Moção apresentada pela primeira-ministra britânica Theresa May para um adiamento do Brexit até 30 junho foi aprovada por 412 a 202, mas pode ser tornar uma vitória de pirro, ao condicionar isso à aprovação do seu acordo Brexit – já repelido duas vezes – numa terceira votação até 20 de março, véspera da cúpula da União Europeia que irá decidir se aceita ou não a extensão de prazo.
O plano May de Brexit foi repudiado em janeiro pelo recorde histórico de 230 votos de diferença e, novamente no dia 11, por 149 votos de diferença.
Como assinalou o ex-deputado George Galloway em uma coluna na RT, se fossem tempos normais a primeira-ministra “já teria partido” faz tempo, e eleições sido convocadas.
De qualquer forma, não foi surpresa. O líder trabalhista Jeremy Corbyn, após a rejeição pelo parlamento do Plano Brexit de May e do Não-Acordo, já afirmara que “a extensão do artigo 50 é agora irreversível”.
Então, May conseguiu mais um fôlego à sua estratégia de ir até à beira do abismo, como forma de pressionar por seu acordo Brexit centrado nos interesses da City londrina.
Significativamente, em outra votação, para tirar de May a condução do processo do Brexit, só faltaram dois votos para destronar a primeira-ministra conservadora (314 a 312). A proposta partiu do deputado trabalhista Hilary Benn.
Também pela primeira vez um deputado conservador, Christopher Chope, um eurocético, declarou que “consideraria” um voto de desconfiança no governo May se os trabalhistas apresentassem um.
A emenda do ‘grupo independente’, composto por um pequeno número de deputados ex-Tory e ex-trabalhistas, que juntava a extensão do artigo 50 com a realização de referendo, foi rechaçada por 334 a 85 e abstenção dos deputados trabalhistas.
Abstenção considerada pelo porta-voz dos nacionalistas escoceses (SNP), Ian Blackford, “uma desgraça”. “Um calafrio varreu a bancada da liderança trabalhista, em busca de uma coluna, e não encontrou nenhuma”, acrescentou. Também os liberais democratas votaram a favor da moção pelo novo referendo.
O líder trabalhista Jeremy Corbyn justificou a abstenção e disse que a decisão foi tomada em acordo com as entidades pró-referendo ‘People’s Vote’ e “Best for Britain’. Já o número dois do partido, John McDonnell, afirmou que “o voto das pessoas deixou claro que hoje não era o dia para pressionar por um segundo referendo no Parlamento. Coincide com o que eu mesmo disse ao longo do dia em várias entrevistas. Devemos exercer um julgamento prudente em todas as etapas desse processo.”
Uma emenda de Corbyn que, considerando que o acordo May já foi rejeitado, assim como o não-acordo, propunha uma extensão do artigo 50 para “garantir tempo” para que o parlamento encontrasse “uma maioria para uma abordagem diferente”, também não passou, embora por pequena margem (318 votos a 302).
Em outra demonstração de que o próprio governo está em frangalhos, o ministro do Brexit, Steve Barclay, depois de fazer em plenário a defesa da proposta de May, votou contra. Ao todo foram oito ministros de May – mais 188 deputados conservadores no total – que votaram contra a proposta da primeira-ministra de adiar o Brexit. O que é quase dois terços da bancada conservadora.
Após a votação, Corbyn reiterou sua convicção de que um acordo poderia ser alcançado “com base em nosso plano alternativo”. Ele reafirmou o apoio dos trabalhistas a um referendo “não como pontuação política, mas como uma opção realista para romper o impasse”.
Em entrevista ao jornal progressista The Morning Star, o dirigente da coalizão “Left Leave” [Esquerda pela Saída], Alex Gordon, classificou de sem sentido as votações de quarta e quinta-feira, faltando 14 dias até o fatídico 29 de março, e com a extensão de prazo dependendo da concordância unânime dos demais 27 países da União Europeia.
“O movimento trabalhista precisa se concentrar em deixar a UE e reconstruir a Grã-Bretanha com base nas políticas centradas em empregos e em acabar com a austeridade que estão no manifesto trabalhista”, ressaltou Gordon.
Pesquisa de opinião do YouGov divulgada na quarta-feira mostrou que 37% dos entrevistados querem deixar a UE sob os termos da OMC; 34% eram a favor do cancelamento do Brexit, e 17% eram a favor da extensão do artigo 50.
Para jogar mais lenha na fogueira, na véspera da votação do ‘não-acordo’, o governo May publicou os aumentos tarifários que haveria caso isso ocorresse, enquanto o Banco da Inglaterra asseverava que as perdas na economia seriam piores do que no crash de 2008. O ministro da Economia até prometeu aumentar os gastos públicos…
A extensão do prazo do Brexit teria o efeito colateral de levar os ingleses a terem de votar nas eleições de maio do Parlamento Europeu, o que deve aumentar a confusão já existente.
“Tomamos nota dos votos desta noite. Um pedido de prorrogação do artigo 50 exige o acordo unânime de todos os 27 Estados-Membros”, afirmou secamente um porta-voz da Comissão Europeia, em reação ao resultado da votação no parlamento britânico. Ele acrescentou que o pedido será considerado pelo Conselho Europeu, “tendo em conta as razões e a duração de um pedido de extensão.”
Segundo as agências de notícias, os países europeus se disporiam à concessão do que chamam de “extensão técnica”, que não mexa com o que já foi acordado com May e com duração curta.
O presidente francês Emmanuel Macron foi mais duro: se o pedido implicar em revisar o Acordo Brexit, isso está “fora de questão”, conforme um assessor. Nesse caso, a França não apoiaria o adiamento.
A cúpula europeia já havia manifestado – quando da rejeição do remendo May-Juncker, o das ‘garantias jurídicas’ que não valiam nada – seu descontentamento com a incapacidade de May de garantir maioria parlamentar para o acordo. “Garantias jurídicas’ que haviam sido fulminadas pelo próprio Advogado Geral do governo May.
Como, dentro do princípio das negociações comerciais de que nada está acordado enquanto tudo não estiver acordado, já surgem as mais diversas alternativas, do Brexit suave a novo referendo, e até o dia 20, o galo intragável de May vai continuar no fogo.
A. P.