(HP 23/09/2016)
Rede e Psol impediram a votação
Acordo espúrio entre PMDB, PT, PSDB, DEM, PR, PP foi patrocinado pela Casa Civil, mas Temer diz que nada sabia
Foi desmascarada na sessão da Câmara dos Deputados da segunda-feira (19) uma conspiração para aprovar sorrateiramente um projeto que anistiava quem praticou caixa dois em eleições anteriores. A trama envolveu principalmente PSDB, PT, PMDB, DEM, PR e PP e tinha o aval do Planalto. Tudo estava acordado com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para que, assim que fosse aprovada pelos deputados, tivesse o mesmo destino na Câmara Alta. Inicialmente, a sessão da Câmara havia sido convocada por Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da casa, para votar outras matérias, mas, sem que ninguém soubesse, além dos golpistas, o projeto foi colocado em votação. Geddel Vieira Lima, ministro da Secretaria de Governo de Temer, saiu em defesa do projeto de anistia e abriu com isso a participação do governo na trama. Michel Temer, que está acostumado a fazer as suas maracutaias na surdina, se irritou e disse que estava surpreso com as declarações do ministro boquirroto.
Costurada secretamente pelos líderes dos partidos envolvidos, um projeto que tratava de questões eleitorais e estava com a tramitação parada havia quase dez anos foi colocado em votação. Como esse projeto tinha uma urgência aprovada anos atrás, isso permitia que fosse votado a qualquer momento. A estratégia era usar o regimento para apresentar um substitutivo a esse projeto antigo que incluiria a questão do caixa 2. Quando a pauta foi anunciada, houve uma revolta generalizada no plenário. A sessão chegou a ser suspensa por cerca de uma hora. A reação principal foi comandada pelos deputados da Rede e do Psol.
Nesta trama seriam anistiados tanto aqueles que praticaram um caixa dois simples, ou seja, aqueles que apenas não computaram parte dos gastos de campanha eleitoral, como aqueles que promoveram o assalto desavergonhado aos cofres públicos, particularmente da Petrobrás, e receberam propinas do cartel das empreiteiras assaltantes, como fizeram integrantes dos chamados partidos da base, tanto de Dilma quanto de Temer. O misterioso projeto previa a anistia não só para os políticos corruptos mas também para empresas.
Os líderes envolvidos nas maracutaias sumiram do plenário e, no afogadilho, tentaram a portas fechadas remediar o estrago com um texto escrito às pressas e que seria proposto em substituição ao que estava na pauta. A proposta era usar como base uma das medidas apresentadas pelo Ministério Público Federal ao Legislativo de criminalizar o caixa 2. O acerto final entre os partidos – aliás, os mesmos partidos que querem criar cláusura de barreira para impedir a existência de outros partidos – era que o líder do PR, Aelton Freitas (MG), seria o relator e apresentaria o substitutivo, mas ele nem chegou a fazê-lo porque a sessão foi encerrada antes.
O deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) denunciou as articulações e trabalhou, junto com Chico Alencar (Psol-RJ), Ivan Valente (Psol-SP) e outros para impedir que o projeto fosse votado no plenário da Câmara. “Está correndo o boato que essa sessão foi mobilizada para imaginar a votação, a apresentação de urgência ‘urgentíssima’ e votação, hoje ainda, do projeto que anistia o chamado caixa dois de campanha eleitoral. Isso é uma inutilidade. […] Agora, não estamos aqui, pelo menos em grande número, não estamos aqui pra nos lançarmos num poço de suspeitas”, disse o parlamentar em plenário.
“Querem aprovar isso antes da formalização de acordos de delação premiada da Odebrecht e da OAS, que devem trazer acusações de caixa 2. Aprovando essa medida, vai acabar livrando todo mundo. O que está acontecendo aqui é uma bandalheira, maracutaia, um trambique”, acusou o líder do Psol, Ivan Valente (SP). Soube-se que a bancada do PT reuniu-se antes da votação do projeto fantasma e decidiu apoiar e se integrar ao golpe. Apenas uma deputado da legenda se posicionou contra a pouca-vergonha. “Eles querem apagar a corrupção do passado. Na calada da noite, estão querendo atropelar o eleitor brasileiro”, afirmou o deputado Jorge Solla (PT-BA), o único parlamentar que foi contra dentro do seu partido.
Pegos em flagrante, ninguém queria assumir a autoria do substitutivo. O deputado Beto Mansur (PRB-SP), primeiro-secretário da Câmara que presidia os trabalhos, foi aconselhado pelo líder do PSDB, Antonio Imbassahy (BA), um dos parlamentares à frente do golpe, a retirar o projeto de pauta. Em seguida, a sessão foi encerrada. “Eu sentei ali e cumpri com meu dever como presidente. Eu não tenho nada com caixa dois, não estou na Lava Jato, não tenho nada com isso. Retirei de ofício porque não há entendimento no plenário”, afirmou Mansur. Perguntado quem havia assumido a autoria do projeto, Mansur desconversou e disse que não sabia. Ele comandou a sessão em razão da ausência de Rodrigo Maia, que assumiu interinamente a Presidência da República devido à viagem de Michel Temer aos Estados Unidos para participar da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Após sete ou oito anos tramitando nesta Casa, o projeto é colocado em pauta, sem consultar ninguém. E ninguém sabe do que trata esse projeto. Não houve discussão entre os líderes. Nós não temos o texto desse projeto. Sr. presidente, quem é o relator de plenário? Ninguém sabe! Qual é o texto que nós vamos votar? (…) Então, o PSD se posiciona contra a votação desse projeto, pedindo a V.Exa., sr. presidente, ou a quem o colocou em pauta para que o retire da pauta”, discursou o deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA).
A trama envolveu o presidente do Senado, Renan Calheiros, que convocou uma sessão do Congresso para o mesmo dia com objetivo de garantir o quorum necessário para viabilizar a trama. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) denunciou que havia um acerto também no Senado. “A apresentação de um projeto de lei que, veja senhor presidente, pasmem, senhores senadores e senhoras senadoras, que, na prática, anistia todos aqueles que cometeram o crime de caixa dois e criminaliza o caixa dois de campanha a partir de agora. Isto, senhor presidente, é um verdadeiro acinte, é buscar aqueles que cometeram delito, fazer em prol deles do limão uma limonada e isto deforma tanto as dez medidas de combate à corrupção que se encontra na Câmara dos Deputados, no projeto de lei 4850, como deforma qualquer iniciativa para banir do país o instituto do caixa dois em definitivo”, afirmou Randolfe.
O tucano Carlos Sampaio (PSDB-SP) e o líder do PSDB, Antonio Imbassahy, tentaram justificar o golpe defendendo a votação do projeto que anistiaria todas as pessoas que praticaram caixa dois. Tanto Renan Calheiros quanto Rodrigo Maia tentaram tirar o corpo fora. Maia disse que colocou o projeto em pauta mas não sabia de nada e Renan também jurou que não estava envolvido.
SÉRGIO CRUZ