Dois meses depois da tragédia de Brumadinho, onde o rompimento de uma barragem de rejeitos da mineradora Vale, no complexo Mina Córrego do Feijão, matou 212 pessoas e deixou 95 desaparecidos, a cidade de Barão de Cocais (MG), onde também há uma barragem da empresa, vive o desespero do risco de uma nova tragédia.
Na sexta-feira (22), a barragem Sul Superior, da mina de Gongo Soco, subiu para o nível 3. A elevação do alerta de risco da barragem foi decidida pela Agência Nacional de Mineração (ANM). O nível 3 significa “rompimento ou risco iminente de rompimento”. Em 8 de fevereiro, o risco de rompimento dessa barragem já havia subido para o nível 2.
Cerca de seis mil dos 28 mil moradores da cidade, que vivem às margens do Rio São João passam pelo medo de ter que abandonar usas casas a qualquer momento.
A dona de casa Edna Aparecida Oliveira Silva, de 60 anos, moradora da cidade com casa às margens do rio, decidiu se preparar para a partida a qualquer momento. “Já disseram que a gente não vai ter tempo de pegar nada, então coloquei no porta-malas do carro o álbum de formatura da minha filha, algumas lembranças da casa e documentos”.
Edna afirma que voltou a sentir sintomas de depressão e pânico – problemas que teve no passado, mas que julgava resolvidos. “Não estava tomando mais remédios, mas não tem jeito. Nem cochilo à noite. Vou ter que voltar com o tratamento”.
“Aqui ninguém aguenta mais. Tem hora que dá vontade de ver essa barragem ruir, para acabar com isso de vez”, disse Adriana Aparecida Dutra, de 37 anos, que também mora na cidade. Placas indicando rotas de fuga foram instaladas na cidade. Com temor, um grupo de moradores faz vigília à noite em uma das pontes sobre o Rio São João. “Eles dormem de dia e ficam lá à noite”, conta Edna.
Em fevereiro, quando o nível de falta de segurança subiu para o nível 2, cerca de 500 moradores que tinham suas casas até 10 km da barragem e seriam atingidos muito rapidamente em caso de rompimento, foram evacuados. Agora essas pessoas perderam a esperança de voltar para casa.
A agente de saúde Isabel Cristina Batista, morava no distrito de Socorro com o filho, a irmã, o pai e a mãe, está agora em um hotel em Santa Bárbara, junto com todos os parentes. “A situação piorou. Quando disseram que a barragem seria descomissionada, achamos que poderíamos voltar. Agora, com essa incerteza, acho difícil”, afirmou.
A Barragem Superior Sul está entre as dez que a Vale precisa desativar após exigência do Ministério Público e órgãos reguladores. Esta barragem foi construída no método de “a montante”. A construção “a montante” é do mesmo tipo usado na construção de barragens que se romperam em Mariana, em novembro de 2015, e o de Brumadinho, os dois maiores crimes ambientais da historia do Brasil.
Segundo a Defesa Civil 6.054 moradores de Barão de Cocais terão de ser evacuados em caso de rompimento. Mas um eventual rompimento pode atingir também duas outras cidades: Santa Bárbara e São Gonçalo do Rio Abaixo. Somando as três cidades: cerca de 9,8 mil pessoas teriam de ser tiradas de suas casas.
O Ministério Público de Minas enviou no domingo duas petições à Justiça. Na primeira, exige que a Vale “se responsabilize pelo abrigamento e acolhimento de pessoas e animais”, prestando toda a assistência às famílias desabrigadas.
Em outra, pediu o bloqueio de R$ 120 milhões da Vale para realização de auditoria técnica para garantir a segurança das barragens como Sul Superior, Vargem Grande (Nova Lima), B3 e B4 do Complexo Minerário Mar Azul (Nova Lima) e Grupo Forquilhas do Complexo Mina de Fábrica (Ouro Preto). A promotoria afirma que, apesar de vários pedidos feitos à empresa, ainda não há certeza quanto à condição das estruturas.
