O princípio elementar de que cabe unicamente a cada povo escolher seu governo, bem como despedi-lo quando assim decidir, saiu fortalecido na reunião do Conselho de Segurança. Intervencionismo de Trump ficou isolado
Reunião extraordinária do Conselho de Segurança da ONU, convocada a pedido de Washington, como forma de manter a pressão contra a Venezuela depois do fiasco da ‘ajuda humanitária’ à força do final de semana, expressou que a intervenção militar no país sul-americano, ameaçada abertamente pelo regime Trump sob a fórmula de ‘todas as opções estão sobre a mesa’, está sendo refutada, pode-se dizer, por praticamente todos, com exceção dos EUA e seu ‘presidente autoproclamado’ Guaidó.
Na véspera, intento semelhante saíra desidratado até mesmo no Grupo de Lima, biombo montado pelos EUA para sua operação de ‘mudança de regime’.
Rússia, China, África do Sul, Cuba e Bolívia fizeram os principais discursos de defesa da soberania e autodeterminação da Venezuela, bem como da Carta das Nações Unidas, e de repúdio à politização da ajuda humanitária, transformada em fachada para tentativas de golpe de estado.
PARIS E LONDRES
A França se manifestou em favor de uma “saída negociada” da crise, sem recurso à força ou violência. A Indonésia declarou seu apoio às negociações e ao mecanismo de mediação de Montevidéu, apoiado por México e Uruguai, e conclamou a que a ajuda humanitária seja enviada à Venezuela “pelos canais regulares da ONU”. Londres defendeu a realização de “eleições livres” como “única saída”.
Realçando seu status de país “profundamente respeitoso do direito internacional e autodeterminação dos povos e firme promotor da paz e solução pacífica das controvérsias”, o México voltou a se oferecer para mediar a crise.
Até mesmo países cujos governos mantêm uma proximidade acrítica com a Casa Branca, como o Chile, Colômbia e Paraguai, e que participaram da provocação da “ajuda” da USAID, embora jogando toda a carga sobre o governo Maduro se disseram contra a intervenção armada estrangeira na Venezuela, também posição do Brasil. A República Dominicana “não está de acordo com que a solução seja a intervenção militar estrangeira”, assinalou seu embaixador.
Ao levar a questão ao CS da ONU, o regime Trump busca fabricar uma aparência de legalidade para sua intervenção militar, o que já fez anteriormente com outros países, o que resultou em mortos, feridos e deslocados aos milhões. Os EUA estão dizendo que vão apresentar um projeto de resolução para a “ajuda humanitária” e “reconhecimento” de Guaidó.
O embaixador russo na ONU, Vasily Nebenzia, exigiu o respeito “às fronteiras, à soberania e à unidade nacional do povo venezuelano, de acordo com a Carta da ONU”. Ele denunciou que “está absolutamente claro que o propósito dos EUA na Venezuela não é resolver os problemas da Venezuela, não é cuidar do seu povo, é a mudança de regime, inclusive por meio de intervenção militar”.
Sobre o congelamento de ativos da estatal de petróleo PDVSA por Trump e confisco do ouro venezuelano por Londres, Nebenzia acrescentou: “vamos chamar as coisas pelo nome, diante de nossos olhos estão roubando descaradamente a um país soberano, tentam colocá-lo de joelhos”.
ÁFRICA DO SUL
“Que o povo da Venezuela decida seu futuro”, afirmou o representante sul-africano, Jerry Matjila, que se contrapôs à intervenção militar, dizendo que “isso contraria os propósitos da ONU”. A África do Sul “não considera” que a situação no país sul-americano “represente uma ameaça à paz internacional”, acrescentou.
Ma Zhaoxu, embaixador da China no CS, afirmou que “os assuntos da Venezuela são uma questão de que deve se ocupar o governo venezuelano”. Ele rechaçou qualquer ingerência nos assuntos internos da Venezuela ou intervenção militar, assim como o uso da ajuda humanitária “com fins políticos” para “provocar turbulências”.
A pequena e audaz Bolívia colocou no centro de sua intervenção a contestação ao “todas as opções estão sobre a mesa”, repetido pela Casa Branca. O embaixador boliviano lembrou os desastres que essa política de “todas as opções sobre a mesa” custaram no Iraque, na Iugoslávia, na Líbia, na Síria, e, antes, com a Operação Condor, as ditaduras, Pinochet. Ele, ainda, conclamou a respeitar a América Latina e o Caribe como “zona de paz”.
A representante de Cuba afirmou que o governo dos EUA, “com a cumplicidade de vários atores”, montou uma “provocação que pretendia minar a soberania da Venezuela” e “pôs em perigo a vida de muitos venezuelanos”.
Diante do CS, o chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, denunciou “a mobilização de tropas [dos EUA] no Caribe” e “compra de armas na Europa Oriental” – informação trazida pela Rússia e por Cuba -, para “dirigi-las à oposição radical e gerar uma intervenção”.
Arreaza também repudiou a postagem de imagens do líder líbio Kadhafi, primeiro no poder, depois ao ser linchado pelos mercenários da Otan na Líbia, recém feita pelo senador norte-americano Marco Rúbio, o “derrubador-em-chefe” do time Trump, segundo o New York Times.
“Ele está representando o povo dos EUA e o povo da Flórida. Esses são os valores do povo dos EUA? Chamar pelo assassinato do presidente? Porque neste contexto é obviamente o que esta imagem significa.”
Arreaza disse que Caracas está disposta a sentar-se com “qualquer representante que a oposição enviar”, inclusive Guaidó. “Então nós podemos construir nossa própria solução sem intervenção, interferência de qualquer um, muito menos dos EUA”. Ele acrescentou que Caracas só podia “almejar” que Washington desse “autorização” a Guaidó para resolver a crise por meio de “diálogo e negociações”.
A Venezuela está aberta à mediação dos países da América Latina, bem como da União Europeia, e aguarda conversações “sem agenda”, asseverou Arreaza. Ele não descartou eleições antecipadas como forma de resolver o impasse: “há eleições, talvez, ou talvez haja outras soluções possíveis”.
ANTONIO PIMENTA