É algo surpreendente – e significativo – que nem a banda de música do neoliberalismo (aqueles comentaristas econômicos que são especializados em falar sobre tudo aquilo de que não têm a menor ideia) tenha se animado, nem por encenação, com o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de 2018, divulgado pelo IBGE na quinta-feira (28/02).
Pelo menos até às 15h de quinta, quando fechamos esta matéria, essa turma permanecia desalentada.
Um deles – aliás, uma delas, pois foi uma senhorita – disse que era “desestimulante”. Uma colega acrescentou: “mesmo que a reforma previdenciária seja aprovada, os problemas não serão resolvidos”.
É mesmo?
Mas o que esperavam?
Que a política de Meirelles e Temer – ou a de Levy e Dilma – tirasse o país da crise?
Mas foi exatamente essa política – que Guedes e Bolsonaro querem piorar – que jogou o país na crise. Dela, não se pode esperar outra coisa.
Mas, vamos lá: o que significa o 1,1% de crescimento em 2018 (sobre 2017)?
Primeiro, significa que esse “crescimento” foi praticamente o mesmo da população (cf. IBGE, Projeções da População do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade: 2010-2060, IBGE, 2018).
Por essa razão, o crescimento do PIB per capita foi 0,3%, o que, para todos os efeitos, é zero (cf. IBGE, Contas Nacionais Trimestrais, 4º trimestre/2018, p. 13).
Esse resultado significa, também, que a média de crescimento anual do segundo mandato Dilma-Temer foi uma queda de -1,2%.
Com os seguintes resultados anuais:
- 2015: -3,5%;
- 2016: -3,3%;
- 2017: 1,1%;
- 2018: 1,1%.
Não é possível, como se pode ver, culpar um suposto “golpe” por esse resultado. A economia já fora, sob a política de Levy e Dilma, para o buraco (desculpem, leitoras), quando houve o impeachment da presidenta.
Aliás, o que se pode dizer é o contrário: a política recessiva afundou o governo de Dilma, já balançado por seu acintoso estelionato eleitoral e pelos escândalos revelados na Operação Lava Jato.
Ou existe alguém com a opinião de que, se o país estivesse crescendo, com a presidenta gozando de uma tremenda popularidade, a base de Dilma – pois foi a maior parte da sua própria base que aprovou o impeachment – a teria destituído?
Então, se é assim, vejamos os resultados do PIB por um período um pouco mais esticado.
De 2011 a 2018, o crescimento médio anual da economia do Brasil foi de apenas 0,6%.
Em 2003, nós chamamos de “ridículo” o crescimento médio anual de 2,3% dos governos de Fernando Henrique (1995-2002).
E, realmente, era e continua sendo ridículo, para um país com os recursos do Brasil.
Mas diante dos 0,6% dos governos Dilma-Temer, até o resultado de Fernando Henrique parece formidável.
Reparemos que esse resultado é o pior da História do Brasil, abaixo daquele da década de 80 – a chamada “década perdida”, quando o crescimento médio anual foi de 1,67%.
SETORES
Vejamos os componentes do PIB, em 2018, do ponto de vista da produção:
- Agropecuária: 0,1%;
- Indústria: 0,6%;
- Serviços: 1,3%.
Trata-se de um resultado pífio – ou nem isso.
Tão pífio que o leitor, com razão, perguntará: como é possível, com esses resultados por setor, que o conjunto do PIB tenha crescido 1,1%?
Excelente pergunta, leitor.
Acontece que, no cálculo do PIB, também entram os “impostos sobre produtos líquidos de subsídios”, que aumentaram 1,4%. Diz o IBGE:
“O avanço dos impostos reflete, principalmente, o crescimento em volume do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de 1,5%. Influenciaram positivamente também o aumento de 7,9% do Imposto de Importação – acompanhando o crescimento das importações e de 4,1% do IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados)”.
Voltemos, então, aos setores da economia:
Para as médias anuais, entre 2011 e 2018:
- Agropecuária: 1,67%;
- Indústria: -0,8%;
- Serviços: 0,9%.
