O Transnacional Institute (TNI) revela que ao menos 55 países tiveram algum processo de reestatização entre 2000 e 2017. Alemanha, França e EUA lideram a lista dos que mais retomaram o controle público de serviços privatizados
Em razão de serviços caros e ruins e priorização dos lucros ao invés do investimento, pelo menos 884 serviços foram reestatizados no mundo entre 2000 e 2017, revelou o Transnacional Institute (TNI), com sede na Holanda, que faz estudos sobre democracia e sustentabilidade.
Os cinco países que mais retomaram o controle público de serviços privatizados foram a Alemanha (348), França (152), EUA (67), Grã Bretanha (65) e Espanha (56) – ou seja, países capitalistas centrais. Os serviços abrangidos, segundo o TNI, foram distribuição de água, energia, transporte público, coleta de lixo, programas habitacionais e outras áreas essenciais.
Segundo o relatório do TNI “Reconquistando os serviços públicos”, ao todo, são 55 países, nos cinco continentes. 83% dos casos de reestatização ocorreram depois de 2009 e essa tendência mantém-se em alta.
A modalidade de retomada mais comum foi a não renovação quando a concessão acaba – o que se explica pelo conflito com a parte privada ser menor nessa situação -, mas há também casos de rompimento de contrato e de empresas compradas de volta.
Foi o caso da Alemanha, que a partir de 2007 passou a comprar de volta as distribuidoras de energia que havia vendido em parte ou totalmente durante a década de 1990. O processo com mais repercussão foi em Hamburgo, onde a população decidiu em referendo em 2013 a reestatização da energia elétrica. A recompra custou 500 milhões de euros.
Na França, os serviços de água e esgoto voltaram para a gestão estatal em 106 cidades. Estudo da entidade de defesa dos consumidores UFC Que Choisir apontou que, entre as cidades francesas com mais de 100 mil habitantes, as menores tarifas tinham gestão pública, e as mais caras estavam, majoritariamente, em mãos privadas. A mobilização pelo direito à água inclusive conseguiu aprovar lei em 2013 proibindo que as empresas cortem a água de domicílios.
Mas foi em Paris que ocorreu a maior vitória: a decisão de não renovar a concessão dos serviços de água e esgoto, que estavam sob controle de duas corporações privadas, a Suez e a Veolia, desde 1985. No lugar, foi criada empresa municipal Eau de Paris, que passou a cuidar do tratamento de água da capital francesa.
Outras cidades importantes que retomaram o controle público da água foram Nice, Rennes e Grenoble. Em Montpellier, as tarifas caíram 10% com a gestão pública. Também em 20 cidades da França, a concessão do transporte público voltou para o setor público.
Na Grã Bretanha, a agência pública de transporte de Londres em 2010 pagou 310 milhões de libras para romper uma PPP com uma empresa privada para a expansão do metrô, em vigor desde 2003, para conseguir viabilizar o projeto com mais agilidade e custo menor.
Conforme estudos, as tarifas dos trens britânicos privatizados por John Major são em média 30% mais caras do que em outros países europeus. Em 2002, a empresa privada que havia arrematado a infra-estrutura, a Railtrack, foi a bancarrota, e o governo inglês se viu obrigado a retomar essa parte. Outras concessionárias continuam responsáveis pelas viagens, sob reclamações constantes, e sua reestatização faz parte do programa de governo anunciado pelo líder trabalhista Jeremy Corbyn.
Nos EUA, boa parte das 67 reestatizações ocorreu nas áreas de água e energia, em estados como Nova York, Flórida e Texas. A cidade de Atlanta cancelou em 2003 concessão de água que iria até 2019 e tivera início em 1999, em decorrência de reclamações de falta de água e má qualidade.
Na Espanha, até 2017 Barcelona e mais 26 cidades haviam tomado de volta as concessões de água. Uma das razões para isso foi comprovada por levantamento do Tribunal de Contas espanhol, que registrou que o custo médio por habitante da manutenção das redes de água sob gestão privada era 21,7% mais caro do que as sob controle municipal. Mega concessão da rede de saneamento da região metropolitana de Barcelona foi anulada em 2015 pelo Tribunal Superior de Justiça da Catalunha, em vigor há três anos, por irregularidades no leilão e alta nas tarifas. Prefeituras espanholas têm também recuperado a gestão da coleta do lixo e serviço funerário, além de energia.
O relatório também registra como campanhas em defesa dos serviços públicos têm se fortalecido na Europa, como a “Right2Water”, que recebeu 1,9 milhão de assinaturas; “Public is Essential”, que denuncia o credo ‘mais privado, menos estado’; e “Nenhuma Privatização Contra a Vontade dos Cidadãos”.
A.P.