A Grã Bretanha resiste à acusação da Casa Branca de que a empresa Huawei teria uma “porta dos fundos” em seus equipamentos de redes para capturar informações e repassá-las ao governo chinês. Com base nessa narrativa sem provas, Trump tem exigido dos governos mundo afora que deixem a empresa chinesa de fora do mercado de componentes de redes de alta velocidade.
A gigante chinesa é a maior do mundo em equipamentos de telecomunicações e a número 2 dos celulares – suplantou a Apple – e tem inovado na Inteligência Artificial e semicondutores avançados.
Como o Financial Times assinalou, o Centro de Segurança Cibernética do Reino Unido (NCCS) determinou que “há maneiras de limitar os riscos de usar a Huawei em futuras redes ultra rápidas 5G”, desmontando a principal alegação de Washington contra a gigante chinesa. As redes 5G prometem velocidades de download e navegação 10 a 20 vezes mais rápidas do que as redes atuais 4G.
Na semana passada, jornais alemães informaram recusa semelhante de Berlim, em paralelo ao rechaço, pela primeira-ministra Ângela Merkel, das chantagens dos EUA para parar a construção do Nord Stream 2, que levará 55 bilhões de metros cúbicos de gás russo por ano direto para a Alemanha, na Conferência de Segurança de Munique. “O governo de Merkel quer evitar a exclusão dos produtos oferecidos pela Huawei Technologies, da construção da próxima geração de redes 5G na Alemanha, informou na quinta-feira (7) o jornal de negócios Handelsblatt, citando fontes do governo.
ITÁLIA
Conforme noticiado pela Reuters há duas semanas, “a Huawei já instalou laboratórios de segurança da informação também na Alemanha com o objetivo de aumentar a confiança de que seus equipamentos não contenham “portas dos fundos” expondo redes a espiões cibernéticos e na quarta-feira (6) se ofereceu para construir um centro similar na Polônia. Segundo a mesma fonte, o ministro da Indústria da Itália negou na quinta-feira (7) que a Itália proíba a Huawei e a ZTE de participar da construção de sua rede 5G.
Nos dois casos [gás e rede 5G] relativos à Alemanha, ao contrário do que Trump gosta de aparentar, ele não estava exercendo “protecionismo” nenhum, mas simplesmente tentado fazer prevalecer a força bruta e os monopólios norte-americanos para compensar o atraso tecnológico num caso e, no outro, o gás americano mais caro, por causa do frete e do processo industrial de liquefação do gás para gerar o LNG.
A decisão de Londres é ainda mais sensível, dado o papel que os ingleses jogam no sistema de grampo mundial Five Eyes. Robert Hannigan, ex-chefe da agência de inteligência de sinais do Reino Unido GCHQ, escreveu recentemente no FT que a NCCS “jamais encontrou evidências de atividade cibernética do Estado chinês através da Huawei” e que as “afirmações de que qualquer tecnologia chinesa em qualquer parte de uma rede 5G representa um risco inaceitável são absurdas”.
Em Munique, o próprio vice de Trump, Mike Pence, foi escalado para atacar a Huawei, assim como o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg.
ESPIONAGEM BRITÂNICA
Até o chefe da espionagem britânica (MI6), Alex Younger, entrou no debate dizendo que a questão não era simplesmente deixar a Huawei “dentro ou fora” e que cada país tinha “o direito soberano” de encontrar uma resposta. Ele acrescentou que não seria “desejável” que a parte crítica da infraestrutura nacional fosse de “um fornecedor monopolista”, mas não endossou a exclusão pura e simples.
O jornal chinês Global Times elogiou o relatório do NCCS e a decisão de Londres de lidar com as redes 5G através de análises técnicas. Foi montado um centro de testes especial composto de experts de tecnologia do Reino Unido e funcionários da Huawei para determinar os riscos dos equipamentos chineses.
Como revelou o jornal, essa instalação executa “um exame completo e transparente do dispositivo e código operacional da Huawei, e seus produtos só podem entrar nas redes do Reino Unido depois de passar nesses testes”.
Em entrevista à BBC, o fundador da Huawei, Ren Zhengfei, afirmou que “não há como os EUA esmagarem a empresa”. “O mundo não pode nos deixar porque estamos mais avançados. Mesmo se eles convencerem mais países a não nos usarem temporariamente, sempre podemos amenizar um pouco as coisas”.
“Se as luzes se apagarem no Ocidente, o Oriente ainda vai brilhar. E se o Norte ficar escuro, ainda há o Sul. A América não representa o mundo. A América representa apenas uma parte do mundo”, assinalou.
Conforme a BBC, muitas empresas de telefonia móvel inglesas, incluindo Vodafone, EE e Three, estão trabalhando com a Huawei nas suas redes 5G.
“Continuaremos a investir no Reino Unido”, afirmou Ren, “e esperamos que o Reino Unido confie em nós ainda mais”. Quanto às alegações de “guerra cibernética”, Ren notou que o governo de Pequim “já disse claramente que não instalará backdoors. E nós também não”.
Em entrevista à BBC, o chefe de segurança cibernética da Huawei, o inglês John Suffolk, convocou a quem tiver dúvidas que “venha verificar por si mesmo, que venha fazer seus próprios testes e sua própria verificação”.
Antes de assumir suas funções na segurança cibernética da Huawei, Suffolk dirigiu por cinco anos as operações de tecnologia da informação do governo britânico, comandando 50 mil profissionais.
Quando das revelações de Edward Snowden sobre o grampo em massa da NSA e as ligações com as operadoras norte-americanas e gigantes da internet, Suffolk havia alertado sobre o enorme prejuízo para os EUA se todos os governos afetados resolvessem banir empresas como a Cisco de suas infraestruturas críticas. Já contra a Huawei, jamais foi mostrada qualquer evidência.
Quanto à investida dos EUA contra sua filha Meng Whangzhou, diretora financeira da Huawei, Ren salientou que “esse tipo de ato politicamente motivado não é aceitável”. Retirada de um voo de conexão no Canadá a pedido de Washington e ameaçada de extradição, Meng foi acusada de ‘violar sanções norte-americanas contra o Irã’, cometer ‘fraude bancária’ e ‘roubar propriedade intelectual’.
“Os EUA gostam de sancionar os outros, sempre que houver um problema, eles usarão esses métodos agressivos”, afirmou Ren. “Somos contra, mas agora seguimos esse caminho, vamos deixar que os tribunais resolvam isso”.
ANTONIO PIMENTA