LEONARDO WEXELL SEVERO
A morte a tiros do membro da Junta de Ação Comunitária em Tumaco, Argemiro López, no último domingo, elevou para 473 o número de lideranças sociais assassinadas na Colômbia desde a assinatura dos Acordos de Paz, em novembro de 2016. O estado de saúde da mãe e da esposa de Argemiro é delicado, como a situação do país, que sofre com a proliferação de execuções de líderes populares por paramilitares de extrema direita.
Seguindo listas negras para ceifar a vida de militantes por um país melhor e de lutadores que depuseram as armas após os Acordos – que puseram fim a um conflito de 53 anos -, os paramilitares contam com carta branca do presidente Ivan Duque, assim como tinham de Álvaro Uribe (2002-2010), retomando a prática do terrorismo de Estado. Mentor do atual governante, Uribe é reconhecido por ter aceito a implantação de sete bases estadunidenses em território colombiano e pelo covarde assassinato de civis, que os militares fizeram passar por guerrilheiros mortos em combate, os tristemente famosos “falsos positivos”.
“O recente pronunciamento de Duque contra seis artigos da lei estatutária da Justiça Especial de Paz (JEP), se soma à série de decisões políticas que mostram que não interessa a este governo cumprir os acordos e consolidar a paz na Colômbia. Pelo contrário, cada vez mais se encaminha pela via da guerra”, denunciou a Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), indicando a identidade com o “uribismo”.
A retomada do abatimento de lideranças – sejam comunitárias, estudantis ou ativistas de direitos humanos -, além obviamente da transformação em alvo prioritário os 13.000 guerrilheiros que entregaram as armas, fez soar o alarme. Polo Democrático Alternativo, Lista da Decência, Movimento Colômbia Humana, MAIS, Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC) e Aliança Verde lançaram um manifesto de alerta no dia 13 de março. “Nosso país teve em 2017 sua taxa de homicídios mais baixa dos últimos 30 anos. E conseguimos reduzir o número de mortes no conflito em 97%, o deslocamento em 79% e as vítimas de minas em 99%. Tivemos, além disso, as eleições mais pacíficas da nossa história. O processo de paz demonstrou que podia salvar vidas”, assinalaram os partidos.
Porém, lembrou a frente oposicionista, “2018 mostrou que esse processo é sumamente frágil. Para se conseguir estabilizar os territórios mais afetados pela guerra, se dependerá de um esforço enorme para fortalecer a capacidade de administração da justiça local, construir estradas vicinais e sistemas de irrigação, oferecer educação e saúde de qualidade, entre outros, sempre reconhecendo as prioridades expressas pelas autoridades locais e as comunidades, incluindo as mulheres, que são as que mais sofrem com a guerra”.
O fato, sintetizou o documento, é que a proposta de Ivan Duque põe “em grave risco a separação de poderes, atenta contra a construção da paz e busca distrair a cidadania de uma agenda política que realmente permita que nos concentremos em resolver os principais problemas do país”. “É preciso combater a corrupção de casos como o da Odebrecht, por exemplo, que está tão entranhada em nossas instituições”, frisou.
GENOCÍDIO SINDICAL
Tendo sofrido um verdadeiro genocídio sindical com a execução de mais de 3.000 militantes desde que foi criada em 1986, a CUT rechaçou a ação de Duque: “debilita a confiança de quem atendeu ao chamado de paz e cumpriu o acordado” e, “mais grave”, “envia uma mensagem política negativa aos que esperam futuros avanços no caminho da solução política” de um conflito que ceifou dezenas de milhares de vidas ao longo de mais de cinco décadas.
A CUT recordou que embora instâncias internacionais como o Conselho de Segurança da ONU e a Corte Penal Internacional já tenham se pronunciado, respaldando os Acordos de Paz e seu alcance em termos de direito às vítimas, “novamente o uribismo volta a colocar o tema da guerra e a paz no centro do debate político”. “Com a proximidade das eleições de outubro deste ano, Duque tenta salvar seu governo diante da desastrosa política que entrega ainda mais nosso país às multinacionais e ao capital estrangeiro”, apontou a Central.
EXECUÇÕES COVARDES
O prefeito distrital de Tumaco, Jhon Martínez, condenou a covardia do assassinato de Argemiro López e exigiu a apuração do crime. “Argemiro fazia parte da mesa interétnica e trabalhava incansavelmente para aportar à construção da paz e da convivência pacífica em nosso território”, esclareceu. Segundo Martínez, o ativista “deixa um enorme vazio e um grande legado que esperamos que sejam as bases para avançar na tão desejada paz pela qual clamam as comunidades em nosso território”.
O governador de Nariño, Camilo Romero, lamentou que sigam ocorrendo tamanhas atrocidades e reconheceu que López era um “líder social destacado”.
Segundo o vice-presidente da Federação de Ação Comunitária de Nariño, Leder Rodríguez, as ameaças eram cada vez mais constantes. “Vinham dizendo que a qualquer momento podiam matá-lo dentro de casa, como ocorreu”, ressaltou Rodríguez, denunciando que o bando de narcotraficantes As Águias Negras estão entre os grupos paramilitares atuantes na região.
“Presenciamos uma sequência de ameaças contra as lideranças”, acrescentou Leder, lembrando que os assassinos são estimulados pelo fato dos crimes não serem apurados e ficarem impunes. “Sabemos como agem estes grupos e sabemos como nos cuidar, mas, se não temos as ferramentas, é impossível. Hoje em dia, estamos todos em perigo”, assinalou.
Na sexta-feira anterior, o líder indígena Alexánder Cunda havia sido assassinado a tiros, em uma zona rural ao norte do departamento de Cauca. Moradores locais testemunharam que um grupo de homens armados abordou Cunda e disparou, atingindo o indígena na cabeça com pelo menos três tiros de pistola nove milímetros.
“Chegaram uns sujeitos e já atacaram o companheiro com arma de fogo. Cunda se destava por assumir a liderança na comunidade e assim as pessoas o reconheciam”, relataram os vizinhos da vítima, frisando que panfletos com ameaças de morte foram distribuídos alguns dias antes.
O departamento de Cauca conta com forte presença de paramilitares ligados ao narcotráfico e ao governo.