Outras barragens em risco
A ruptura do reservatório que retinha mais de 12 milhões de metros cúbicos (m3) de rejeitos de minério de ferro, em Brumadinho, não foi exatamente uma surpresa para a Vale.
Segundo informações obtidas pelo jornal “O Estado de Minas”, um engenheiro que trabalhou por mais de uma década no setor mais sensível quanto a licenciamentos e vistorias de segurança de barramentos da empresa, contou que “existe uma espécie de ranking das piores barragens no setor de segurança e licenciamento (da Vale). Córrego do Feijão era a terceira pior para nós. Nesse sentido, foi, sim, surpreendente, mas porque a situação de estabilidade de Vargem Grande (Nova Lima) e de Forquilha 2 (Ouro Preto) é muito mais dramática”.
O especialista concordou em revelar ao Estado de Minas as fragilidades que conhece, mas pediu que seu nome seja mantido em sigilo, por temer represálias.
Segundo a reportagem, a pior dessas barragens no ranking interno da própria Vale, é a Vargem Grande, ela tem 35 metros de altura, que comporta 9,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro na Mina de Abóboras. No dia 20 de fevereiro, 38 famílias foram removidas da área que pode ser soterrada em caso de rompimento.
A Barragem de Vargem Grande é fonte de problemas desde 2011, revelou o ex-funcionário da Vale. “Na Barragem de Vargem Grande chegamos a ter grandes erosões no maciço. Em 2011, o barramento quase se rompeu. Isso a Vale nem divulgou. A barragem já estava com um processo avançado de trincas, vazando rejeitos. Eu estava lá. Foi uma coisa horrorosa. E não avisaram a ninguém. Não evacuaram ninguém. Só se soube disso internamente. Contratou-se uma empresa terceirizada para fazer paliativos, e assim ficou”, contou.
Na barragem de Forquilha, parte do Complexo da Mina de Fábrica, em Ouro Preto a situação é semelhante. Famílias precisaram ser removidas dia 20 de fevereiro, assim como em Vargem Grande, devido à insegurança do local, um barramento de 89 metros de altura que contém 24 milhões metros cúbicos de rejeitos, praticamente o dobro de Córrego do feijão está pra romper.
“Forquilha (2) já tinha problemas de estrutura em 2012. Problemas de instabilidade, com ravinamentos (fendas profundas no talude, estrutura de contenção da barragem), trincas, fissuras, entupimentos de drenos. Fizeram sondagens em locais onde não deveriam fazer, igual ao que vinha ocorrendo em Córrego do Feijão”, comparou. “Em nível de estado crítico, a pior era a de Vargem Grande e a segunda pior era a de Forquilha. A de Córrego do Feijão era a terceira. Por isso, quando se rompeu Córrego do Feijão, já fiquei com medo das outras. A Vale sabendo disso tinha de ter paralisado (as operações) e evacuado as outras imediatamente. Mas ainda levou muito tempo. Era para ser imediato. Eu acho que não deveria voltar nunca. O caminho é só um: descomissionar”, afirma o ex-funcionário, referindo-se as barragens que a Vale terá de descontinuar.
Para o engenheiro, que não trabalha mais na Vale, o motivo de Córrego do Feijão ter ruído antes de Vargem Grande e de Forquilha 2 foi o aumento da intensidade de trabalhos sem qualquer compromisso com a segurança.
“Córrego do Feijão era uma mina paralisada. Foi quando começaram a rodar com os caminhões fora de estrada é que começaram a haver as vibrações de solo que aceleraram o processo de liquefação dos rejeitos dentro da barragem. Era um tráfego intenso e talvez por ser mais intenso do que em Vargem Grande e Forquilha, tenha fragilizado mais (a Barragem 1 de) Córrego do Feijão”, avaliou.