“O Executivo, o Legislativo e o Tribunal de Contas estavam estruturados em flagrantes organizações criminosas com fim de garantir o contínuo desvio de recursos públicos e a lavagem de capitais”
O Ministério Público Federal (MPF) pediu ao Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF2) o bloqueio de R$ 154,46 milhões do presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Jorge Picciani (PMDB) e de seu filho Felipe Picciani. Os dois são alvos da Operação Cadeia Velha, novo desdobramento da Lava Jato no estado.
“Mostra-se necessária e urgente a decretação de ordem judicial para determinar o bloqueio dos ativos em nomes dos representados, incluindo pessoas jurídicas vinculadas diretamente envolvidas nos atos de corrupção e as que se relacionam com a lavagem de ativos, conforme já explicitado na medida cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal e reconhecido ante o deferimento do pedido”, requereu a Procuradoria Geral da República (PGR) ao desembargador Abel Gomes.
O MPF quer que o bloqueio atinja ainda as empresas da família Picciani.
A Cadeia Velha investiga os também deputados estaduais Paulo Melo (PMDB) que foi presidente da Alerj antes de Picciani, Edson Albertassi (PMDB) 2º vice-presidente da Assembleia e outros dez suspeitos por corrupção e outros crimes envolvendo a Assembleia Legislativa também são investigados.
A pedido do Núcleo Criminal de Combate à Corrupção (NCCC) da PGR na 2ª Região, o desembargador federal Abel Gomes, relator dos processos da força-tarefa da Lava Jato no Rio, no âmbito da Corte Federal, ordenou as conduções coercitivas dos parlamentares, seis prisões preventivas e quatro temporárias e buscas e apreensões nos endereços de 14 pessoas físicas e sete pessoas jurídicas.
A PGR pediu o bloqueio de R$ 108,61 milhões de Paulo Melo, de R$ 7,68 milhões de Edson Albertassi. Este último, indicado pelo governador Luiz Fernando Pezão para uma vaga no Tribunal de Contas do Estado.
A ROUBALHEIRA
Os investigadores apuram o uso da presidência e outros postos da Alerj para a prática de corrupção, associação criminosa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. As investigações identificaram diversas relações societárias suspeitas mantidas pelos deputados, além do repasse clandestino de verbas de empresas para viabilizar a ocultação da origem do dinheiro e o financiamento de campanhas eleitorais.
A petição do MPF, com 232 páginas, resulta de investigações feitas há mais de seis meses, que incluíram quebras de sigilo bancário, telefônico e telemático, acordos de leniência e de colaboração premiada, além de provas obtidas a partir das Operações Calicute, Eficiência, Descontrole, Quinto do Ouro e Ponto Final, todas desdobramentos da Operação Lava Jato.
O Ministério Público Federal do Rio afirma que Picciani e Melo receberam mais de R$ 112 milhões em propinas num período de cinco anos, período em que o estado do RJ deixou de arrecadar “mais de R$ 183 bilhões”.
Para o delegado da Polícia Federal, encarregado da operação Cadeia Velha, Alexandre Ramagem Rodrigues, o “conluio criminoso” que se traduzia em “excessivos benefícios fiscais em favor de determinadas empresas e empreiteiras” ocasionou “o atual colapso nas finanças do estado – com este efeito avassalador que essa corrupção sistêmica causou à administração pública”, afirmou.
O esquema criminoso contava com a participação de agentes públicos dos poderes Executivo e do Legislativo (inclusive do Tribunal de Contas do Estado – TCE) e de grandes empresários da construção civil e do setor de transporte do estado.
O superintendente da Polícia Federal no estado disse que, com a documentação já reunida pelas duas instituições, “já é possível concluir que não há um chefe-mor, mas sim um comando horizontal de uma grande confraria do crime organizado no Rio de Janeiro, mantido por agentes públicos do Executivo, Legislativo e grandes empresários, sobretudo da construção civil e da Fetranspor [Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro]”, afirmou o superintendente da PF.
Jairo Souza Silva avaliou que o estado do Rio “vem sendo saqueado por este grupo há mais de uma década, tendo como consequência a falência moral e econômica do estado: salários atrasados, hospitais sem condições, uma policia sucateada, com metade de sua frota parada e uma violência que agonia a todos nós dia a dia”.
QUADRILHA ANTIGA
As investigações apontaram que Picciani, Melo e Albertassi, formam uma organização integrada ainda pelo ex-governador Sérgio Cabral e que vem se estruturando de forma ininterrupta desde os anos 1990. A organização adota práticas financeiras ilícitas e sofisticadas para ocultar o produto da corrupção, que incluiu recursos federais e estaduais, além de repasses da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor).
Para o MPF que a indicação de Albertassi para uma vaga de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado (TCE) pelo governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) pode ter sido uma manobra para que a organização criminosa retome espaços perdidos com os afastamentos de conselheiros determinados pelo STJ este ano, e também uma forma de atrapalhar as investigações, ao deslocar a competência para a apuração dos fatos e tirar o caso do TRF2 que o vinha investigando.
Com seis mandatos de presidente da Alerj, Picciani é imprescindível na organização criminosa, pelo expressivo poder político e influência sobre outros órgãos estaduais. Tanto Picciani quanto Melo tiveram aumentos exponenciais de seu patrimônio desde o ingresso na política. Em certos períodos, seu patrimônio cresceu mais 100%, patamar superior a qualquer investimento. Em 20 anos, o patrimônio de Picciani aumentou 6.368%.