Categoria de contrato criada pela ‘reforma’ trabalhista golpeia salário mínimo e exige que trabalhador pague para ter benefícios
A categoria de “trabalho intermitente”, uma das aberrações criadas pelo governo Temer com a chamada “reforma trabalhista”, que entrou em vigor desde o dia 11 de novembro, não só representa um golpe no salário mínimo – ao permitir contratações sem carga horária fixa e, sem salário fixo, podendo esse ser abaixo no mínimo – como também se tornou mais um obstáculo para os trabalhadores no acesso à aposentadoria.
Isso porque, conforme a MP 808, que regulamenta a reforma, está prevista que o empregador não terá a obrigação de descontar o total mínimo exigido pela Previdência, que é o valor de 74,96, referente ao salário mínimo, hoje em R$ 937. Conforme a lei, caso o trabalhador receba abaixo do mínimo, ele é quem deverá completar a contribuição para não perder esse tempo para fins da aposentadoria e acesso a benefícios. Diz a lei que quem não recolher o adicional por conta própria, “não será considerado para fins de aquisição e manutenção da qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos benefícios previdenciários”. Ou seja, não terá acesso à aposentadoria nem a concessões como licença médica.
De acordo com o advogado Emerson Domingues, da Associação Comercial de São Paulo, Emerson Domingues, os trabalhadores nesta situação terão mais dificuldade para cumprir esse período de carência para ter o acesso aos benefícios da Previdência, como auxílio-doença e salário maternidade, que são de um ano e de dez meses de contribuição, respectivamente, após o início da inscrição. Para o advogado, existe risco é de que, por ter jornada incerta, os intermitentes demorem mais para superar essa exigência.
Segundo a MP, caso queira garantir a contribuição, o empregado terá que arcar com a diferença “entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, em que incidirá a mesma alíquota aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador”, mesmo sem receber rendimento suficiente.
Ou seja, a “reforma trabalhista” acabou oficializando uma categoria de subemprego que beira ao trabalho escravo: sem direitos, antes garantidos por lei (ao submeter as decisões aos falsos “acordos” entre patrões em empregados), podendo o trabalhador receber abaixo do mínimo, sem garantia de acesso à aposentadoria, e ainda sem direito à seguro-desemprego em caso de fim de contrato.
Para o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, a situação imposta pelo governo, ao exigir que o trabalhador complemente a contribuição à Previdência, “praticamente inviabiliza a aposentadoria. O mês em que o trabalhador não recolher a diferença, não vai ser contado para efeito da contribuição do benefício previdenciário. E a regra do trabalho intermitente no mundo inteiro é o intermitente ganhar menos que um salário mínimo. Na Espanha, 36% dos trabalhadores intermitentes ganham menos que um salário mínimo” disse Fleury ao jornal “O Globo”.
Para o procurador, o Ministério Público do Trabalho, ainda que a lei tenha entrado em vigor, irá manter fiscalização constante e questionará ações que prejudiquem os trabalhadores: “No processo legislativo, fornecemos elementos técnicos para o Congresso, mostrando inconstitucionalidades, violações a normas internacionais, e não fomos considerados. Aprovada a reforma, nosso papel constitucional é defender os direitos sociais. Não se trata de combater a reforma ou de não aplicá-la. É uma lei: óbvio que tem que ser aplicada, só que, como qualquer lei nova, tem que ser interpretada”, disse, em entrevista à Folha. “Nosso trabalho será justamente buscar, em cada caso, onde a legislação está sendo utilizada para prejudicar os trabalhadores, para precarizar, para levar a indignidade ao trabalho e atuar nesses casos. Se a lei estiver sendo usada como forma de burlar os direitos sociais, vamos aplicar os direitos sociais, que estão previstos na Constituição e nas normas internacionais”, afirmou.
ANTONIO ROSA