Para a ativista venezuelana, jornalista e apresentadora de TV Vanessa Davies, é preciso ser cego para não ver o estado de “calamidade” em que o país se encontra. No entanto, ressalta, a solução não passa pela força, mas pela via eleitoral, defendida pela maioria da população.
Nesta entrevista ao Panorama Digital, a ex-editora do jornal Correio do Orinoco, ex-dirigente nacional e coordenadora de mídia e comunicação do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV – fundado por Hugo Chávez) -, defendeu um diálogo entre governo e a oposição em que esteja incluído o tema do retorno do PSUV à Assembleia Nacional, e da recuperação da institucionalidade do parlamento
Na sua opinião, quais seriam as saídas para a crise
Quando dizem que você precisa ouvir as pessoas, dar a oportunidade para que se expressem, é através do processo eleitoral, para sair de uma situação que não queremos. Me refiro tanto ao chavismo como à oposição e a todo o setor que não se identifica com o governo. Majoritariamente concordamos que queremos transitar para o processo eleitoral. Afinal, se não é o caminho eleitoral, qual seria o caminho? A maioria não quer o caminho da força, aposta numa saída eleitoral que permita que se queremos uma mudança, que a mudança ocorra, e se respeite isso. Se a vontade é essa, que todos tenham a oportunidade de se expressar.
Vimos que nenhuma das partes está disposta a ceder…
Acho que eles estão provocando uns aos outros e nos levando a uma escalada de conflitos que o país não quer. O que o país gostaria é que eles conversassem e se pusessem de acordo. Posso dizer que falo pela maioria da população. O que queremos? Que se ponham de acordo e permitam que nos expressemos para sair dessa situação crítica. Já temos danos do ponto de vista econômico e social, os indicadores provam isso. Temos um grande dano, mas podemos parar isso e começar a revertê-los. Mas isso passa pelo entendimento. Eles têm que sentar e dialogar, entre outras coisas, para nomear um novo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e poder realizar eleições, o PSUV precisa estar na Assembleia Nacional. Eles devem começar por aí, vamos falar sobre como o PSUV retornará à Assembleia. Não compartilho a tese do desacato (defendida pelos partidários de Guaidó, que não reconhecem o governo), então precisamos ver como a Assembleia retorna à vida institucional normal de um país, de uma sociedade, que tem o direito de aspirar a algo que não seja isso.
A polarização e o radicalismo cresceram, mas no chavismo parece não haver espaço para a autocrítica, porque a dissidência recebeu múltiplos ataques…
Há um alto nível de intolerância e isso nos conduzirá por um mau caminho. Por exemplo, o grupo de ex-ministros e líderes de esquerda se reuniu com Juan Guaidó e a conclusão a que cheguei como jornalista, ao escutar algumas opiniões, é que o governo não ouviu o que eles propuseram a Guaidó.
Eles não estavam reunidos para dizer que o reconhecem como presidente interino, foram reunir-se para dizer a ele que é preciso parar o clima de guerra, que temem o que poderá acontecer. E foram conversar entre venezuelanos, porque entre venezuelanos temos que poder falar, para além das nossas diferenças.
E eles fizeram críticas a Guaidó, mas parece que dentro do que restou desse chavismo, ou oficialismo, tenho a impressão de que não ouviram o que foi proposto. Há um problema de intolerância, de não quererem nem saber o que que o outro está propondo. Isso é grave. Eu ouvi o professor (Héctor) Navarro dizer que eles reconheciam Guaidó como presidente da AN e nessa condição iam falar com ele.
Há opiniões divididas sobre a ajuda humanitária, o governo diz que não há crise humanitária…
Acredito que o nosso país está numa situação crítica. Os indicadores socioeconômicos são críticos e, em vista disso, precisamos de apoio para poder sair disso. Agora, não concordo que isso se converta em troféu de guerra da Assembleia ou de Maduro, porque no meio da luta política está o sofrimento humano que precisa ser resolvido, colocado como prioridade.
Precisamos dessa cooperação, que não é de três caixas, precisamos de um apoio sustentado durante vários meses, não apenas para necessidades imediatas, mas para recuperar nossas capacidades produtivas. É necessário parar essa luta entre a elite política. Enquanto isso prossiga, essa ajuda não vai chegar a quem a necessita.
É preciso ser cego para não ver como o nosso país se encontra. O Executivo disse que é porque está bloqueado e a oposição diz que é pelas políticas do governo. Seja por qualquer dos motivos, o país está em estado de calamidade e não ver isso é desumano.
Como jornalista, como avalias o papel da mídia hoje?
A mídia está numa situação muito difícil, não podemos deixar de sublinhar as grandes pressões existentes por parte do executivo nacional, que são reais. Quando falamos de intolerância, nesse clima geral de intolerância, a mídia e os jornalistas também somos vítimas dessa situação.
Não é o melhor ambiente para que haja um livre debate de ideias em que todos possam expressar suas diferenças e pontos de vista. Acho que não há neste momento uma livre troca de opiniões.
Acredito que o ambiente comunicacional está nos levando a uma escalada no conflito, em vez de ajudar a que entendamos um ao outro. Aqui coloco uma grande responsabilidade no Executivo, que não deve ter medo de informar, não deve temer o debate, e parece que tem. Nós, jornalistas, já não podemos nem perguntar. (Hugo) Chávez gostava que lhe fizessem perguntas difíceis, talvez respondesse feio, mas você podia fazer as perguntas.
Qual é o desafio que os jornalistas têm frente às “fake news”?
Precisamos ser muito rigorosos, verificar bem, não dar como certo tudo o que circula pelas redes sociais, é preciso conferir. É difícil porque temos praticamente fechadas as fontes oficiais, o que existem são declarações de algum funcionário quando ele quer dar. Isso dificulta o trabalho, mas está em nossas mãos ser rigorosos, não temos que fazer mau jornalismo porque há más condições. Más condições e um ambiente difícil têm que ser um incentivo para fazermos um jornalismo cada vez melhor, que passa pelo rigor, verificação e inclusão. Devemos ouvir todos os setores. Não podemos fazer jornalismo com base em nossa simpatia ou antipatia política, temos que fazer jornalismo pensando que é um serviço.