, não, não tem… Bernardo… Esse é o compromisso que foi assumido, né?…E nós vamos honrar.