Por orientação do governo Bolsonaro, o voto do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU foi contra a condenação da execução de palestinos, a tiros, por tropas israelenses durante manifestações na Faixa de Gaza.
O Conselho dos Direitos Humanos da ONU, reunido em Genebra na sexta-feira, aprovou uma série de resoluções, com base em uma investigação independente, que apresentou um informe denunciando o assassinato de 183 palestinos em Gaza, dos quais 154 estavam desarmados, no período de março a dezembro de 2018. Dois dos mortos eram jornalistas.
As denúncias documentadas do morticínio partem tanto de órgãos de Saúde palestinos, como de organizações israelenses, a exemplo de B’Tselem. Algumas das execuções foram, inclusive, filmadas por soldados israelenses que celebravam tiros certeiros sobre adolescentes palestinos. Ministros israelenses, a exemplo de Naftali Bennett, da Educação, chegaram a criticar o governo por ter ferido muitos palestinos. Segundo ele, os soldados israelenses deveriam acertar a mira e matar muito mais. Mesmo quando perguntado se ao falar que os soldados deveriam “atirar para matar”, incluía crianças, respondeu: “Não devemos nos enganar, não são crianças, são terroristas”.
Manifestantes, enfermeiros e jornalistas alvejados foram filmados e fotografados, assim como os funerais. O informe apresentado também aponta a mais de 6.000 feridos por tiros e bombas israelenses no mesmo período e nessas mesmas manifestações.
Portanto, não havia como negar a intencionalidade de matar, nem os crimes denunciados.
Além disso, uma das resoluções, contra as quais o Brasil votou, determinava apenas o fortalecimento da presença do Conselho de Direitos Humanos nos territórios palestinos para poder documentar as agressões a tais direitos dos palestinos sob cerco e ocupação desde 1967.
Outra resolução reiterava a condenação aos assentamentos judaicos em terras palestinas, o que é considerado o maior obstáculo à paz entre judeus e árabes na região.
O voto do Brasil sempre foi no sentido de condenar agressões perpetradas por Israel contra os palestinos, seja em Gaza, seja na Cisjordânia, assim como a continuidade da ocupação e usurpação de territórios, ou a imposição da inanição e o impedimento do acesso à água através do cerco e desvio de fontes.
O ministro do Exterior do Brasil, Ernesto Araújo justificou o voto brasileiro que acoberta os crimes do governo israelense dizendo que a resolução teria um viés contra Israel: “Apoiar o tratamento discriminatório contra Israel na ONU era uma tradição da política externa brasileira dos últimos tempos. Estamos rompendo com essa tradição espúria e injusta, assim como estamos rompendo com a tradição do antiamericanismo, do terceiromundismo e tantas outras”.
Posição que é semelhante à dos Estados Unidos, para quem Israel não praticaria agressões, mas ao contrário, o país seria visado em excesso pelos organismos de direitos humanos da ONU. Com esse argumento, Washington inclusive deixou o Conselho em 2018.
A embaixadora de Israel na ONU, Aviva Raz Shechter, disse que o relatório contém “clara evidência de viés político contra Israel”. O Ministério de Relações Exteriores israelense chamou as críticas de “ritual hipócrita e absurdo” que “ignora a realidade” em campo.
Ocorre que quem nega a realidade é Israel. A embaixadora Aviva, ao tentar negar os fatos, os inverte: quem correria “riscos” seriam os 70 mil israelenses que vivem perto da fronteira com Gaza. Observe-se que ela não negou o número de mortos palestinos, nem apresentou nenhum morto israelense ou ferido por parte dos manifestantes violentamente reprimidos.
O Brasil votou ao lado de mais setes países, incluindo aliados tradicionais dos EUA, como Austrália. Votou também contra a resolução a Ucrânia, governada por uma junta de cunho fascista e outros governados por partidos de direita, como Hungria e República Tcheca.
O texto aprovado por 23 votos favoráveis, 7 contra e 15 abstenções, determina “garantir a responsabilidade e a Justiça por todas as violações da lei nos territórios palestino ocupados, incluindo Jerusalém oriental” e aponta como necessário “o deslocamento de pessoal e especialistas para monitorar e documentar as violações da Lei Internacional em andamento nos territórios palestinos ocupados”. O Brasil foi o único país latino-americano a se posicionar contra.
Os únicos votos do Brasil a favor dos palestinos, nesta sexta-feira, foram em resoluções genéricas sobre o direito à autodeterminação do povo palestino e à proteção da situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados.
O Conselho também aprovou a condenação de Israel pelo “uso intencional de força letal, ilegal e excessiva” contra manifestantes civis, incluindo crianças, jornalistas e trabalhadores da Saúde em Gaza e manifestou sua “grave preocupação”.
O órgão da ONU também destaca que tais fatos demonstram que “há urgência em que seja alcançado, sem adiamentos o fim da ocupação israelense que começou em 1967” e afirma que o fim da ocupação “é necessário para garantir os direitos humanos e a lei internacional”.
NATHANIEL BRAIA