Setor está desestruturado, avalia Eduardo
Alcoa e Votorantim têm ganho mais dinheiro traficando megawatts que vendendo alumínio
(HP 14/05/2014)
A recente auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) no setor elétrico não teria alcançado tanta repercussão, se não fosse porque todos sabem que é verdadeiro o que ali está: depois de 12 anos de administração pessoal da senhora Rousseff, o setor elétrico é uma anarquia – para usar palavra mais precisa, uma bagunça – embora, uma bagunça que sempre beneficia uns, sempre os mesmos.
Alguns diretores de empresas de energia elétrica mencionaram como essa anarquia tende a se espalhar por toda a economia, mostrando que várias empresas deixaram, parcial ou totalmente, de produzir – alumínio, aço, cimento, papel e outros bens – porque é muito mais lucrativo vender energia no “mercado livre”. O fato, inteiramente verdadeiro, foi debatido na Oficina de Política Energética, realizada na semana passada pela aliança PSB/Rede/PPS/PPL, com a participação de Eduardo Campos e Marina Silva, para colher subsídios ao programa de governo da coligação.
Grupos como o Votorantim, a multinacional norte-americana Alcoa, a Usiminas – hoje controlada pela Nippon Steel – têm, já faz algum tempo, substituído, pelo menos em parte, suas atividades produtivas pela especulação com energia elétrica no infame “mercado livre”.
A Odebrecht, através da Braskem, e o grupo do sr. Gerdau, pretendem fazer o mesmo, já que, em seus contratos com a CHESF, pagam R$ 110 por MWh (Megawatt-hora) – quando podem vender essa energia por R$ 822,23 cada MWh no “mercado livre”.
“Quando um setor econômico resolve vender um insumo ao invés de fabricar o produto que utiliza aquele insumo“, comentou um respeitado especialista na área elétrica, Roberto Pereira D’Araujo, “a lógica empresarial está de cabeça para baixo“.
Essa lógica de cambalhota é a da política econômica do governo Dilma: baixo crescimento, especulação no lugar da produção, e, particularmente, fazer consumidores (domésticos e empresariais) pagarem por sua incúria na política energética, mas sempre dizendo que está fazendo o contrário. Quando isso é impossível, recorre-se a uma variante: ‘se não tivéssemos baixado a medida provisória 579 e baixado as tarifas no ano passado, seria ainda pior do que está hoje – ou do que vai ficar’.
Já conhecemos essa argumentação, inaugurada pelo sr. Mantega: sempre as coisas poderiam estar piores. Jamais se pensa o oposto: que elas poderiam estar melhores se a política fosse outra ou se certas autoridades não fossem incompetentes ou servis vigilantes dos privilégios monopolistas. E, como não existe situação que não possa piorar, conclui-se que a situação está ótima, porque poderia ser pior.
No caso, considerando que, com a Medida Provisória 579, depois de asfixiar as geradoras estatais e iniciar o desmonte da Eletrobrás, de Furnas e da Chesf, houve uma redução de 16% nas tarifas e um aumento de 21% logo em seguida – mais outros, cujo limite é o Inferno, para 2015 – essa bobagem apenas quer dizer que o governo, mais precisamente, a presidente, tentou enganar o povo.
Como disse o ex-governador Eduardo Campos, em sua intervenção na Oficina de Política Energética, a desestruturação é tal que “indicadores mostram que temos 46% de chances, quase um cara ou coroa, de, até dezembro, termos problemas sérios no fornecimento de energia“.
No cálculo do professor Ildo Sauer, uma empresa fabricante de alumínio (Alcoa ou Votorantim, por exemplo) tem o dobro de lucro vendendo energia elétrica do que com a venda de sua produção. Como diz Sauer, “ao parar de produzir, [a empresa] deixa de ter o custo de operação e ainda vende um produto que vale o dobro do que o seu“.
O motivo dessa aberração é o baixíssimo crescimento da economia no governo Dilma e a especulação desenfreada com energia, permitida e incentivada pelo governo, que levou o megawatt-hora (Mwh) para R$ 822,83 no último abril. Esse preço estava em apenas R$ 12,08 (abril/2011), R$ 187,82 (abril/2012) e R$ 129,78 (abril/2013).
Os aumentos que sucederam – e sucederão – à MP 579, como nota Roberto D’Araujo, não são, fundamentalmente, devido ao fator climático, ou, para ser preciso, o fator climático, hidrológico (a falta de chuvas), somente teve um efeito devastador porque a política do governo foi irresponsável no período anterior, ao conceder vantagens a monopólios com base no preço barato da energia das hidrelétricas (v. Roberto Pereira D’Araujo, “Da superfície para as entranhas: Um modelo com defeitos genéticos”, parte 1, em http://ilumina.org.br/da-superficie-para-as-entranhas-um-modelo-com-defeitos-geneticos/).
Presente à Oficina de Política Energética da coligação que lançará Eduardo Campos e Marina Silva à Presidência, Mario Menel – presidente da Energética Tech Consultoria, da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (ABIAPE) e do Fórum de Associações do Setor Elétrico (Fase) – afirmou que “temos um deslocamento total entre o que é planejado e o que é executado. Por uma razão simples. No atual sistema de leilão, a matriz brasileira é feita pós-leilão. Faço leilão e depois vou compor minha matriz. É mero acaso se ela coincidir com o planejamento“.
Em suma, os empresários privados do setor elétrico também apontam que o sistema Dilma é uma bagunça – e uma bagunça que não é sustentável, nem a curto prazo, como diz um documento assinado pelas entidades empresariais do setor e entregue ao governo e aos pré-candidatos à Presidência.
Mas, diz outro especialista no setor, o engenheiro Carlos Augusto Ramos Kirchner:
“Outra grande distorção que vem ocorrendo decorrente do modelo mercantil do setor elétrico é a que possibilita também aos consumidores livres com montantes de energia contratada que parte ou a totalidade que deixar de ser consumida seja disponibilizada no mercado de curto prazo. Assim, muitas indústrias podem optar por fechar temporariamente suas portas. As consequências dessa política poderão ser funestas, pois o lucro fácil do primeiro momento pode desencadear uma crise econômica sem precedentes.
Em sua opinião, enquanto os problemas mais de fundo não se resolvem, “é necessário limitar o valor do PLD [“preço de liquidação das diferenças” – o preço do MWh no “mercado” de curto prazo] a preço bem inferior ao teto atual a fim de neutralizar as deformações impostas por alguns agentes, bem como tornar público quem são os beneficiários dessas distorções – em que o mesmo grupo controlador obtém lucros abusivos para sua empresa de geração, a ser repartido entre acionistas, e prejuízos expressivos para sua empresa de distribuição, a ser suportado pelos consumidores e erário público” .
CARLOS LOPES