Temer subestimou o tamanho da encrenca
Entre o poder e a prisão, alvos da Lava Jato se agarram aos cargos para não perder o foro privilegiado
Quase houve um putsch no ministério de Temer, depois que este gênio da política anunciou que faria uma reforma ministerial até o fim de dezembro.
Um dos ministros disse – aliás, plantou na imprensa – que “a saída antecipada é prejudicial, porque acontecerá no momento em que os titulares das pastas estão colhendo os resultados positivos”.
O líder do Dem na Câmara, um certo Efraim, seguindo o mesmo script, disse que mudar o ministério “não é o sentimento da base, que pretende dar continuidade às ações já iniciadas. Será uma quebra de rito desnecessária e prejudicial, no momento em que estamos colhendo os frutos de uma agenda em desenvolvimento”.
Parece até que está havendo um tremendo boom de crescimento, um neo-milagre econômico ou coisa que o valha, devido a ministros tão competentes quanto essas cavalgaduras que só sabem roubar, nomeadas por Temer à sua imagem e semelhança.
SUICÍDIO
Depois que o emérito Jucá anunciou que 17 ministros seriam trocados, um deles, Gilberto Kassab, esclareceu que “todo mundo sabe que, hoje, não sou candidato” – portanto, queria ficar no ministério. É verdade, hoje, ninguém é candidato…
A origem dessa anunciada “reforma ministerial” é o tema que abordamos em nossa edição anterior: o PMDB e o centrão não querem votar o ataque à Previdência antes das eleições. Meirelles e “o mercado” – os bancos e demais gangsters financeiros – querem votar logo, pois, depois das eleições, ninguém sabe se a base governista ainda existirá.
Reciprocamente, a base governista sabe que, se votar essa aberração, estará consumando um suicídio eleitoral.
Solução de Temer, Maia & cambada: subornar deputados com cargos a granel – com centenas, talvez milhares de supostas possibilidades de roubar o Erário e a propriedade pública – antes que sejam varridos do mapa político.
Mas a questão é exatamente essa: já hoje, o que impede que essa plêiade de velhacos vá para a cadeia, é o chamado “foro privilegiado”.
Portanto, quem é ministro não quer deixar de ser ministro e quem é deputado não quer se arriscar a não se reeleger, votando o garrote vil no pescoço da Previdência – ou seja, no pescoço dos trabalhadores, sobretudo os mais idosos.
Se a reeleição deles já é muito duvidosa; se muitos não conseguem sair na rua para passear em uma calçada, exceto incógnitos; se votarem no ataque à Previdência, sua menor preocupação vai ser a de passear na rua.
Imaginemos o que pode acontecer se eles perdem o privilégio do foro – isto é, o privilégio de serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que demora cinco anos em média para julgar um processo, com uma duração dos pedidos de vista, pelos ministros do STF, que pode durar de 346 até 1.045 dias, e um altíssimo índice de encerramento de processos por exceder o prazo legal (cf. J. Falcão, I.A. Hartmann e V.P. Chaves, “III Relatório Supremo em Números: o Supremo e o tempo”, Escola de Direito/FGV, Rio, 2014).
Sem o privilégio do foro, terão que enfrentar a primeira instância – isto é, os doutores Moro, Vallisney, Bretas e outros patriotas – e, talvez, a mítica figura do japonês da Federal, ou algum substituto.
Estamos falando de coisas reais, leitor:
O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (?!), o já citado Kassab – conhecido no departamento de propinas da Odebrecht como “Kibe” – recebeu, só desse grupo, R$ 21,3 milhões de propina entre 2008 e 2014 (cf. Inquérito STF 4401, PGR Nº 52445/2017).
Além disso, quando prefeito de São Paulo, pediu, através do famoso operador tucano-serrista Paulo Preto, um adiantamento de R$ 2 milhões como “abadá”, para direcionar um dos lotes da obra do Túnel Roberto Marinho para a Odebrecht (cf. depoimento de Carlos Armando Paschoal, Anexo 01, “Pagamento de propina e ‘acordo de mercado’ nos projetos do sistema viário estratégico Metropolitano de São Paulo”).
“Abadá” é como o operador tucano chamava o pixuleco, quer dizer, a propina. Cada quadrilha com o seu jargão.
Já o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (!) de Temer, Marcos Pereira, recebeu de Joesley Batista R$ 4,2 milhões em troca da aprovação de um empréstimo de R$ 2,7 bilhões, na Caixa Econômica Federal, para a JBS.
Quanto ao ministro da Agricultura, Blairo Maggi, recebeu R$ 12 milhões da Odebrecht, quando era governador de Mato Grosso, para liberar uma verba. Uma propina, passada através da campanha eleitoral de Maggi, de 35% do dinheiro transferido para a Odebrecht! (cf. Inquérito STF nº 4447).
O ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, pediu R$ 30 milhões à Odebrecht. Acabou por embolsar R$ 1,5 milhão – e parece que não reclamou (cf. Inquérito STF nº 4449).
E nem vamos falar dos ministros Fernando Coelho e Leonardo Picciani, pois são casos de pai para filho (o Helder Barbalho, também, leitora? Vige, é mesmo…).
Não mencionamos os homens de Temer (Eliseu Padilha e Moreira Franco) porque é evidente que não correm o risco de serem substituídos. Muito menos o Geddel, que já está na cadeia.
Resumindo: como se diz em Brasília, “sem foro, é Moro”.
BLINDAGENS
Temer livrou-se do processo graças a esses ministros e deputados que se sujaram publicamente – ainda mais do que já estavam sujos – ao rejeitar, duas vezes, a autorização para que Temer fosse processado no STF.
Agora, à solta, para contemplar os interesses dos seus donos, Temer quer torrar essas almas penadas que lhe deram sobrevida, ainda que curta.
Mas, quando encerramos esta edição, Temer fora obrigado a recuar da “reforma ministerial”.
Um policial federal, Jorge Pontes, hoje aposentado, disse, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” que “aqueles que criaram as nossas blindagens legais, legisladores e normalizadores, nunca imaginaram que iríamos enfrentar como alvos, em sequência, os nossos próprios superiores hierárquicos”.
E, ele continua:
“O que precisamos, o que a sociedade quer, com ardor justificável, é ouvir o barulho de uma porta de ferro trancando na cadeia de uma penitenciária, senadores, governadores, deputados, presidentes da república, ministros, empresários e banqueiros (corruptores), e até ministros dos tribunais superiores, se esses vieram a cometer algum crime e assim for detectado pelas investigações. A sociedade brasileira não irá se contentar com outro resultado. E é legítima essa expectativa, pois, afinal, os bilhões de recursos públicos desviados eram do contribuinte, que em última instância são os patrões de autoridades que transformaram o Estado numa organização de delinquentes.”
Realmente.
CARLOS LOPES