Os números revelam uma tremenda guerra de extermínio contra a indústria.
Melhor ainda se enxerga esse quadro, se tomarmos a participação da indústria de transformação – a indústria manufatureira – no PIB, em uma série:
- 2010: 15,0%;
- 2011: 13,9%;
- 2012: 12,6%;
- 2013: 12,3%;
- 2014: 12,0%;
- 2015: 12,2%;
- 2016: 12,5%;
- 2017: 12,2%;
- 2018: 11,3 (cf. IBGE, Contas Nacionais Trimestrais, 4º trimestre/2018, p. 20, e, também PIB – var. real anual – (% a.a.) – IBGE, SCN 2000).
A indústria de transformação é o setor decisivo para o crescimento. Vale a pena acrescentar: para o crescimento “sustentado”, que não seja o famoso “voo de galinha” (v. Salário, desenvolvimento e os saudosistas do atraso).
No entanto, a indústria está desaparecendo, em termos de participação no PIB.
Sobre isso, vejamos alguns dados históricos, comparados à situação atual.
PARTICIPAÇÃO DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO NO PIB:
- 1947 (governo Dutra): 19,89%;
- 1959 (governo Juscelino): 26,68%;
- 1963 (governo João Goulart): 27,40%;
- 1975 (governo Geisel): 33,59%;
- 1987 (governo Sarney): 33,35%;
- 1992 (governo Collor): 26,43%;
- 1994 (governo Itamar): 26,79%;
- 2002 (governo Fernando Henrique): 14,50%;
- 2010 (governo Lula): 15,00%;
- 2014 (governo Dilma): 12,0%;
- 2018 (governo Temer): 11,3% (cf. PIB – indústria – transformação – preços básicos – % PIB – IBGE/SCN 2000 e Contas Nacionais Trimestrais, 4ºT/2018).
Esse é um quadro, quanto aos últimos anos, da desindustrialização do Brasil, ainda que bem geral.
Dizem os “neo-desenvolvimentistas” que se trata de um problema “estrutural”.
Nós diríamos que não há nada de estrutural nesse quadro, pois ele é um retrato das várias políticas econômicas de vários governos.
É, portanto, um problema político, um problema de política econômica.
MÁQUINAS
Por fim, o investimento e o consumo.
A formação bruta de capital fixo (FBCF) – isto é, o indicador de investimento – segundo as Contas Nacionais Trimestrais, aumentou 4,1%.
Esse aumento de 4,1% significou, entretanto, um aumento de míseros 0,8 ponto percentual na taxa de investimento (FBCF/PIB), que foi de paupérrimos 15% para pobríssimos (desculpe, leitor) 15,8%.
Mais: somente 38% desse aumento da FBCF corresponderam à aquisição de máquinas e equipamentos pelas empresas – e não sabemos quanto dessa aquisição é apenas para repor o desgaste das máquinas (provavelmente, segundo algumas estimativas, cerca de 2/3; no entanto, mesmo isso parece pouco, diante do marasmo no setor industrial).
A média anual de variação da FBCF para 2011-2018 é negativa: -1,9%.
Para o segundo mandato de Dilma-Temer, essa média afunda mais: para -6,1%, o que parece (e é) um despenhadeiro do investimento.
Quanto ao consumo das famílias, que cresceu 1,9% em relação a 2017, em todo o período Dilma-Temer ele cresceu apenas 1,3%, com uma queda de -1% nos últimos quatro anos.
Atualmente, o consumo está em nível inferior ao de seis anos atrás, apesar do aumento da população no mesmo período.
Sem consumo e sem investimento não existe possibilidade de crescer.
Mas é esse quadro tétrico que Bolsonaro e Guedes querem piorar – ou, melhor, dizem eles, “avançar”. Tal como na piada em que alguém à beira do abismo resolve dar, resolutamente, um passo à frente.
Poderia ser um bom plano, se eles fossem sozinhos e deixassem o Brasil em paz.
C.L.