Com uma tuitada, o presidente Donald Trump anunciou que o prazo da trégua comercial com a China, que se encerraria no dia 1º de março, foi ampliado, em decorrência de “progressos substanciais” nas negociações com Pequim.
Ele manifestou a expectativa de futura cúpula em Mar-a-Lago, sua casa de praia na Flórida, com o presidente chinês Xi Jinping “para concluir um acordo”.
Sem dar detalhes, Trump postou que os avanços são em “importantes questões estruturais”, como “proteção à propriedade intelectual, transferência de tecnologia, serviços, moeda e muitas outras questões”. O prazo de 1º de março era para imposição de tarifas adicionais de até 25% sobre bens chineses no valor de US$ 200 bilhões. A trégua, de 90 dias, fora acertada por Xi e Trump durante a última cúpula do G20.
Segundo o Global Times, jornal chinês de língua inglesa que costuma expressar pontos de vista do governo de Pequim, “depois de uma guerra comercial que durou quase um ano e sete rodadas de negociações comerciais de alto nível, os dois lados estão prestes a redigir o texto para o acordo”, o que classificou de “resultado difícil de obter”- e que ainda precisa da aceitação “do público de ambos os países”.
A publicação acrescenta que o acordo “realmente redefinirá as relações comerciais China-EUA na nova era”. Mas, como o outro lado da moeda é a tentativa de banir a gigante das telecomunicações chinesa, a Huawei, das novíssimas redes 5G, o que inclui até pedido de extradição da filha do fundador da empresa, presa no Canadá, as questões em jogo vão além do tamanho do déficit comercial.
Confronto que chegou ao ponto de Trump proibir o fornecimento à gigante chinesa ZTE dos semicondutores norte-americanos de que esta dependia para fazer seus produtos, paralisando por meses a produção, até um acordo que envolveu uma pesada multa e a mudança de diretoria.
A questão de fundo do embate entre as duas maiores economias do planeta é que a China está desenvolvendo um programa de dez anos para dominar a tecnologia de ponta – e em conseqüência deixando os EUA ainda mais para trás. O que vai desde Inteligência Artificial até computação quântica, passando por veículos autônomos e exploração espacial. Desde o crash, a China tem sido o motor do crescimento econômico global. A China também está liderando o investimento, com seu projeto Iniciativa Cinturão e Estrada (BRI, na sigla em inglês).
O que está por trás de toda essa conversa sobre “roubo de propriedade industrial” e “compartilhamento forçado de tecnologia” é exatamente isso. No caso emblemático das redes 5G, de que depende toda a concepção de indústria 4.0, o fato de a Huawei inovadoramente estar na liderança do processo é um alerta sobre o processo em curso nos EUA e a superação, por Pequim, da condição de “fábrica do mundo” para a de vanguarda tecnológica.
Antes da tuitada de Trump, o principal negociador norte-americano, Robert Lighthizer, considerava o dia 1º de março um “prazo rígido”. Com Trump fixado na reeleição no ano que vem, a linha dura contra Pequim dentro do governo Trump teme que este faça concessões sem resolver as “questões estruturais” do desenvolvimento industrial e tecnológico da China – isto é, de como detê-lo ou atrasá-lo. O colapso das exportações de soja em estados chaves eleitoralmente nessas horas pesa.
Já Wall Street considera que a “principal questão estrutural” é arrombar o fechado sistema financeiro chinês. Também a guerra comercial em curso tem provocado abalos nas bolsas, como a derrubada que ocorreu no final do ano passado – isso, quando a ‘bolha de tudo’ já extrapolou qualquer expectativa.
Como costuma dizer o guru de Trump, Steve Bannon, se os EUA não fizerem as imposições agora, daqui a dez anos não vão estar em condições de ditá-las. Conferência de imprensa na semana passada na Casa Branca, com a presença do vice-primeiro-ministro chinês e principal negociador, Liu He, de Trump, do secretário do Tesouro Steven Mnuchin e de Lighthizer, evidenciou a divisões dentro do establishment norte-americano sobre a questão.
Quando o banqueiro Mnuchin discursou elogiando os “Memorandos do Entendimento” (MOU, na sigla em inglês) obtidos, que seriam “obrigatórios e aplicáveis” e muito bons para “finalmente abrir a China às empresas dos EUA” – devia estar pensando em Wall Street -, foi interrompido por Trump que os chamou de “perda de tempo”.
“Eu não gosto de MOUs porque não significam nada”, acrescentou Trump, achando que serão de “muito curto prazo”. Sobre isso, voltou a se chocar com Lighthizer, que garantia que “cobrem tudo em detalhes”. Na noite anterior, um comentarista de Economia da Fox News havia dito que “um MOU não vale o papel em que está escrito”. Trump também chamara os MOUs de “carta de intenções”.
Também o derrubador-em-chefe (alcunha que lhe foi pespegado pelo New York Times) Marco Rubio entrou no debate: “Não importa quantas toneladas de soja eles comprem, se a China continuar roubando segredos comerciais, não será um bom negócio para os Estados Unidos, nossos trabalhadores, ou nossa segurança nacional”.
Para o Wall Street Journal, os falcões anti-China na comunidade empresarial, no governo e no Congresso se mostram preocupados “com o que eles vêem como a crescente impaciência de Trump por um acordo” e estão insistindo para que ele “se mantenha firme” e insista “nas mudanças fundamentais” nas políticas industriais chinesas.
Esses críticos advertem que a queda acentuada das bolsas em dezembro passado, que foi o declínio mais significativo naquele mês desde 1931, deixou Trump muito preocupado – imaginem um crash meses antes da eleição – e por isso predisposto a um acordo que não detenha o domínio da alta tecnologia pela China, não escancare o país a Wall Street e mantenha a supremacia militar.
De concreto, há o compromisso da China em manter o valor do yuan e não fazer uma desvalorização – ainda mais quando a alta de juros pelo Fed está tendo, como efeito colateral, a valorização do dólar frente às outras moedas. Sem um acordo entre Pequim e Washington, o FMI teme pela sorte do crescimento econômico global.
A.P.