Com o lema “Reforma agrária, urgente e necessária”, milhares de agricultores e indígenas paraguaios se concentraram na capital, Assunção, ao longo da semana, para exigir do presidente Mario Abdo Benítez justiça no modelo produtivo agrário, com a redistribuição equitativa da terra e o fim da violência e dos despejos arbitrários no campo.
“Estamos aqui para lembrar que nosso país ocupa o primeiro lugar no mundo em desigualdade na distribuição de terra e que esta injustiça se agrava e se amplia a cada dia”, denunciou a dirigente da Federação Nacional Camponesa (FNC), Sonia Acevedo, frisando que os grandes latifundiários, paraguaios e estrangeiros, contam com todas as benesses do governo, que age como um serviçal. Acevedo recordou que um informe da Oxfam publicado em 2017 revelou que 90% das terras cultivadas do Paraguai estão nas mãos de apenas 5% dos proprietários e que esta concentração se amplia a cada ano.
Segundo a ONU, 94% dessas terras são direcionadas à produção de alimentos para exportação – abastecendo 60 milhões de pessoas -, ao mesmo tempo em que mais de 700 mil dos 6,8 milhões de paraguaios passam fome.
CONTAMINA, DESFLORESTA E EXPULSA
Para o secretário-geral adjunto da FNC, Marcial Gomes, “o modelo agroexportador cada vez mais contamina, desfloresta e expulsa camponeses e indígenas, não deixando praticamente nada para o país”.
“Produzimos alimentos e isso tem que ser potencializado e impulsionado, o Paraguai precisa gerar recursos para que possa se industrializar, precisamos de investimentos para nos desenvolver”, enfatizou. A presença na Praça Uruguaia, no centro de Assunção, após vários dias de marcha, acrescentou, é para fazer com que o tema deixe de ficar encoberto “pelos que querem que nada mude”, transformando centenas de milhares de hectares de florestas em desertos de soja.
Houve enfrentamento nas proximidades do Congresso, quinta-feira, quando lideranças da comunidade Takuara’i, no município paraguaio de Corpus Christi, próximo à cidade brasileira de Sete Quedas (MS), decidiram protestar contra a responsável de Assuntos Indígenas do Senado, que “prolonga uma conversação há meses sem dar qualquer resposta”.
Os 300 indígenas de Takuara’i são a prova viva de que a expulsão forçada, via de regra à bala, continua. Eles foram expulsos de suas terras “sob a mira de armas de fogo” por pistoleiros contratados por um fazendeiro de soja brasileiro.”Torturaram idosos e crianças, mataram galinhas e cachorros. Não ficou ninguém. Tivemos um estudante de Antropologia, Isidoro Barrios, de 27 anos, morto diante de toda a família”, denunciou Derlis Lopes, liderança da comunidade.
Apesar disso, sem qualquer diálogo, parlamentares ligados ao governo acionaram militares e policiais, que não economizaram na brutalidade e lançaram bombas de gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes, entre eles mulheres e crianças.
Feroz defensor dos sojeiros, em particular, o ministro do Interior, Juan Ernesto Villamayor, disse que se opunha ao “uso sistemático da violência” como método de reivindicação e que era uma “barbaridade” a presença de crianças nos protestos.
MULTINACIONAIS DO AGRONEGÓCIO
Membro da Sociedade de Economia Política do Paraguai, Idilio Grimaldi lembra que com a proteção do Congresso, a quem dominam, multinacionais do agronegócio como Monsanto, Cargill, Syngenta, Dow e Basf “praticamente não pagam impostos”.
“A carga tributária do Paraguai é de apenas 13% do PIB. 60% do imposto arrecadado pelo estado paraguaio é o IVA, Imposto sobre Valor Agregado. Os latifundiários não pagam impostos. O imposto imobiliário representa apenas 0,04% da arrecadação tributária, ainda que o agronegócio produza cerca de 30% do PIB”, esclarece o pesquisador, frisando que 94% das terras cultiváveis são destinadas à exportação.
Na área urbana, que concentra 4.124.616 habitantes, 904.763 são pobres (21,94% da população), enquanto dos 2.169.792 da área rural, 1.044.509 são pobres (39,72%). Das 387.242 pessoas mergulhadas na pobreza extrema (5,73% da população), 67.173 (1,63%) estão na cidade e 320.069 (12,17%) no campo.
“Na população rural a pobreza é mais extensa, tanto em incidência como em quantidade absoluta”, destaca Maria Elizabeth Barrios, da Direção Geral de Estatística, Pesquisa e Censos (Dgeec).
Sem saída para o mar, o Paraguai tem sua economia baseada no monocultivo de grande extensão, especialmente de soja, sua principal fonte de divisas. O país é o quarto maior exportador do mundo de oleaginosas. Imensa fonte de água doce, é sócio do Brasil e da Argentina – com duas grandes represas hidrelétricas, a de Itaipu e a de Yaciretá – e detentor de parte do Aquífero Guarani.
Militante da FNC, Cesar Ramos declarou que a pressão tende a aumentar, pois o presidente é um fantoche: “Marito atende unicamente aos grandes empresários, ao agronegócio, nunca ao camponês, reprimindo o povo e impedindo o desenvolvimento nacional”.
O pai de “Marito” – de mesmo nome – foi secretário particular do general Alfredo Stroessner, que comandou entre 1954 e 1989 no Paraguai a mais longa ditadura da América do Sul, sendo responsável por milhares de casos de torturas, desaparecimentos e assassinatos. Condenado por crimes contra a Humanidade, Stroessner foi recentemente qualificado como “estadista” por Jair Bolsonaro.
LEONARDO WEXELL SEVERO