O primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan, anunciou que libertará nesta sexta-feira (1º) como “gesto de paz” o piloto da força aérea indiana que foi capturado na quarta-feira, durante ataque contra suposto campo de treinamento de terroristas da Jaish-e-Mohammed (J-e-M), que assumiu autoria de atentado suicida que matou 40 soldados indianos na Caxemira no dia 14.
Potências nucleares, Paquistão e Índia já lutaram quatro guerras após a contenciosa separação que seguiu à independência em 1947.
Imagens do piloto, que foi identificado como o tenente-coronel Abhinandan Varthaman, viralizaram nas redes, primeiro quando foi salvo de ser linchado após ter seu avião abatido, de venda e sangrando, e depois tomando chá com soldados paquistaneses, e que virou um símbolo do atual confronto.
O Ministério das Relações Externas do Paquistão declarou, ainda, que recebeu da Índia um dossiê sobre o atentado suicida na Caxemira indiana no dia 14, que provocou a escalada entre os dois países, com Nova Delhi deflagrando ataques aéreos dentro do país vizinho. A última vez em que isso havia ocorrido fora há quase cinquenta anos atrás, durante a guerra de 1971.
Do mundo inteiro, vieram as conclamações à contenção entre as duas potências nucleares. Nos confrontos, cada lado perdeu um avião. Além do ataque indiano de terça-feira, os dois países trocaram incursões aéreas no dia seguinte, e fogo de artilharia ao longo da linha de fronteira provisória, a chamada linha LoC.
NAÇÕES UNIDAS
A ONU, através da porta-voz Stephane Dujarric, convocou as duas partes a “com urgência tomarem medidas para baixar as tensões por meio de engajamento significativo e mútuo” e a cumprirem suas responsabilidades para “manter a paz e a segurança na região”. Ela assinalou que o secretário-geral Antonio Guterres estava seguindo a questão de perto.
Pedidos de moderação também vieram da União Europeia, da Rússia e da China. Pequim expressou sua esperança de que tanto Islamabad quanto Nova Delhi exercessem “contenção” e “honradamente cumpram seus compromissos de impedir a escalada da situação”. O chanceler Wang Yi reiterou que “a soberania e a integridade territorial de todos os países devem ser respeitadas”.
A Casa Branca condenou o conflito e pediu aos dois lados que “tomassem medidas imediatas para reduzir a tensão”. Mas no dia seguinte ao atentado o conselheiro de Segurança Nacional John Bolton praticamente havia dado luz verde à retaliação indiana, ao declarar que Washington apoia “o direito da Índia de autodefesa contra o terrorismo transfronteiriço”.
Após o ataque indiano, o premiê paquistanês Khan pediu negociações com a Índia e a desescalada. “A história nos diz que as guerras estão cheias de erros de cálculo. Minha pergunta é que, dadas as armas (nucleares) que temos, podemos arcar com erros de cálculo”, disse Khan durante uma breve transmissão televisiva à nação. “Devemos nos sentar e conversar.”
Pela primeira vez na história da Índia, partidos de oposição romperam a unanimidade em relação aos enfrentamentos com o Paquistão, com declaração conjunta de 21 partidos. O líder do Partido do Congresso, Rahul Ghandi, criticou explicitamente a “flagrante politização dos sacrifícios feitos por nossas forças armadas”.
MODI
A pouco mais de dois meses das eleições, o governo de Narendra Modi vinha sofrendo um enorme desgaste em consequência do agravamento do desemprego, contrariando todas as promessas dele de que traria o crescimento. No governo Modi, a criação de empregos, no segundo maior país do mundo, foi ínfima.
Dezenas de milhões de trabalhadores participaram de uma greve geral nacional de dois dias no mês passado, contra as medidas de arrocho desencadeadas por Modi e contra suas “reformas pró-investidores”. Houve, ainda, protestos generalizados de agricultores.
Assim, às vésperas da eleição, resulta muito oportuno o confronto com o Paquistão, para recoesionar suas bases, como o ‘protetor da Índia’ e para acusar a oposição de ser “desleal”. Analistas chamaram os ataques aéreos de um “show de Bollywood”.
Para o governo Khan, os supostos “200 ou 300” terroristas “mortos pelo ataque cirúrgico” indiano são uma completa ficção, e as bombas só teriam atingido matas.
Quase tão grande quanto a Grã Bretanha, a montanhosa Caxemira está atualmente dividida entre a Índia, o Paquistão e a China. Após a desastrosa divisão do subcontinente em 1947, a expectativa era que a Caxemira, de maioria muçulmana, se juntasse ao Paquistão. Seu governante, um príncipe hindu, queria permanecer independente, mas após invasão de tribos do Paquistão, aceitou ingressar na Índia em troca de ajuda contra os invasores.
Desde 1972 existe uma linha de cessar-fogo monitorada pela ONU, chamada linha de controle ou LoC, que divide a Caxemira em áreas administradas pelo Paquistão e pela Índia. Entre 1999 e 2003, houve uma ‘guerra não declarada’ ao longo da divisória.
Desde 1989, uma nova vaga de separatismo se espalhou pela Caxemira indiana, sendo respondia com envio de tropas indianas. Nova Delhi acusa Islamabad de apoiar, treinar e armar os separatistas, o que esta nega, mas foi exatamente o que fez durante décadas em relação ao Afeganistão. Segundo o governo paquistanês, só oferece “apoio político” à população da Caxemira. Uma pequena parte da Caxemira, o remoto planalto de Aksai Chin, integra a China desde 1962. A população da Caxemira é de 13 milhões, dos quais 10 milhões no lado indiano. A economia gira em torno da agricultura e, quando a paz ajuda, turismo.
Outro ponto de fricção entre Islamabad e o governo Modi é o enorme investimento chinês no ramo da Iniciativa Cinturão e Estrada (‘Rota da Seda’) que passa pelo Paquistão, com portos, ferrovias e outros investimentos que, para Nova Delhi, desequilibram a região.
Outra contradição é a que foi recentemente apontada pelo chanceler russo Sergei Lavrov, de que o conceito de Washington de “região Indo-Pacífica” é “artificial” e tenta manipular a Índia contra a China. A Rússia, que mantém relações estratégicas com a Índia, e que recentemente melhorou muito as com o Paquistão, ofereceu-se para mediar a questão. Índia e Paquistão fazem parte do Tratado de Shangai, junto com a Rússia e China, além de repúblicas ex-soviéticas da Ásia Central.
A.P.